Jaqueline e os Pés

Jaqueline se desfez das últimas peças de roupa, mas Fábio continuava com os olhos fixos no chão.

De início, ela teve receio que ele não estivesse no clima, ou não a achasse bonita. Mas quando enfim, ele a olhou nos olhos, Jaqueline percebeu que não era esse o caso.

Fábio se aproximou e a puxou para perto de si.

- Seus pés são maravilhosos. – Ele disse.

Jaqueline sorriu encabulada, com o elogio não muito convencional.

- Obrigado. – Respondeu sem graça.

Fábio quebrou o clima estranho do momento, beijando-a com um vigor adolescente que ela não experimentava a muito.

Passaram a noite juntos e adormeceram quando já era madrugada.

Quando Jaqueline acordou, deu de cara com Fábio sentado ao seu lado, com o celular na mão, como se tivesse tirando fotos.

Fotos dela.

Ainda um pouco atordoada, Jaqueline se levantou e o encarou. A primeira sensação que teve foi de revolta. Mas depois veio certa curiosidade. Pois não era exatamente o corpo dela que ele parecia estar fotografando. Pelo não as partes que ela imaginava serem mais prováveis numa situação dessas.

- Não é o que você está pensando – Disse Fábio, se afundando no clichê.

Jaqueline puxou os lençóis para cima de si para cobrir o corpo e gritou.

- E é o quê então, seu filho da puta? -

- Eu só tirei foto dos seus pés – Ele respondeu encabulado.

- Como é que é?

Fábio lhe estendeu o celular como forma de provar o que estava dizendo.

- Pode ver.

Jaqueline pegou o aparelho nas mãos e passou começou a passar as fotos, procurando algo possivelmente comprometedor.

Mas só havia fotos dos seus pés. Em diversos ângulos diferentes. Nenhuma foto de nada muito acima do tornozelo.

- Achei os seus pés realmente maravilhosos. São muito bonitos. E fiquei com vergonha de pedir a você para tirar fotos deles. As pessoas não costumam lidar muito bem com esse tipo de pedido. Ficam achando que eu sou algum tipo de pervertido.

- E não é?

- Será que eu sou? O que há demais com pés?

- Nada.

- Pois então...

- De qualquer forma, você não tinha direito de tirar fotos minhas sem autorização. Nem mesmo dos meus pés.

- Você está certa. Me desculpe.

- O que você iria fazer com essas fotos?

- Arte.

- Arte?

- É! Eu tenho uma coleção particular de arte baseada em pés.

- Eu pensei que tinha a ver com algo erótico.

- De certa forma tem. Mas não vejo como perversão.

Jaqueline não conseguiu disfarçar sua contrariedade, apesar da curiosidade a respeito daquilo tudo. Largou o celular na cama, e se levantou enrolada nos lençóis. Juntou a roupa que havia largado no chão e foi até o banheiro.

Quando voltou, já vestida, deu de cara com Fábio também vestido, sentado sobre a cama, com um semblante claramente constrangido.

- Eu posso pagar pelas fotos, se você me permitir mantê-las. – Ele disse.

- Pagar?

- Sim.

- Eu não sou esse tipo de mulher...

- Que tipo de mulher seria esse? O que há demais em vender fotos dos seus pés?

- O problema não são os pés. O problema é o que você vai fazer com as fotos depois.

- Pago mil reais por um ensaio. E ainda pago a pedicure. Tratamento completo.

Aquilo pegou Jaqueline de surpresa. Mil reais era bastante dinheiro.

- Mil reais? Você está falando sério?

- Sim.

- Isso é algum tipo de brincadeira?

- Não. Eu não brinco com esse tipo de coisa.

- Ok. Então eu topo.

Fábio sorriu exultante.

- Você pode amanhã à tarde?

- Posso.

- Então. Primeiro eu pego você aqui e levo para a pedicure. Depois vamos para o estúdio e fazemos as fotos. Você pode trazer alguém com você, se achar conveniente. Transfiro o dinheiro para sua conta amanhã mesmo.

- Tudo bem. Se é só isso então está tudo bem.

Fábio deu-lhe um beijo no rosto e falou sorrindo.

- Então nos vemos amanhã.

- Ok.

