Nostalgia
 

Aquele domingo amanhecera diferente, a chuva tinha dado uma trégua, então era possível planejar algo, mas o quê? Florisa já não passeava, não visitava os poucos vizinhos que tinha, não ouvia rádio e nem assistia televisão, havia se enclausurado ali, desde que seu esposo falecera com mal de Alzheimer.

Florisa não tinha filhos e seus parentes que moravam em outro Estado, insistiam para ela retornar a cidade natal, mas sempre se esquivava e dizia que só sairia daquela fazenda para o cemitério. A persistência dela em continuar morando sozinha era comentada como uma lenda.

Sua vida era dedicada ao trabalho, não havia diferença entre segunda-feira e domingo em seu calendário. Todos os dias, levantava às cinco horas da manhã e começava seu ritual: Apartava as vacas, cuidava dos porcos, tratava das galinhas, fazia queijos, providenciava a limpeza da casa e dos terreiros, brincavam com seus três cachorros, o que minimizava sua solidão.

Naquela manhã pegou uma caixa de fotografias, sentou na cama e começou a observá-las com nostalgia; pegou uma em especial de três décadas atrás: era ela e seu esposo juntinhos de mãos dadas, parecia a ilustração de um filme de romance exibido no cinema.

Acariciando o rosto do companheiro, Florisa chorou silenciosamente, mas logo limpou as lágrimas, guardou a foto, foi até um espelho grande que ficava no corredor, olhou para seu reflexo, apontou o dedo para si e disse: “Eu não morri, ainda tenho saúde, coragem e força, e a partir de hoje, decido que minha vida não se resumirá às porteiras desta fazenda”.