A HISTÓRIA DO MENINO ZEZÉ E O BOI ZEZÉ



Era dezembro de 2005, a sucessão das horas percorria as escadarias daquele pequeno município do Estado do Piauí, chamado de Sussuapara proveniente da cidade vizinha de Picos, intercalada numa situação geográfica favorável de bom clima, limitando ao norte com São José do Piauí, sul com Geminiano e Picos, Leste com Geminiano, Santo Antônio de Pádua e Bocaina e a Oeste com Picos, Santana do Piauí e São José do Piauí, integrante da microrregião de Picos com área irregular de 208 quilômetros quadrado, distante a 314 quilômetros da capital teresinense, com uma população de 6.500 habitantes. É nesta municipalidade que sobressai o solidarismo social expandindo-se com apenas dois eventos culturais: a festa de aniversário do município em dezembro e a do padroeiro da cidade, São Sebastião no mês de Janeiro.

A maioria da população sussuapense vive na zona rural, dispõem de energia elétrica fornecida pela CEPISA, e terminais telefônicos atendidos pela Telemar, além de uma pequena agência de correios, uma escola de ensino fundamental, e a plena dedicação do povo na agricultura baseada na produção sazonal de arroz, feijão e milho.

A comunidade está integrada no Polígono das Secas apresentando limitado nível pluviométrico com severas irregularidades de chuvas, nascendo à escassez da água, retraindo o desenvolvimento socioeconômico, e até mesmo a subsistência dos sussuapenses. De certa forma, é sabido que a seca e seus efeitos catastróficos são reconhecidos no Brasil, e poderiam tomar outros rumos, haja vista, que o subsolo piauiense é riquíssimo em recursos hídricos, além de ser detentor de grandes recursos superficiais nascido no Estado do Piauí na bacia do maior rio da mesopotâmia, o grande Rio Parnaíba que possui uma das mais extensas dentre as 25 bacias que verte no Nordeste, abrangendo o Estado do Piauí, uma boa parte do Estado do Maranhão e outra no vizinho do Estado do Ceará com uma área de 330.285 km², equivalente a 3,9% do nosso território nacional, drenando este três Estados enquanto os estudos e pesquisas apontam como o Alto e Baixo Nilo do nordeste, não aproveitando as fontes governamentais de instrumentos lógicos e capacitores para saciar a sede populacional deste deserto que reina há séculos nos espigões do seu povo.

Não há o que se negar que o Rio Parnaíba possui mais de 1.400 quilômetros de extensão, trata-se da mais extensa dentre as 25 bacias que brotam da Vertente Nordeste depois do Rio São Francisco, antes de acravar no Oceano Atlântico, formando o mais diversificado e recortado delta das Américas com gigantescos lençóis em três braços do rio na saída do mar, variando o intermediário no rumo norte, desembocando na Baía das Canárias. O grande Rio Parnaíba é o divisor entre os Estados do Piauí e Maranhão onde mantém a dinastia elementar da sobrevivência de todo o sertão, porém, aos poucos vai desaparecendo seus beirais alimentares. O braço leste, chamado rio Iguaçu, desemboca no oceano junto à cidade de Luís Correia, outra maravilha onde o turismo é pouco visualizado. O canal oeste, chamado rio Santa Rosa é o mais comprido subdividindo-se em vários braços, que formam diversas ilhas. As suas principais saídas para o mar são: uma para a Barra do Carrapato e outra para Baía de Tutoia, onde se edifica a ponte da mais nobre natureza, enquanto  a cidade de Sussuapara sobrevive de uma quantidade de aproximadamente de 300 poços tubulares, além do único rio que nasce na Serra das Almas, a seiscentos metros de altitude que vai ao longo do seu curso semeando um pouco da secura do sertão através do Rio Guaribas, única alegria que alça ainda neste horizonte perdido.

Raimundo Barbosa das Chagas, é natural da cidade de Sobral, Estado do Ceará, cor negra, estatura mediana, cabelo crespo, curto e enrolado, 42 anos de idade, amasiado com Maria da Luz, uma mestiça, baixa, com 31 anos de idade, porém, com rápida aparência de 50, conhecida popularmente como Da Luz, tem um filho de dez anos, de cor negra africana, de nome Zezé, não sabendo ler e nem escrever pelas dificuldades de não haver escola naquele povoado de Barreiro Branco.

A família é agregada nas terras de uma fazenda na zona rural de Barreiro Branco, município de Sussuapara, conforme relato, ele vivia da profissão de vaqueiro, tangendo o gado no meio do mato, em qualquer situação da região de Barreiro Branco, homem hábil e perito no manejo do gado exercendo o mesmo trabalho de todos os dias na Fazenda Pimentão de Ouro, de propriedade do maior agropecuarista no interior do Estado do Piauí, Roberto Kodok, afamado por sua valentia e prestígio tanto na capital ou no interior, residindo atualmente na capital do Estado.

Cabra valente e corajoso só havia um, Raimundo Barbosa das Chagas, o preto que atendia pela alcunha de “Mundin”, morando no meio do mato, acordava cedo ainda na madrugada para cuidar do gado, um verdadeiro cawboy do sertão, apaixonado em sentir o vento correr nas orelhas do cavalo “Sete Estrelas” atrás de um boi, considerado o melhor vaqueiro da fazenda e daquela região. De ano em ano, Raimundo Barbosa das Chagas, o “Mundin” vai a Sobral pelo mês de novembro acender velas no dia de finados aos familiares do outro mundo, oportunidade em que visita velhos amigos e conhecidos seleiros na maior zona do Brasil de produtores e de finos artesãos  que nem a tecnologia de ponta e a mídia não invadiram a tradição dos artigos artesanais do Ceará, nem mesmo as novas empresas e industrias que se instalam em várias cidades sertanejas do vizinho Estado do Piauí, não vencem a tradição do ciclo do gado desde a época da colonização.

É bom sempre lembrar que desde o Jaguaribe, Assaré, Morada Nova, Juazeiro, Crato, Jaguaruana e outras cidades, o universo coureiro naqueles municípios representam a mais típica ferramenta do homem artesão entre as vestes da caatinga agressiva, luzindo o chapéu de couro do vaqueiro como a mais nobre arte de trabalhar sob o sol. É de Sobral a Cariri que Raimundo Barbosa das Chagas, o Mundin vai às compras de um terno completo todo feito em couro, o famoso gibão, além do cinto, sela, sapato de couro e arreios, alpercatas usadas por lampião numa rica tradição e infiltrada na mais antiga cultura regional que o tempo ainda não apagou, passando de pai para filho a arte da resistência e criatividade do homem sertanejo, o único ofício relutante de fabricar utensílios de couros, é no Ceará.