Ele saiu e Jaqueline ficou sozinha no quarto, pensando sobre o que havia acabado de fazer...

2

Fábio chegou na frente do seu apartamento exatamente as 15h. Os dois seguiram para um salão de beleza de luxo num bairro próximo. Jaqueline sabia que tudo ali custava muito caro e ficou se perguntando se seus pés eram realmente tão bonitos assim para valer aquilo tudo.

Jaqueline percebeu que Fábio não estava para brincadeira, quando a Podóloga começou com o tratamento no seu pé. Foi realmente um tratamento completo. Ao final de tudo, olhou para os seus pés e teve certeza de que nunca havia feito suas unhas de uma maneira tão perfeita. Tinha as unhas bem cortadas e todas pintadas num tom de vermelho escarlate que lhes davam um ar sensual e misterioso, e Fábio pareceu mais satisfeito do que ela a esse respeito.

Depois do tratamento, os dois seguiram para a casa dele, onde um dos quartos havia sido convertido num estúdio fotográfico.

Era uma sala vazia e bem iluminada. No centro Fábio tinha colocado um banco elevado de metal com o forro preto.

- Pode se sentar. Não vai demorar muito.

Vou tirar umas vinte ou trinta fotos.

Jaqueline estava envergonhada, mas já tinha se resolvido a ir até o fim com isso. Além do mais, algo no interesse de Fábio a deixava envaidecida e curiosa.

Enquanto ele preparava o equipamento fotográfico e a iluminação, Jaqueline se sentou no banco no meio da sala. O banco era alto de forma que seus pés não tocavam no chão. Era de aço cromado e parecia custar os olhos da cara. Algo lhe dizia que Fábio tinha mandado fazê-lo especialmente para esse tipo de ocasião.

Fábio veio com uma câmera profissional pendurada no pescoço e duas sandálias. Uma dourada e outra prateada.

- Você calça 37 não é?

- Sim – Jaqueline respondeu surpresa.

- Calça primeiro a dourada, por favor.

Jaqueline calçou a sandália e Fábio tirou algumas fotos de seus pés. Em ângulos diferentes.

depois foi a vez da sandália prateada, e por fim os pés descalços.

Não demorou mais de meia hora para que terminassem.

- Vou revelar as fotos, editar e preparar as molduras.

Se você quiser posso te mandar depois.

- Ah sim. Seria legal ver o resultado.

- Quer ver a minha coleção?

- Coleção?

- A coleção de arte que eu havia falado.

- Ah sim. Pode ser.

Fábio levou Jaqueline para outra sala, onde havia diversos quadros pendurados nas paredes. Todos de pés femininos. Havia também algumas esculturas feitas em mármore e também do que parecia ser borracha, ou silicone.

Essas últimas, pareciam pés de verdade. Quase como se estivesse vivos.

Era tudo de muito bom gosto. Nada ali remetia à perversão ou a erotismo barato.

- Desde o primeiro momento que vi os seus pés, imaginei eles aqui. – Ele disse.

- Não sei se me sinto lisonjeada ou assustada com isso.

- Por que se sentiria assustada?

- Porque isso não é muito normal. Já saí com muitos caras estranhos. Mas esse é um tipo especial de estranhice.

- Que bom que pelo menos é especial.

- É. – Ela respondeu, laconicamente.

- Bem. É isso. Quando tudo estiver pronto eu mando as fotos pra você. Me manda o número da sua conta que eu lhe transfiro o dinheiro.

- Não precisa.

- Não precisa das fotos?

- Não. Do dinheiro.

- Tem certeza?

- Tenho. Não acho justo que eu te cobre por isso.

- Tudo bem, então.

Os dois saíram da sala e Jaqueline pegou um Uber para casa.

Em todo o caminho ficou olhando para os seus pés, que agora lhe pareciam realmente bonitos.

Uma semana depois recebeu por email as fotos do ensaio.

Dentre elas havia uma que lhe chamou atenção.

Seus pés em preto e branco, com apenas as unhas em vermelho escarlate.

Havia algo de lascivo neles que fez sangue se acumular em suas bochechas... e no fim ela se perguntou se os seus pés ocupariam algum lugar de destaque na coleção de Fábio,

ou se seriam só mais alguns quadros na parede.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 05/06/2019
Código do texto: T6665682
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