A estória de Sarinha
Sarinha era uma menina quieta, vivia trancada em casa, presa pelos pais que tinham medo que ela "se perdesse".
Seus caminhos eram sempre os mesmos: casa, escola, igreja, escola, casa, igreja, não necessariamente na mesma ordem.
Fosse sábado ou domingo, não havia escola.
Ainda assim, tudo era um ponto.
De partida, de chega, de ida e de volta.
Sarinha não tinha amigos e era apegada às novelas da tv e das revistas.
Em meio às criações da arte que imita a vida, vivia mentalmente sonhos, amores, alegrias, viajava o mundo...
tudo ao som de BoB Carl e suas curvelínas estradas de Santos.
Sarinha não vivia, vegetava.
Papai e mamãe sempre atentos até aos suspiros que a moça dava enquanto dormia.
Era ali que ela sonhava, era ali que ela vivia, era ali que ela se perdia e se encontrava.
Pois para se encontrar é preciso se perder.
Ah! Sarinha sua perdida!!!
Volta pra vida! A realidade da vida. A vida grita.
Sem vida.
Sarinha se recusava a voltar, se recusava a ser mais um boi de canga naquelas ruas de terra, que a muitos serviam feito passarela.
Não mais à ela.
Queria era a vida, queria viver, ganhar o mudo e se encontrar e se perder.
Queria o claro das noites escuras e a escuridão dos dias de sol.
O tempo venceu os dias e as horas.
Sarinha cresceu, fez-se moça e das mais belas.
Passou a frequentar espaços outros.
Distintos da escola, da igreja e da casa dela.
Agora trabalhava e fazia faculdade.
Ía bares, shows, cinemas, caminhava em busca dela. Dela própria.
Em dúvida entre administração e economia, cursou artes.
E ali, uma aquarela inteira, de milhões de cores se abriram em frente aos seus olhinhos que guardavam ainda a ingenuidade infantil.
Sarinha entendeu que era hora de abrir as próprias asas e voar.
Crescer, galgar novos rumos e fazer a família compreender
Que agora era Sara quem comandava a própria vida.
Que seus suspiros eram só seus.
De Sarinha restava apenas a lembrança dos tempos de menina ingênua.
Da igreja, vez ou outra, quando desatenta, um trecho de um cântico ou outro vinha à mente.
Mas logo se perdia em meio aos retumbantes pontos de Umbanda que sempre entoava com os demais membros da curimba do terreiro que dirigia.
Mas o coração não mente e Mãe Sara compreende que de si aquilo tudo já não faz mais parte.
Que a vida é como um ponto neutro entre sete encruzilhadas e que para todos os desejos, ainda os mais secretos, haverá sempre um caminho.
São Paulo, 11 de maio de 2019.