No mês de dezembro de 2005, Mundin adoeceu permanecendo em casa, a esposa preparava os remédios caseiros com raízes de pau, momento em que o gerente da fazenda, senhor Paulo deixa um recado do patrão.

-Dona Da Luz! Cadê o nego Mundin?

-Ô fio, ele tá doente desde quinta-feira e com bastante febre. O que você quer com ele?

-Diga pra ele que o patrão não quer mais o serviço de vaqueiro.

Com os olhos avermelhados, Da Luz exclama:

-Seu Paulo! Não diga uma disgrama dessas!

-Dona! Tô cumprindo o meu dever, o recado e a ordem estão dados. Não me pergunte nada, não tenho nada a ver com o cu e as calças.

-Seu Paulo! Você é o gerente e sabe de tudo, desde quando esta fazenda foi comprada que ele trabalha aqui. Não é justeza fazer isso com o coitado que está lá dentro se acabando de febre.

O administrador sai sem dar qualquer atenção, muito menos sobre os serviços do condutor de gado, onde a aflição tomou conta do espaço, agonizando em febre o maior vaqueiro daquela região, lastimando em gotas, lágrimas que se desmanchavam na terra batida do casebre. O filho do casal estava ouvindo a aspereza daquele maldito diálogo, interrogando de imediato sua mãe.

-Mãe! Ele nos mandou embora?

-Não sei de nada! O que te interessa saber?

Ainda não havia chegada à madrugada quente, quando o pássaro Rasga-Mortalha atravessou o céu escuro com o dorso, manchas e estrias amarelas, cabeça preta, com linha mediana e sobrancelha amarelada, atrelando barulho de seu cântico rasgando uma mortalha, aterrorizando quem as escuta.

Raimundo Barbosa acordou a esposa e disse assustado:

-Mulher, tu ouviu a rasga-mortalha passando encima da casa?

-Ouvi Mundin, eu tenho medo quando ela passa avisando que alguém vai morrer.

-Da Luz é complicado tudo isso. Saiba que eu não posso sair daqui sem receber nada. O seu Roberto tem que pagar os meus direitos. Não é mesmo?

-Mundin! Ele tem que pagar tudo certo. Olha! São dez anos que você trabalha nesta ingrata profissão, recebendo menos da metade do salário mínimo.

-Verdade! Da Luz! Zezé tá crescendo e nunca foi pra escola, ele tem que saber pelo menos escrever o nome dele. E com essa expulsão tenho que criar vergonha na cara. Já fui besta demais.

No dia seguinte, o vaqueiro já se encontra restabelecido, e sem trabalho vai à cidade de Picos contratar um advogado trabalhista para reclamar os direitos. O causídico muito conhecido na praça, prepara a peça inaugural, dando entrada no protocolo da Justiça do Trabalho de Picos, vez que a referida cidade agrega o município de Sussuapara.

Sem demora, a funcionária Tereza daquela repartição examina cuidadosamente a inicial e verifica os nomes das partes, observa que o nome da fazenda Pimentão de Ouro pertence ao Roberto Kodok, esta se dirige à porta de saída e vai até a praça ao lado com o celular. Instantes em que faz uma rápida ligação.

-Alô! Quero falar com o Roberto!

-Quem deseja?

-Sou eu! Não se lembra mais de mim? Sou a filha do Januário, a qual o senhor aprovou no concurso do Tribunal.

-Não me lembro!

-Não acredito que o senhor já se esqueceu de mim. Sou irmã do James, o qual o senhor negociou com o meu pai para ele entrar na Universidade Federal de Medicina. Ele já está no sexto período?

-Sim, sim. Agora me lembro. O que você deseja?

-Quero lhe informar que interpuseram uma reclamação trabalhista contra a sua fazenda em Barreiro Branco.

-Quem foi este louco minha filha? Interrogou nervoso o Sr. Roberto Kodok.

-Na inicial tem como reclamante Raimundo Barbosa das Chagas, ele pede como indenização o valor de quinze mil reais.

-Já sei quem é. É o nego Mundin. Mas eu não mandei ele embora não. Quem é o advogado?

-É o doutor Noberto Ramires, advogado trabalhista. Falou a serventuária.

-Sim minha filha, eu conheço ele e vou impedir esta falcatrua. Não se preocupe que as preliminares são minhas. Fique tranqüila, e muito obrigado pela informação.


Sem ainda receber a contrafé com a provável data da audiência, o fazendeiro sai da capital teresinense em direção ao povoado Barreiro Branco, entrando na propriedade saca de uma pistola 380, atirando para todos os lados, rasgando com intransigência as veredas do ódio, no descaminho ardoroso às portas da morte na descomunhão do sossego, e por razões desprovidas vai ao encontro do funcionário naquela choupana de palha de carnaúba, e a esposa Da Luz atordoada com os tiros sai à porta de talo de buriti na observância do que estava acontecendo, quando avança o fazendeiro no terreiro.

-Negra crioula, cadê o teu capacho? Eu vim pra matá-lo ou se quiser ajustar as contas no cano do revólver, estou aqui.

-Seu Roberto! Ele tá doente! Pelo amor de Deus, não faça nada. Deixa agente em paz!

Raimundo Barbosa das Chagas se condoía na rede de febre enquanto os moradores da fazenda abriam as janelas, meninos subiam nos pés de cajus, e os moradores refletiam seus olhares na meia banda das portas, rosnando o insaciável desejo do proprietário.

-Cabra sem-vergonha! Filho de uma égua! Nego da moléstia! Fizeram a tua cabeça pra ir contra a minha pessoa. Tu jamais irás comer quinze mil reais. Quem manda aqui sou eu. Eu sou tudo e vocês não são nada. São uns vermes e bostas. Eu vou te mostrar Mundin como é que se ganha uma questão. Sou amigo do Governador, amigo dos senadores, o Presidente da República vem sempre aqui na minha Fazenda, e tu cabra safado não me deixa mentir. E podem sair da minha casa agora? Saem agora e já!

