CULTURA AFRICANA - PARTE V
1---A 13 de maio de 1888, muita emoção e coisa e tal, centenas de pessoas junto com os senadores que saíam do Palácio do Conde dos Arcos (antigo local do Senado e que hoje abriga a Faculdade de Direito da UFRJ), perto do Campo de Santana, até o Paço Imperial, uma boa caminhada... O documento em pauta passou a se chamar LEI ÁUREA, assinado com uma pena de ouro pela princesa regente ISABEL. Liberdade para 700 mil escravos remanescentes no país! Clima festivo: salva de palmas, chuvas de flores, bandas de música... Mas aí a grande interrogação sobre o destino dessa gente toda - como sobreviveriam?
2---Eternos reflexos do desamparo. Favelas de hoje? Assim como nos presídios, a maioria da população é de negros e mestiços. Inversão total do quantitativo nas universidades, em bairros nobres, em especial na cúpula do poder. Em 350 anos, 4,5 milhões de escravos africanos chegaram aqui - fomos o último país americano a usar esta (maldita e exótica) mão de obra, Brasil atrasado e inferior diante de nações civilizadas. Previa-se o fim da escravidão, mas sem definições, como abrir subitamente ao sol a gaiola de um pássaro criado anos e anos à sombra do mundo. Nenhuma integração à sociedade - o interesse do Estado era a migração de europeus... brancos, tola ilusão de chave para o progresso.
3---Onde colocar os negros que trabalhavam no cultivo do café no interior fluminense? A maioria vagou por décadas no Vale do Paraíba, serviços temporários em fazendas (segunda escravidão, apenas sem açoite), partilhando as produções rurais (nunca mezzo a mezzo, garanto) com proprietários de terras: a empreitada /contrato (verbal?) de uma semana para realizar determinado serviço/ e a meia, plantando nas terras do ex-senhor, dando metade do cultivo. Horríveis as condições de trabalho; sem contrato escrito, possível expulsão dos negros a qualquer momento, bois cruelmente soltos para comerem a plantação... Colapso das grandes propriedades. A nova geração de libertos foi produzir laranjas na Baixada Fluminense, nos lotes da decadência em Mesquita e Nova Iguaçu, aos poucos avançando para Madureira, Praça Seca e Méier. O Estado nada fez e nas sátiras os libertos eram constantes alvos de deboche, comparados a bichos selvagens ou retratados como pessoas com grande dificuldade de raciocínio, como colocar um sapato, mínimo de padrão dito civilizado. Mulheres negras ainda mais desprezadas e oprimidas pelos companheiros por não se enquadrarem no que seria "feminino" num país tingido de branco - estereótipos distantes do padrão de beleza ideal.
4---Escravos libertos tentaram lugar na sociedade, representantes do movimento abolicionista criando escolas noturnas; no campo, nenhuma tentativa de reforma agrária lhes garantiu posse da terras que ocupavam; nas cidades, difícil entrar no mercado de trabalho formal - pela revolta, adesão às fileiras de líderes anarquistas na primeira década do século XX. Finalmente em 1909, o advogado carioca MONTEIRO LOPES tornou-se o primeiro deputado federal negro no Brasil, porém os anarquistas criaram jornais, como "A voz do trabalhador", denunciando suposta (?) farsa da democracia e do processo eleitoral.
5---Até hoje, negros longe do poder... Em 2016, população nacional de predomínio negro e descendentes - 54,9% -, apenas 25% de prefeitos eleitos; praticamente, não negros entre as figuras mais influentes dos três poderes.
FONTE:
"Reflexos do desamparo pós-abolição", artigo de RENATO GRANDELLE - Rio, jornal O GLOBO, 13/5/18.
F I M