DUPLO SENTIDO NA COLETIVIDADE
As principais reclamações em reuniões de condomínio são barulho (sapatos de salto, móveis constantemente arrastados, tevê num som altíssimo, festas ruidosas até o amanhecer, briga xingatória de casal ou pais e filhos, sexo aos gritos na madrugada...), obras (infiltrações, entupimentos, mas que se respeite o horário dito comercial), lixo nos corredores, portões escancarados... e principalmente animais (ah, os cães e os papagaios!). Conviver com vizinhos muito próximos não é nada fácil. Não é 'estou-na-minha-casa-e-posso-fazer-o-que-eu-quiser........." - nada disso. Há regras de disciplina social e todos devem respeitar, obedecer. Atribuem ao síndico (na atualidade, não mais morador 'cansado-impaciente' e sim escritório administrativo, bem longe) a frouxidão e consequente impunidade, em especial tendo que contornar as 'carteiradas' de 'sabe-com-quem-está-falando?' - "Sei, prove que não é um tagarelante filósofo!" Papel de diplomata, coitado. Sem tapas, verdadeiros, e sem beijos, falsos. Condomínios de casas isoladas é minoria, mesmo assim existem as áreas e as despesas comuns, e apartamentos lado a lado geram muitas complicações. Tentar chegar a um acordo amigável - procurar a justiça apenas em caso de ultimíssima instância, tipo "fez/leva". ----- DRUMMOND pode até ter usado o inicial fragmento em alguma crônica, daí a confusão das autorias, porém o "Poema enjoadinho" é de VINÍCIUS, 1960: "Filhos... Filhos? / Melhor não tê-los! / Mas se não os temos / Como sabê-los? / Se não os temos / Que de consulta / Quanto silêncio / Como os queremos!" Mas filhos daqui, filhos dalí, quase III GM quando vizinhança jovem se desentende e desenvolve encrencas......... ----- É preciso também resistir aos tais 'bichinhos de estimação'... ou, quando muito, ceder a decorativos peixinhos que não incomodam ninguém e dão despesa mínima - nunca ouvi falar de peixinho de casa aos cuidados veterinários de internação, mas sucumbem com muita facilidade. Minha atual AMIGA contou que a vizinha comprara vinte peixinhos de espécies e cores variadas, não ictiófagos /a palavra existe: não inventei/ ou sinônimo piscívoros /idem/; nomearam os tais de acordo com atitudes de certos políticos da época (sou inocente: nasci sete anos depois) - 1-um grandão, sorridente e calmo jeitão presidencial, se instalou num "palácio" de pedra verde-amarela muito parecido com o Alvorada; 2-outro 'varria' areia o tempo todo com o bigode; 3-o de óculos grandes promovia reuniões com peixes subalternos menos caracterizados e pareciam discursar contra os anteriores; 4-três miudinhos com as cores exatas da bandeira paulista que revezavam certos espaços atrás de uma arvoretinha com três muito branquinhos, nunca os seis juntos (conspiração e retorno do "café versus leite"?); 5-e logo alguns totalmente verdes, nunca misturados aos outros, passaram a se reunir bem longe, do outro lado do aquário, difícil distinguir entre farda ou defesa da ecologia... fácil aspirar um tubo, trocar a água; duraram intactos um tempinho razoável - aí, a família passou três meses na Ilha da Madeira e cada carta da minha futura AMIGA, encarregada de abrir a casa uma hora por dia para arejar, comunicava "menos um" (colapsos?), até a triste notícia de "aquário zero". ----- Pássaro pode até ser engraçadinho a nossos ouvidos, temporariamente. Assobios melodiosos ou estridentes logo que amanhece vão se tornando incomodativos, a um impulso de abrirmos de repente a porta da gaiola... Conheci uma verde ave /ave verde criaria eco/ que gritava o tempo todo "José, louro quer café..." (e acrescentava o nome comercial terminado em '-é') - era engraçadinho quando veio da loja de animais; vizinhos desesperados; logo doado para o botequim pé-sujo da esquina e passou a berrar "Bacalhau Vasco" trinta horas por dia. Meu leitor imaginava linguagem lusitana??? ----- Pombos têm aquele arzinho de santidade e também símbolo branco da paz, porém são muito perigosos e espalham doenças de tratamentos complicados.. ou fatais. Meu AMIGO idoso passou a uma dieta severíssima, serviçal braba ALMERINDA (empatando com a MARIA, da casa do URBANO) diminuiu a quantidade no prato e criou insípido cardápio mais sadio; descendente de certa nobreza de Petrópolis, advogado aposentado, cultíssimo, poliglota, viajara pela Europa inteira, agora cansado de livros, odiava televisão... fome, muita fome... já era um janeleiro de terceiro andar mesmo e teve a astuciosa ideia de jogar para fora um longuíssimo barbante emendado, onde o dono da padaria amarrava um bruto sanduíche de pão francês e crocante mortadela... e um quindim por 'sobremesa'. Num tempo recorde, o prédio foi invadido por muitos pombos, amiguinhos dos que vinham catar migalhas do lanche que devorava à janela todas as tardes. Síndico jovem, estudante de direito que se dizia "prefeitinho-promotor", começou a investigar um possível 'réu' a ser multado - serviçal fidelíssima há quase cinquenta anos não o denunciou. ----- Por unanimidade síndico vitalício, morador em pequeno prédio, fui intimado a acompanhar um fiscal do IBAMA, situação delicada impossível de recusar, como testemunha, ignorando o motivo... apartamento por apartamento. Denúncia telefônica semi anônima de um "tal" Adão Paradise (não acreditei - possível nick de bate-papo erótico). Levei um susto - cobra gigantesca enrolada a um tronco seco, preso por terra, dentro de um vaso de barro. Assumo que tremi, coração acelerou... Não fiquei para assistir mudança para o zoológico. ----- O canzarrão de rua, meiguinho, Doce-de-Coco, foi silencioso até o quinteto de câmera (música erudita executada por pequeno grupo de instrumentos ou vozes) do apartamento ao lado trazer violoncelos, oboés e um fagote (pesquise, caro leitor). Todas as tardes de sábado. Uivos e mais uivos. Testaram ao acaso e observaram - mais com o fagote, menos com os outros instrumentos, menos com BRAHMS, muito mais com BACH (inspiração para o nosso VILLA-LOBOS). Acertaram com o dono do cão - ensaios passaram a quinzenais, dia inteiro, ele passava mais horas com a namorada que possuía uma cadelinha linda, linda em idade casar... "A dama e o vagabundo"? Por que não reprisar?
Gosto da minha casa silenciosa.
Animais? Melhor não tê-los. Mas não tê-los, como sabê-los? Pois é...
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IMAGEM, quadrinho único - "O amigo da onça", de PÉRICLES - ELE chama o dono da casa: "Corre... vem ver a surpresa que trouxe pro teu aquário." Um peixão com cara certeira de ictióvago e pequenininhos, de estimação, assustadiços. (Sim, "corre", porque se demorar vai 'ver' coleção zero.)
NOTAS DO AUTOR:
ICTIÓFAGO - que come peixes.
AMIGO DA ONÇA - Desenho publicado na revista "O cruzeiro" de 16/9/61 --- em outubro/ 1943, o cartunista PÉRICLES criou o famoso personagem e suas estripulias. Conceito: A expressão linguística significa amigo falso, hipócrita, infiel.
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