O casal e filho Zezé saíram da choupana rumando à cidade de Sussuapara, as lágrimas rolavam no rosto da mulher, levando somente alguns pertences, a dor invadia o pensamento do vaqueiro com um olhar constrangido e sem dizer nenhuma palavra. Os moradores e amigos no lugarejo Barreiro Branco, apenas assistiam as cenas humilhantes e desprovidas, andando cabisbaixo na cruel desventura agora traçada sem caminhos. Ao chegarem naquele município encontram a casa de um velho conhecido, Joãozinho, e lá pernoitaram. Prazeroso e bem-disposto, indaga o amigo:

-Mundin, eu te confesso que muitas coisas de ruim já aconteceram naquela fazenda com empregados. A facilidade do dinheiro do senhor Roberto faz a arrogância e a estupidez. Por que vocês não saíram logo antes de entrar na Justiça.

-Compadre Joãozinho não deu tempo. Eu estava esperando o Carlinhos me pagar uma conta e com este dinheiro poder viajar, e sem dinheiro agente não faz nada. Você sabe que tudo o que agente faz é com o dinheiro na frente. Agora eu não sei mais o que fazer. Amanhã cedo, tenho que arranjar três testemunhas para levar no dia da audiência, assim pediu o advogado.

-Não sei compadre. Este caso é meio complicado, o homem tem dinheiro e compra tudo e todos.

-Olha compadre, eu só quero receber os meus direitos e nada mais.

A claridade no romper do sol, leva Raimundo Barbosa a procurar por testemunhas pelas ruas da cidade, cujas pessoas que o encontra já trabalharam na fazenda.

-Hei Justino, quero falar contigo?

-Mundin rapaz! Há quanto tempo não lhe vejo? Como vai a Da Luz e o Zezé?

-Estamos passando não muito bem, mais vamos vivendo.

-E lá na fazenda como está?

-Eu fui mandado embora do emprego, e escorraçado de lá, só por que eu estava doente.

- Rapaz! Que ingratidão daquele homem. Não te deu nada e ainda de mandou embora.

-Sim Justino, não me deu nada e foi dessa forma. Mas, Deus é comigo e com ele ninguém cai.

-Justino! Eu te procurei pra você ser a minha testemunha na audiência.

-Olha! Nessa questão eu não vou. Não é questão de medo, sei que você tem seus direitos garantidos na lei. Mas não dá pra mim, não quero ser perseguido e nem perder o meu emprego. Você sabe que ele pode falar com o meu patrão lá no Comercial Bom Preço e você sabe que eu vou ficar sem trabalho. Me desculpe Mundin, mais não dá. Arranje outro.

-Mas Justino rapaz! Quer dizer que você não pode me ajudar? Você vai falar somente a verdade. Você é a única pessoa que trabalhou comigo e sabe de tudo.

-Não Mundin, procure outro desta eu estou fora.

Raimundo Barbosa se despediu do amigo saindo silencioso com passos apressado e desesperado pelas ruas de Suassuapara a procura de mais testemunhas para levar à audiência, não encontrando nenhum conhecido que pudesse dar um voto de confiança. Não tarda, o dia da audiência esperada na comarca da cidade de Picos(PI), é chegada, Raimundo Barbosa sai nervoso pela primeira vez de sua vida a uma audiência marcada às 10:00 horas daquela manhã.

O tempo percorre na velocidade constante, mas, as horas ultrapassam os minutos para o vaqueiro que aguardava na porta a chegada do advogado, impaciente pergunta para as pessoas se vira o advogado Noberto Ramires, a resposta negativa infringia mais o nervosismo enquanto o patrão Roberto Kodok tomava café no gabinete da Juíza desfrutando os laços de amizades que todos os homens de negócios e bem sucedido protagonizam naquele meio social reduzido. As horas passam, o pregão é anunciado e Raimundo Barbosa ainda tenta procurar pelo advogado quando o guarda interfere.

-Se você não entrar, você vai pegar revelia?

Indaga o vaqueiro:

-Moço! E o que é revelia? Tô aguardando o meu advogado e até agora não veio.

-Revelia é quando o dono da questão não comparece na hora da audiência quando é chamado. E entra logo que a outra parte está lá dentro com dois advogados.

Insatisfeito fala o vaqueiro:

-Mais eu estou aqui como pode a Juíza dizer que eu não estou aqui. Olha! Eu vou entrar se o doutor Noberto Ramires aparecer diga que estou lá dentro.

O vaqueiro adentra naquele recinto pela primeira vez de sua vida, e diante dos fatos a Juíza lhe pergunta se há acordo na reclamação trabalhista. Não entendendo nada, o vaqueiro diz .

-Dona, eu não sei de acordo, eu quero que ele me pague os meus direitos?

A Juíza de imediato adverte:

-Respeite-me, eu não sou dona, dona é sua mãe. Eu quero lhe dizer o seguinte, sou Juíza Federal do Trabalho e posso determinar sua prisão em flagrante por desrespeito a autoridade em audiência.

O vaqueiro não sabendo a quem atribuir, retruca.

- Senhora Juíza, eu não sei falar essas coisas, eu só sei é cuidar de gado. Me perdoe pelo amor de Deus!.

A Juíza interpõe:

-Vou lhe advertir pela última vez. Eu não aceito a forma como o senhor se dirige a Juíza desta audiência pública. Cadê o seu advogado? Tem testemunha para ser ouvida? A audiência é una.

-Não, eu não tenho testemunha, eu tenho os recibos que o advogado juntou aí num tal processo. E o meu advogado até agora não apareceu.

A outra parte davam gargalhadas e ficavam instigando baixinho para o reclamante de que o mesmo não ganhava a questão.

Novamente a Juíza pergunta:

- Há possibilidade de acordo Sr. Raimundo Barbosa?

-Excelência, eu quero receber os meus direitos que estão aí.

-Senhor, vou ser franca, aqui não dá pra você receber quinze mil reais.

-São os meus direitos. Trabalhei mais de dez anos pra ele.

