UM CONTO DE ASSASSINATO SEM PERSONAGENS

- Eu preciso matar alguém. - Se olharam de forma fixa, que parecia um filme pausado na cena mais importante.

- Eu PRECISO matar, alguém, doutora.

- Han... Animais. Não estão funcionando?

Coçou o nariz com força, como se tivesse uma reação alérgica a pergunta imbecil que lhe foi feita.

- Não, não, não. Não tá funcionando!! Não. Não... não...

- Tente manter a calma... sei como você se sente. Queria te perguntar uma coisa, você tem vontade ME matar também?

- Tenho. Mas... além de matar, eu queria também falar sobre a morte. E só posso fazer isso com você. Quero dizer... quando eu matar MESMO, eu quero poder te encontrar e te contar.

Ela ajeitou os botões da camisa, ajeitou os botões laterais da saia, ajeitou os botões do terno... Ele ajeitou os botões do blue-jeans, ajeitou o cabelo longo, crespo, curto, careca, cacheado... ajeitou a barba, ajeitou o batom, ajeitou os cílios, ajeitou os pelos do nariz, ajeitou o nada.

- Duas coisas de ordem prática: A “vítima”, você já escolheu? E também A “arma do crime”? Se você não estabelecer uma metodologia, será pego ... – logo na primeira vítima - com certeza.

Suspiro...

- É minha namorada, logo... vai ser na casa dela. Ela tem tendência a ser bem depressiva então eu vou forçar ela a engolir um monte de remédios. Todos são dela mesma. Usarei luvas, desinfetante e tudo mais... os amigos mais próximos e parentes dela nem me conhecem direito... vai ficar parecendo que ela mesma se matou.

- Bom, bom... parece correto... Gostei! - Um meio sorriso brotou, mas logo a seriedade tomou conta do ambiente.

Diante daquela conversa importante sobre virgindade... e alguns métodos importantes e eficazes de se sair ileso do Grande Dia.

- Que dia?

- Hoje mesmo, ESTA NOITE.

Se levantaram ao mesmo tempo como se fosse combinado. Deram-se um curto e formal abraço, quase meio de lado, quase enojado e inexistente... Sem carinho, sem amor, sem amizade. Cumplicidade, talvez.

- Me conta? Quando acabar?

- Claro, posso passar aqui amanhã, se você quiser...

- Mesmo horário?

- Sim.

Levantaram-se. E se sentaram... Não se levantaram... Pois já moravam ali. Não moravam ali, pois era um consultório de psicologia. Se foram com toda a pressa. Relaxaram, pois tinham o dia inteiro pela frente.

Aguardaram, muito calmos. Porém, por demais ansiosos.