IBAD e Fiofó
Encontrou a patota num bar. Como era de costume foram logo atualizando as notícias, mas logo depois das primeiras doses e cervejas, começou a tradicional sessão nostalgia, ou seja, o cascatear de lembranças dos chamados bons tempos. Estava presente o estado-maior da esquerda festiva da terrinha nos anos dourados. Lembrança vai e lembrança vem, um deles começou a falar do IBAD - Instituto de Ação Democrática, um órgão direitista financiado pelos EUA cuja finalidade era combater o governo de Jango e impedir que Arraes fosse eleito governador. Ele fazia uma campanha sistemática, inclusive financiando candidatos conservadores e direita, o dinheiro rolava e distribuição em grande escala de propaganda anti-esquerdista.Em toda cidade tinha uma representação. Na cidade de Arcoverde havia até um depósito de material de propaganda para distribuir para todo o sertão que ficava no prédio da polícia mirim (espécie de escoteiros). A patota escrachou o IBAD, esculhambou, detalhou tudo, até quem foi financiado e fez pé de meia com a grana do órgão. Mas aconteceu algo surpreende: um deles de repente cortou o barato da turma e disse que o IBAD teve seu lado bom. A patota gritou em uníssono: -Essa não, logo você defendendo o IBAD!
O dissidente sorriu e pediu silêncio para se explicar. Os companheiros mesmo putos da vida aquiesceram e ele disse calmamente:
- Vocês se lembram que as revistas e publicações do Ibad eram num papel muito bom mas liso, como o hoje dessa revista direitista Veja. Não servia para nada, a maioria nem lia. Bom, alguns dias antes da eleição, chegou um carregamento enorme com uma publicação extra, uma espécie de cartilha explicando por que não se devia votar em Arraes, tinha até o retrato dele cm a foice e o martelo abaixo e toda sorte de difamação. Mais ou menos às seis e meia da noite, eu estava em casa peteando o cabelo, assando o famoso Gumex, quando minha mãe avisou que Tôta, um amigo meu, vocês se lembram dele, ue estava fazendo um bico de vigia do depósito do Ibad, estava ana sala querendo falar comigo. Fui conversar co ele e o cara me entregou um exemplar da tal cartinha. Fiquei puto e ia engrossando com ele pensando que er uma desfeita. Mas ele foi logo me advertindo:
- Não é ra ler não cabra véio, é pra examinar o papel. Peguei a revista e notei que não era papel liso, mas um papel especial muito parecido com o tal papel higiênico que os ricos usavam para limpar o fiofó, meia dúzia de pessoas na cidade. Parêntese:naquela época a maioria das pessoas usava para limpar o fiofó,edaços de jornais velhos ou papel de embrulho, cortavam em pedaços e botavam num prego pertinho do sanitário. Fecho parêntese. Tôta falou:
- Tá ligado? Eu já levei uma carradas para casa. Não vai ser possível fazer a distribuição para o sertão porque não há mais tempo a eleição é depois de amanhã. Tu nao vai querer uma parte desse carregamento? É claro que aceitei. Ele com a carroça dele e eu com a de um vizinho enchemos um quartinho que havia no muro de lá de casa. Passamos eu e minha família mais de um ano usando a cartilha do Ibad para limpar o fiofó. O Ibad teve, sim, seu lado positivo, distribuiu papel bom para limpar o fiofó. Ninguém discordou. Inté.