UMA GUERRA ACABOU DE ACABAR - (Um Conto de Natal Precoce)

Baratas morrem debaixo da cama porque ele acha que, sem suas pernas... Certas obrigações deixaram de existir. Uma guerra acabou de acabar... Ele pode entrar em depressão, pode fazer pinturas, jogar videogame sem parecer vagabundo, e até mesmo pode ser incentivado a continuar fazendo isso... Fazendo nada. As pessoas ao redor dos aleijados sentem-se culpadas como se elas mesmas tivessem roído suas pernas com seus malditos dentes. Algum idiota entrará no quarto em breve, dizendo que suas pinturas estão sendo apreciadas em alguma exposição. Isso não importa. Uma guerra acabou de acabar...

Seu pescoço dói e ele resolve parar de olhar sempre pra direita e vira-se pra esquerda. Só que na esquerda a única coisa que vê é a parede branca e uma carreirinha de formigas, fazendo um enorme traço que vai lhe servir de inspiração, pra algum futuro quadro “Elas são ligeiras e apressadinhas. Cheias de perninhas que funcionam... maravilhosamente bem.”. Então ele dorme.

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A impressão é de que apenas fechou os olhos por alguns milésimos de segundos. Ele se vê num bosque arborizado e florido, como o paraíso daquele livro de Dante (que ele não lembra o nome). Ele sai correndo nu... Fazendo com que os passarinhos voem assustados, rabiscando o céu completamente azul, com gotinhas coloridas. Uma mulher surge. É ela. É ELA! É A MULHER; que ele jamais conheceu. Ela o agarra pela cintura e ela... Vive! Ele chora de alegria, seu pênis se enrijece e ela dá um grito seguido de uma risada animada. Eles se abraçam e caem na grama.

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Seus olhos se abrem... Ele dá uma olhada rápida em suas duas pernas. Pensa que deveria – e poderia – chorar agora... Mas não têm vontade. A esperança lá... Em algum lugar... Ele sabe que vai ficar um pouco feliz, cedo ou tarde. Afinal, uma guerra acabou de acabar... E ele esteve nela.

A felicidade virá. Ela vem pros que insistem. O tempo de espera é o que complica... Pessoas morrem e se matam durante este intervalo... Entre a Tristeza Presente, e a Alegria Seguinte. Uma guerra acabou... E o natal está chegando... Mas ele é velho e surrado demais pra perder tempo pensando no Papai Noel e todos os seus presentinhos, estrelas cadentes e desejos. Sua mão esquerda segura firme uma bíblia que ele deve ter lido umas cinco ou seis páginas, pois acaba cochilando... Antes que possa avançar na trama. Com uma força estupenda nos braços, se põe sentado, encostando-se nos diversos travesseiros grandes e coloridos.

Pega uma agenda e uma caneta, que estão em cima da mesa de cabeceira, bem ao lado da cama. Vê que é hoje é o dia 23, de um dezembro chuvoso, meio escuro, meio calado... Uma guerra acabou de acabar. Ele suspira com um quase sorriso. Começa a escrever uma pequena história de natal num caderno... Ao fim do primeiro parágrafo, para a caneta no ar... e sorri mais uma vez.