A juíza monocrática admoesta mais uma vez:

-Por favor! Não aponte para a parte reclamada. Se dirija a minha pessoa e não ao Senhor Roberto. Nos meus cálculos só dá três mil reais. E caso eu venha a prolatar sentença poderá ser desfavorável para o senhor. Caso, venhas a receber qualquer valor, a parte vencida poderá recorrer da decisão e passar mais de seis anos no Tribunal para julgamento.

-Eu não posso aceitar, eu era empregado da empresa dele como vaqueiro, nunca ganhei décimo terceiro salário, nunca recebi um salário digno, nunca tirei férias e nada, além de estar doente, ele me mandou embora sem nada.

-Senhor, estou lhe afirmando que os seus direitos só dá três mil reais. você não tem advogado, não tem testemunhas e não tem qualquer prova que me convença. Resolva logo, que eu não tenho tempo a perder, tenho outras audiências pra fazer.

-Eu não posso aceitar.

Assim, a Juíza de primeira instância determinou a secretária que fizesse constar na pauta da audiência o pagamento da importância de três mil reais divido em duas parcelas de igual valor.

- Excelência! a minha carteira vai ser assinada?

- O senhor está me atrapalhando, posso determinar ao guarda que ponha lá fora.

- Esse homem aí é rico, tem mais de dez mil cabeças de gado, e pode me pagar tudo isso em dinheiro vivo.

-Não me interessa a situação financeira da outra parte. A minha determinação está pronta. E aguarde lá fora, por favor.

Raimundo Barbosa aguarda lá fora, taciturno com tal situação enquanto o patrão desfrutava da grande amizade, pondo fim na demanda, o vaqueiro Raimundo Barbosa das Chagas foi obrigado a receber o parcelamento na forma predita.

Lá fora, o sol se prontificava no centro do céu, e ao término, o patrão Roberto Kodok investe contra o pobre do vaqueiro e lhe disse ironicamente.

-Eu não te falei Mundin que na Justiça tu não ganha nada. Quero ver tu receber quinze mil reais.

Sem nada responder, o vaqueiro não dera atenção e no rosto transparecia as margens da hipocondria arrastada num berço de caminhos ínvios, atrelada nas circunstâncias de um cotidiano caótico.

Ao chegar na casa do amigo onde se encontra hospedado, sua companheira indaga.

-E aí Mundin? Recebeu todos os teus direitos certinhos?

-Que nada mulher! A tal de Juíza estava do lado dele, somente ela falava e ainda me ameaçou de prisão por chamar de dona. Tu sabe Da Luz que eu nunca fui na Justiça, nunca botei meus pés numa delegacia, muitos menos saber falar com este povo.

-Olha Mundin! Quando terminar de receber este dinheiro, nós vamos para o Maranhão. Hoje o compadre Juvêncio falou que lá tem muitas terras baratas e muito trabalho.

-É mesmo Da Luz? Eu também já ouvir falar. Se a gente for mesmo, vamos pra Caxias do Maranhão, dizem que lá é uma terra boa.

Zezé ouve tudo e inquire seu pai:

-Pai! Chegando lá nós compra um garrote e uma novilha. Não é mesmo pai?

-Sim meu filho, eu vou comprar um pedacinho de terra e um garrote pra você.

Instantes em que o guri fala a sua mãe:

-Mãe! Esse boi quando crescer, vou colocar o meu nome nele. Não é pai?

Não demora, os dois meses se consomem na rotação dos minutos e segundos no passatempo como se fossem combinações com cartas de baralho, mas, a perseverança na virtude reveste as almas em suportar as dores, incômodos e infortúnios traçados no mosaico da vida, com visões que se aprofundam no continuísmo abrilhantado pelo sol, restituindo os vértices da paz interior na serenidade por um dia melhor numa viagem afastada sem volta.


Numa bela manhã de sol, os três chegam à cidade da Princesa do Sertão Maranhense, Caxias, Estado do Maranhão, riquíssima nas artes culturais com altissonante natureza, a terceira cidade mais prestigiada do Estado, com uma área de 5.223.981 Km² e sua população estimada em 158.000 habitantes, mergulhada nas condições atmosféricas equatoriais, localizada numa latitude de 4º51'32’ sul e a uma longitude em 43º21'22’ oeste, estando a uma altitude de 66 metros, banhada pelo majestoso e triunfal Rio Itapecuru e seus afluentes que circundam a cidade com diversos banhos naturais.


Remontam a história e historiadores que os primeiros habitantes foram os índios Timbiras e Gamelas oriundos do litoral maranhense, receosos dos maus-tratos dos desbravadores e colonizadores portugueses onde fixaram o seu habitat. Embora olvidam sem fazer quaisquer registros na história de Caxias e Nacional, de que os seus primeiros habitantes foram os índios Guanarés, que ficavam na margem esquerda do Rio Itapecuru numa região rodeada de morros cortada pelo rio, cujos colonizadores descobrindo a boa terra cultivada pelos indígenas nas margens obtiveram proveito em fazer ligação com a capital da capitania, o Brasil e o resto do mundo na atração do comercio.

Os padres jesuítas também aventuraram a nobre terra dos índios Guanarés em 1727, (tribo extinta e sem qualquer passagem na história) nas missões e catequeses, fundando à margem direita do Rio Itapecuru uma capela onde se encontra atualmente a Igreja da Matriz no centro da cidade, nascendo assim o povoado, com a vinda dos portugueses e comerciantes de todo o Brasil, mudando para Julgado, e no ano de 1811, ergue-se a Vila de Caxias das Aldeias Altas, com o sacrifício de alguns dos índios Guanarés, Gamelas e Timbiras, forçados a escravatura vil e desumana. Enquanto que os Jesuítas conquistavam a amizade com presentes e ensinamentos cristãos, à noite os colonizadores atravessavam às margens do Rio Itapecuru onde atualmente é o bairro Tresidela, invadindo, açoitando e aprisionando homens, mulheres e crianças para o dogmático trabalho escravo. Assolados alguns fugiam lançando-os mata à dentro, às vezes mergulhando nas profundezas do Rio Itapecuru. Os Jesuítas nada podiam fazer em defesa dos indígenas, onde centenas de órfãos gritavam e choravam gotas de um desespero sem freio e dor.

