GRANDE BESTEIROL EXISTENCIAL
Eu pensei muito sobre mim. Esses dias em que a visão fica turva, a iminência de. Você sabe, aquele momento que a gente tem uma sensação de algo, sem que se entenda ou decifre o que vem a ser esse algo. E ele pode ser qualquer coisa. Medo, tristeza, solidão, ausência, nostalgia, todas palavras e signos para nomear o que nem nós mesmos entendemos. É comum ouvir “Estamos aqui para isso”, “Vamos até o fim”. E onde fica esse fim? O fim sou eu mesmo, como o poeta dizia: O trocado.
Você pode acordar, sabe, a qualquer hora do dia da noite da madrugada e despertar umas somatizações de existir como inércia. Alguém tinha um livro chamado “Tu não te moves de ti”, irônico: hoje não me movo. Não consigo estabelecer um vetor entre o quarto e a sala, por meio dele me nortear e tatear os cantos dessa casa. Tudo revestido de uma plastificação absurda. Se a felicidade é uma arma quente? É isso? Bem, penso que sim, embora, eu esteja tão frio, zero, que não consiga tocá-la. Já não tem dor. Dor desce quando a gente chora, quando a gente olha e se apega a um resto de esperança, a possibilidade de esperar por algo, ainda que platônico. Em seguida a esse estado se chega à compreensão de que tudo já foi vivido, resta o eterno retorno, de qualquer forma é confortável.
Tem aquela cantora de voz estridente que diz “O tempo todo tem alguma coisa errada, só muda o problema, você não vai conseguir ganhar a guerra”, e já não tento. Não sou Rimbaud que se evadiu e se explicou antes de morrer. Não me explico nem a mim, não me evado nem a mim. Tenho sempre a contínua sensação de habitar um corpo, esse por onde os dedos se colocam a digitar lamúrias para ser lida por estranhos e desconhecidos, porque, é sempre fácil ser anônimo e se dirigir a outros anônimos, você não corre o risco de ser visto, não de forma concreta, apenas pela veracidade ou ausência da veracidade do que você escreve...
Eu fiz tantas digressões, você não acha? É que hoje é dia de agosto, agosto vai adentrar em outro agosto, depois outro, e vou repetir as palavras, as músicas, as memórias, a marca do cigarro, as pessoas... A vaga tentativa de continuar dentro de uma redoma, bolha, no centro de uma grande circunferência determinando o raio. Tudo isso como enganação para crer que ainda posso ser. Ser, apenas. Ser, sem ente, sem essência, sem habitações. O estado de ser conseguiria me enganar um pouco e me levar a viver mais.
Porém, acho que também já o perdi. Eu sou um ser, mas, não preenchido por aquilo íntimo e pessoal que as pessoas chamam de qualquer coisa. Sou um ser em uma grande sinfonia, cheia de acordes menores, vozes silenciadas, baixas, ou um filme gore, carnificina pura, cada corte, um pedação do que já não sou acaba indo embora. Como? Ah, digamos que um dia eu fui algo, tive alma, pensamento, consciência, só que isso foi levado embora, ou deixei ir embora, tanto faz, agora, tem uns panos maltrapilhos em mim, como forma de preencher minhas lacunas. Sabe aquelas gazes que cobrem os cortes? Pronto, exatamente, a artificialidade das gazes determina dentro de mim o grande vácuo.
Invólucro. Simulacro. Palavras bonitas para dizer sobre o nada.
Acho que devemos parar por aqui... E você? Não? Ok. É só que não tenho mais nada a dizer do que essas bobagens revestidas de termos bonitos e escrita correta. É que sonhei contigo, fiquei em estado de saudade... Acordei e você não estava lá. Bem, eu continuo batendo na mesma porta que nunca vai se abrir. Você, em algum lugar nesse tempo e espaço, embaixo do mesmo céu, das estrelas, dos astros que eu também estou. Menos dentro da minha grande circunferência...