Há relatos de velhos conhecidos e que a história e grandes historiadores olvidaram que o Padre Italiano Gabriel Malagrida passou pela Vila de Caxias das Aldeias Altas, edificando choupanas de palhas em proteção as mulheres prostitutas, desonradas pelos portugueses. Assim, rumou a pé com destino a cidade Oeiras no Piauí, Pernambuco e Bahia, além de outras cidades nordestinas. Sabe-se que Malagrida foi um fiel jesuíta esquecido, amante dos índios Guanarés, e outras tribos, abrilhantando insultos contra os portugueses pelos maus tratos contra os indígenas. E nestes reais traços, Malagrida esteve próximo de ser devorado pelos Guanarés nas proximidades do Rio Iatepecuru. Aos poucos dias na terra caxiense, os demais jesuítas alertavam de que Malagrida não deveria se intrometer na vivência da vila e nem proteger as mulheres prostitutas, meninas escravas de 08 a 15 anos, filhas de escravos negros desregrados pelos poder local. Este foi o grande taumaturgo brasileiro Gabriel Malagrida, pouco se importava se houvesse retaliações, sendo que fora odiado pela corte portuguesa e acusado de vários crimes, além da condenação por heresia e proteção às prostitutas no Brasil, onde criou vários albergues.

Historiadores portugueses, afirmam que em 1761, o Frei Malagrida já idoso com 72 anos foi levado ao cárcere da Inquisição, submetido a um interrogatório e que no dia 20 de Setembro de 1761, após nove meses de reclusão nos cárceres do Santo Ofício, Malagrida saiu, de mordaça na boca com outros condenados por motivos de religião, para o auto de fé, que se realizou solenemente no Rossio, sofrendo pena de garrote, foi queimado e as suas cinzas espalhadas ao vento em Portugal por ordem expressa do Marques de Pombal.

Nesta alta opulência de desbravadores, teve o nome Caxias a sua origem, dizem alguns historiadores que tem referência a uma flor do arbusto chamado corona Christi, que era abundante nas margens do Rio Itapecuru, bem como esta palavra teve origem do nome “CACHIA”. Muito pelo contrário, outros historiadores relatam que o nome Caxias dado a esta insigne cidade, foi em homenagem à notável e una Quinta Real do Marquês de Pombal e Queluz. Sem delongas, pois, esta última tem assertiva a homenagem.

Sabe-se que a grande influência do português Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do futuro marquês de Pombal, saiu para o Brasil no ano de 1751, com várias missões políticas, colonizadoras e exploradoras, tendo regressado a Lisboa em 1759, após ter exercido várias funções no Brasil e avançado grandes territórios e povoações. Notadamente, entendo que foi o Capitão ao chegar na pequena localidade dera o nome de Caxias, constituindo daí a Vila por ser rodeada de morros.

A cidade de Caxias no Estado de Maranhão, que teve este topônimo em virtude da cidade possuir algumas belezas comparadas com Caxias em Lisboa, destacando-se o rio às suas margens, povoação de índios, eis o seu maior destaque histórico. Ressalta-se que a cidade de Caxias, sempre foi e será história, assim como a história do boi Zezé, e para relembrar alguns fatos, foi em Caxias que o major português Fidie manteve resistência contra a independência travando sérias batalhas com D. Pedro I para mantença da coroa portuguesa a qualquer custo, conhecedor e inteligente, sabendo que na Vila de Caxias moravam a maioria de comerciantes portugueses, se estabeleceu no ponto pitoresco da atual cidade no Morro das Tabocas, atualmente Morro do Alecrim, erguendo no apogeu um pequeno quartel para proteger a cidade dos soldados do império vindos de várias partes do nordeste. A pequena cidade derramou sangue por todos os lados.

Após a existência da cidade de Caxias, no Estado do Maranhão, no Estado do Rio de Janeiro, também se denominou cidade de Duque de Caxias e no Estado do Rio Grande do Sul, a cidade Caxias do Sul. Na verdade, o Duque de Caxias, em virtude do título honorário de coronel Luis Alves de Lima e Silva, atualmente patrono do Exército brasileiro recebeu tais títulos. Razões não bastam para dizer o nome deste vocábulo na gíria popular Caxias, pessoa destinada a cumprir as obrigações ao pé da letra ou trato legais, regulamentos e leis.

Há também a histórica guerra política para retirar o nome de “Caxias” do Estado do Maranhão, impulsionada pelo Estado do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro que resultou na vitória da cidade sertaneja a utilizar definitivamente o seu nome sem nenhuma adjetivação.

Com tantos nomes que afluem a palavra Caxias, esta chegou por último em Timor-Leste no governo de Raul de Antas Manso Preto Mendes Cruz, que por ocasião da festividade da revolução Nacional rebatizou a povoação de Batugadé, um posto administrativo de Balibó, no conselho de Bobonaro, sede Maliana, localizada à beira mar de Savu, cujo local era uma praça de guerra, e que atualmente a cidade é conhecida como Caxias do Extremo.

Caxias, a Princesa do Sertão, aonde chegam a família do Zezé, possui filhos ilustres, Gonçalves Dias, Coelho Neto, Teófilo Dias, Vespasiano Ramos e outros artistas como César Marques, o escultor modernista Celso Antônio Menezes. E a nossa bandeira Nacional que foi idealizada pelo caxiense, o gran positivista Raimundo Teixeira Mendes criador da frase "Ordem e Progresso" . Aqui é a terra de filhos ilustres como Edson Vidigal, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Lembraremos sempre que a frase conhecida nacionalmente “CIDADE MARAVILHOSA” virou hino do Rio de Janeiro é de autoria do caxiense Coelho Neto. Assim como o primeiro gol do Brasil em Copas do Mundo foi feito por João Coelho Neto o “Preguinho”, filho do poeta caxiense Coelho Neto, que nasceu no Rio de Janeiro.

Assim é a história de Caxias que não termina aqui, recomeçando a trajetória do Boi Zezé.Asseverando ainda que os frutos colhidos nas calçadas da sorte se espalham, e dentre os lugares escolhidos pela família de Raimundo Barbosa, o vaqueiro piauiense foi o 2º. Distrito do município, no lugarejo conhecido por Cumprida, de difícil acesso, às margens do Rio Itapecuru, pois, com a dinheirama recebida, o vaqueiro Mundin adquiriu quatro hectares de chapada, um garrote e uma novilha. O pequenino Zezé prontificou-se dia e noite no convívio do garrote, despertando interesse naquele bezerro de amizade e admiração, não havendo tempo e nem delongas do maior convívio entre um animal e um menino. Sua mãe constantemente reclamava dessa aproximação demasiada.

O tempo foi passando, o garrote fortalecendo aos olhos e carinhos de Zezé, e um certo dia pela manhã, o menino solicitou ao pai.

-Pai! Vamos ferroar o boi como o meu nome. Eu quero que mande fazer um ferro com o nome de Boi Zezé.

-Está bem meu filho, vou mandar fazer, mais deixe o boi de lado, esse chamego já está me deixando nervoso, e tua mãe já disse que vai de dá umas bordoadas.

Assim era o cotidiano do pequenino Zezé e o Boi Zezé levando o seu nome, e quantas vezes o menino levantava cedo para conversar com o boi no curral, passando as mãos no corpo do animal e retirando os carrapatos. Ficavam ali horas e horas sem se dar conta do tempo, Dona Da Luz gritava da janela de palha de babaçu.

-Zézé! Zezé! vem almoçar menino! Eu ainda vou te bater por causa desse boi.

-Tô indo mãe!

-Menino! Tu não tem outro jeito, a tua vida agora é esse boi. Meu filho procure uma coisa pra fazer.Teu pai vai terminar vendendo este boi.

Era uma tarde, Zezé vai levar o boi para o pasto e lá conversa com este afirmando.

-Amigo, se aparecer alguém pra lhe pegar, fuja, se esconda na mata e só venha quando eu lhe chamar.

O boi parecia entender as afirmações do menino, e naquela noite, a lua já nascia por trás dos morros quando Raimundo Barbosa fala com sua mulher explicando.

-Da Luz! Vou ter que mandar matar o boi Zezé pra apurar o dinheiro e pagar o Armazém Paraíba, a conta vai vencer e temos que fazer isso na hora em que Zezé estiver na escola.

Na manhã seguinte, Raimundo Barbosa vai até a localidade do Remansin que fica próximo da Sambaíba com intenções de vender o boi ao Raimundin, filho da proprietária Das Neves, tendo este se preparado para pegar o boi, e por razões diversas não consegue o desfecho, o boi reconhecendo os avisos do menino e a presença de estranhos, levanta poeira no sertão, aflorando mata adentro, desaparecendo como um corisco nas matas. Diante desses fatos, o comprador desiste do negócio, e Raimundo Barbosa comenta com a esposa.

-Da Luz! O boi do Zezé quando viu o Raimundin aterrou os pés no mato e aí não tem negócio. Como eu vou vender este boi desse jeito?

-Mundin só tem um jeito, tu vai no banco e retira o dinheiro da poupança e paga o Armazém Paraíba.

Ao meio dia, o garoto chega da escola, e indaga a sua mãe.

-Mãe cadê o boi Zezé?

-Ah Zezé! Não sei nada de boi, tô fazendo o decumê, deixa de tentação.

-Pai! Cadê o meu boi?

-Não sei Zezé? Tô aqui dentro como vou saber de boi? Eu vou vender este boi.

Não demora, o boi aparece e Zezé corre em sua direção, passando as mãos e olhando nos olhos do boi, exprimindo os sentimentos de falar algo e o guri entende que o mesmo fora vítima de uma prefalada matança. Num diminuto, uma febre surge no menino que o deixa de coma, o boi Zezé não sai de perto da casa enquanto Zezé não se recupera, apesar de ser escorraçado, o animal não se retira do local dando a presteza como se compreendesse o calor humano.

Sem efeito, este encarte de venda tornou-se uma mágica, numa manhã passou na residência de Raimundo Barbosa um morador vizinho que afirmou que o boi era muito bonito e que havia alguém que pagaria por um bom preço até mil reais. Achando uma boa venda, Raimundo Barbosa agiliza com o morador a venda e marcam o dia final do acerto.

O menino estava no colégio da Sambaíba enquanto seu pai junto com o comprador amarrava o boi Zezé para levar até a entrada da estrada vicinal, recebendo de imediato o valor de mil reais. A professora na sala de aula interrompe a aula, indagando.

-Zezé! Porque estais chorando? Está sentindo alguma dor?

-Não sei professora, não sei!

-Ajudem minha gente, Zezé deu um chilique!

Zezé desmaia, inoperante, sem forças e farpeado por dores, os alunos ajudam a levar o menino até a casa da Dona Das Neves para ser medicado com remédios caseiros, enquanto a malsinada compra e venda intimida o boi na vereda até a estrada vicinal. De repente, Zezé balbucia frases.

-Meu boi! Meu boi! Não levam! Por favor! Não levem meu boi!

Um menino comenta no meio dos outros colegas

-Hei pessoal! Zezé tá dizendo que vão levar o boi dele.

O pequeno Zezé desmaia na cama num sono profundo, as meninadas da escola ficam nas janelas, outros nas portas com olhares que ventilam os prantos e dores. Na pequena estrada, o boi Zezé, vai levando cutiladas, puxadas violentas, cai e os homens erguem, na clareza solar, o animal lagrima pela primeira vez a dor e o apreço pelo seu dono ausente numa despedida sem volta, molhada pelo estopim desventurado de um lugar sem rumo, ceifando as últimas consequências toleradas no silencio partido do amor pelo menino. Como não obtivesse êxito, ele berra, olha para trás, berra chamando por seu único dono, porém não lhe aproveita sequer qualquer recurso.

O gaiolão com o motor ligado leva na estrada os sonhos de um menino e um boi, vestindo o preso ar na flagrância que causa pasmo, ainda que se revele inconsequente. Zezé é levado para a cidade de Caxias, onde é atendido no Pronto socorro Dr. João Viana. Naquela oportunidade,  os médicos constataram anemia e estado hipocondríaco.  Já perfazendo uma semana que o garoto se encontrava hospitalizado, tendo recebido alta médica.

Na Fazenda Santa Luzia, localizada no Baú, povoado deste município, o boi Zezé já ocasionou estragos em toda a cerca de arame farpado, desferindo violentos golpes no curral quebrando o que encontra pela frente. E o vaqueiro da fazenda reclama com o proprietário.

-Seu Olavo, este boi que o senhor comprou está dando muito trabalho. Já fez muita miséria aqui dentro e lhe digo mais, não há cerca que aguente, além de debandar o rebanho todo.

-Só comprei porque é muito famoso. Mas não pensei que fosse assim. Amanhã mate esta desgraça logo cedo. Chame os homens e coloque no curral amarado.

O vaqueiro reuniu todos os capangas e colocaram o boi Zezé no curral, amarrando-os, além dos olhos tapados com uma careta. Terminado a intensidade dolosa no animal, resmungou o vaqueiro próximo ao boi:

-Amanhã bem cedo desgraça, vou tirar o teu coro e com uma só machadada te levo ao chão e retiro o teu coração batendo pra eu comer assado na brasa.

O boy Zezé não enxergava, porém, entendia a intimidação provocante do vaqueiro. E na manhã seguinte, o vaqueiro entrou no curral, preparou o machado e ainda fez as preliminares, invocando a morte do boi com enlameadas por expressões grosseiras e desabusadas.

-Agora tu vai morrer seu valentão, lugar de valentão é no machadão. A meninada toda vai comer o teu filé com cachaça, eu vou comer somente o teu coração.

O vaqueiro rumou ao boi Zezé, e nesse aventado com o intento de desferir um único golpe na cabeça, o animal, observando a sombra do vaqueiro nas suas proximidades, avançou sobre o peito com os chifres, perfurando o coração do vaqueiro. Como se vê, a vítima parecia um trapo humano a servir de gracejo para os capangas da Fazenda que tudo assistiam em gargalhadas, instante em que sua vida foi ceifada, tropeçando o seu corpo num tambor, lagoa de sangue jazia do seu coração, falecendo em seguida. Em face de fuga, o boi Zezé empreendeu grande corrida, atravessando uma cerca num pulo mágico enquanto os capangas prestavam ajuda outros rapazotes atiravam em vão.

-Chama seu Olavo, o homem tá morto. Por favor chamem logo o seu Olavo!

O corre-corre era grande na Fazenda, a mulher do famigerado derramava prantos abraçada ao corpo.

-Não morra meu amor! Eu te amo! Abra seus olhos amorzinho! Ó meu Deus! O que será de mim! Ó que desgraça fizeram com meu marido! Nunca fez mal a ninguém!

O fazendeiro se aproxima do corpo da vítima tomando um trago de cachaça e derrama um gole sobre o ferimento, momento em que o pistoleiro Armindo lamenta.

-Meu irmãozinho! Fique tranquilo! Vou buscar este boi até no inferno. Vou fazer um mar de lama sangrento. Ainda não vi um homem mais macho do que eu.
O Fazendeiro ainda confirma.

-Conte comigo pra o que der e vier, vamos fazer uma cena sangrenta nesse boi do diabo. Junte os meninos pra gente fazer uma festa de boi.

Armindo reúne oito capangas, aciona o motor da Toyota levando forte armamento, Olavo entra apressado na Hilux em direção a estrada que liga ao povoado Baú. Penetram na mata e numa violenta caçada o bando percebe que o animal não se encontra mais ali, admitindo eles que o animal feroz tenha partido por outra trilha. O tempo perdido, e já ultrapassadas as horas, retornam à Fazenda, porém, com o intuito caviloso de prosseguirem à tarde a caçada.

O animal cansado e babando bastante, legitima uma envergada trajetória na Estrada Estadual Baú que liga a cidade de Caxias, chegando ao povoado Fumo Verde desce pela lateral da ponte e mergulha na água do riacho da Criminosa, sobe e envenena o tempo com audácia velocidade no asfalto, rumando ao balneário Veneza, chegando no trecho do bairro da Volta Redonda, não desiste sua trajetória, passando pela Avenida Clodomir Cardoso, nessa angústia de todas as horas, sem ter sequer com que matar a fome, vai deflagrando o esforço coerente de uma natureza incompreensível, as criançadas sorriem, pulam, acompanham as passadas do boi Zezé pelas ruas da cidade de Caxias.

-Hei boi Zezé!

-Veja Marcelo, o nome dele é boi Zezé.

-Mentira!

-Verdade! Corre! Corre Manelito, ele tá sangrando.

-Tu viu o nome escrito do lado esquerdo?

-Sim, eu vi, é o Boi Zezé, vamos voltar já estou cansado.

O boi Zezé sai em direção a localidade Três Corações no centro da cidade, onde transeuntes, automóveis, caminhões, vendedores, viajantes e frentistas, observam a mercê do animal mesmo ferido não se desespera e não descansa. E a mesma situação se conota lugar Cumprida, onde reside o pequeno Zezé que ainda continua deitado, penalizado e sem ação, as lágrimas não desistem de rolar na face ingênua, atrofiando as consequências e motivações do benquerer do boi Zezé.

As horas vão se encurtando, e o boi Zezé chega no centro comercial, passando na frente da primeira Igreja da Matriz fundada pelos jesuítas, descendo pela Travessa Desembargador Morato, os funcionários do escritório de advocacia Erasmo Costa, observam das janelas, cada um procurando um ângulo melhor para ver a multidão que acompanha o boi Zezé com seu gingado famoso. As crianças que vendem picolés, vendedores ambulantes, taxistas, os donos dos comércios, engraxates, e moto boy aplaudem com o silêncio dos olhos os passos harmônicos desfilando no centro comercial.

Na mesma intensidade, adentra pela Praça Pantheon de Caxias, um dos cartões postais da cidade, ilustrada pelos filhos nobres. Sem bocejo, alcança o outro lado da praça superando em frente a Prefeitura no limite da Avenida Getúlio Vargas, buzinas, e ronco dos motores não cessam os passos agigantados do boi Zezé, até o sinal de trânsito desligou-se para o boi Zezé passar aos brilhos de bom entendimento triunfal.

Uma menina do Colégio São José exclamava em bom tom.

-Esse boi tá louco!

Outra garota exclamava

-Veja só, um animal na rua e todo mundo para até parece um desfile da fama. Só faltava essa. Chamem logo a TV Globo, o SBT. Aí sim!

A Polícia Civil foi acionada, porém, nada pode fazer, o boi Zezé não ofendeu a integridade física de ninguém, e por isso, continuava o seu evento. As verdureiras Dona Maria e Dona Tereza do Mercado Central abandonaram suas bancas, e no empurra-empurra, cada uma delas queriam olhar o boi Zezé. Logo adiante, o boi Zezé parou em frente ao Posto Médico do "Socorrão" -  Dr. João Viana, as mulheres assustadas gritavam.

-Oh meu Deus!, um boi na minha frente!

Boi Zezé urrou, subiu a cabeça e dera mais um berro arrasador, pensando que o menino Zezé ainda se encontrava ali hospitalizado, bateu com a pata no chão do asfalto, e partiu em direção a Velha Estação Ferroviária, passando pelo bairro Matadouro velho, Conjunto Sabiá, Adentrando nas matas pela Sambaíba, antigo caminho percorrido pela família do poeta Gonçalves Dias, e de repente, chegou no lugarejo Cumprida.

Não demora, o menino levanta-se da cama e corre em direção ao boi Zezé, sorrindo e pulando de alegria, Zezé leva o animal ao pasto, e o boi se abaixa para Zezé montar em seu lombo. Zezé abranda os sentimentos do animal, acariciando o ferimento com suas mãos, e suas lágrimas caem sem cessar numa esperança espelhada, sobe novamente no animal e sem qualquer aviso, os homens da Fazenda fazem pontaria.

-Desce daí moleque! Disse Armindo com um ar raivoso apontando um rifle.

-Não matem o meu boi! Não matem o meu boi!

Zezé desce do boi e abraça o animal sem soltá-lo, enquanto Armindo e os restantes dos capangas e o proprietário da Fazenda, atiram sem dó no menino e no boi Zezé.

Um dos capangas ainda fala.

-Armindo! Rubens! João Neto! Seu Olavo não atire na criança. Atirem no boi!

-Já está morto! Nada posso fazer, se quiser ficar perto deles é só ficar pra você ver o que acontece.

O Boi Zezé e o menino levaram mais de trinta tiros, enquanto a pobre criança recebera doze balaços de escopeta, o boi caiu e o menino seguro no seu lombo foram ao chão numa união eternizada que o próprio destino não reservou.

Olavo fala para Armindo.

-E agora, tira o moleque de cima do boi!

-Seu Olavo o menino tá colado no boi, não tem homem no mundo que desgrude.

-Que diabo é isso Rapaz! Puxem o moleque de cima do boi, rebola o capeta, mais homens e retira o moleque do boi.

Tentaram de todas as formas separar o menino do boi, porém foram frustradas as tentativas de separação.

O barulho do tiroteio no meio do mato, chegou aos ouvidos dos pais do garoto, assustados saíram à procura na propriedade o que estava acontecendo.

-Mundin! Você ouviu a barulheira de tiros! Já estou preocupada com Zezé.

-Que nada mulher! Deve ser os caçadores da cidade matando rolinhas e anum no capoeirão.

O coração da mestiça Da Luz explodia em batimentos rápidos, acelerando os compassos quando o fazendeiro Olavo deu o ultimato de matança.

-Matem estes vermes, não servem pra nada, bruaca sem vergonha! Catirina dos infernos! Nega do Capeta! Seus meninos enterrem o boi e o menino juntos, vocês não separaram os corpos, agora vão ficar juntinho um do outro e estas pestes, vocês queimem e coloquem numa cova rasa longe daqui.

O casal não vira o único filho acorrentado na aflição do sangue que se misturava e desaparecia no barro, vestindo apenas um calção estampado com o corpo debruçado no boi Zezé.

Os pássaros voavam fugindo dos estampidos, palhas de babaçu se dobravam ao meio perfurados pelos tiros. A localidade Cumprida, ainda é um lugarejo afastado de tudo e todos, somente anda por lá quem deseja fazer negócios ou visitar algum amigo, momento em que o fazendeiro Olavo ordenou que pintasse a porta de entrada da casa do lavrador com a seguinte frase “Foi embora pro Piauí” com a finalidade de afastar curiosos ou quaisquer dúvidas por quem o procurassem, vez que os pais eram oriundos do Piauí.

Desse modo, Olavo fumando um cigarro, dava gargalhadas e cantava uma prosa muito conhecida do bumba meu boi.

“O meu boi morreu,
O que será de mim,
Manda buscar outro maninha lá no Piauí”


Os algozes levaram os pertences, roupas e um rádio de pilha novo do menino Zezé, e os homens ardilosos, perversos com máculas asseverados por traços de malfeitores infortunados, rodeiam ainda o mapa da sociedade em busca do poder e demonstração de que ainda são invencíveis quando se depara nos homens de pequenos ganhos. A vantagem desequilibra os instantes de quem deseja viver, e os afortunados predispõem de atos capazes de calar os silêncios inoperantes dos desventurados, da lei, moral e costumes guiando nas árvores a demonstração ardil, vil e desumana sob vários aspectos. A vida por mais que seja a vida, não se deve extinguir a do seu próximo muito menos a de si, julgando na cartilha das mãos o lenço roto e sangrento.

Assim foi o martírio do menino Zezé e o boi Zezé que numa paixão invejável entre um menino e um boi, mostraram aos seus desafetos que nem a morte os separa quando a maldade não vence o afeto na solução de paz.

No dia 23 de setembro de 2007, dois rapazes, um conhecido como Antonio Moreira Machado, ou Machado, morador da localidade Alto da Cruz, funcionário público do SAAE. Eles procuravam por seus animais naquelas proximidades, quando viram ligeiramente um menino chorando ao lado de um boi, um anjo com duas bolas em forma de anéis presenteava nas duas cabeças, a humildade de ser o grande amor a supremacia de todas as forças. E que o amor vai além fronteiras, e às vezes se morre por amor quando se ama verdadeiramente como Jesus amou.

Neste mesmo dia, nasceu no lugar um pé de bacuri, e os dois vaqueiros colocaram uma humilde placa no local com o nome – “AQUI VIVE ZEZÉ E O BOI ZEZÉ, UNIÃO, AMOR E PAZ QUE O MUNDO TANTO PRECISA”, e desse dia em diante, qualquer vaqueiro que tiver perdido nas matas do Maranhão um boi ou qualquer outro animal, poderá se valer do nome do menino Zezé, rezando apenas um Padre Nosso e uma Ave-Maria em favor da alma de Zezé que logo o animal surgirá esteja aonde estiver.




ERASMO SHALLKYTTON
Enviado por ERASMO SHALLKYTTON em 24/09/2007
Reeditado em 29/11/2012
Código do texto: T666978
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