AMPUTAÇÕES VOLUNTÁRIAS

Para a mulher com o corpo riscado de relógios.

(Água: Câncer: A busca pelos afetos.).

Se eu te amo e tu me amas

Um amor a dois profana

O amor de todos os mortais

Porque quem gosta de maçã

Irá gostar de todas

Porque todas são iguais (A Maçã - Raul Seixas).

Costumam dizer que existe um ponto no qual os fatos começam a acontecer. Costumam afirmar, absoluta convicção, que nada ocorre sem que a percepção – seja consciente ou inconsciente – traga a clareza para entender o tal do ponto. Sempre sonho, usando a metáfora paradoxal e clichê do Primo Bastardo de Christiane F.: sempre sonho que sonhas comigo, e me perguntou: Ou foi o contrário?

Entramos em entregas demasiadas confundindo os corpos e alimentando-se de si mesmo. Apontam alguns – eles, o que não nos olham como somos – a possibilidade de sermos obcecados pelos nossos poços cordas lama limbo náufragos e águas. As águas me assustam porque não sei nadar. Essas águas também nos oferecem um mecanismo de renascimento.

Renascer. Reviver. Sobreviver.

A relação entre essas águas e nós, eu sou terra, preciso de chão, areia, barro, concreto para pisar e não sentir o mundo sucumbir mais do que possa suportar. E ele sucumbe, bem sabes disso. Você, por outro lado trás muito da água, joga-me em oceanos, rios, cachoeiras e pequenas nascentes para que eu possa ir me adaptado a descobrir as águas e os renascimentos constantes qual precisa para me reerguer e continuar.

Eu ando pensando em você de um modo desconexo. Não entenda do sentido errado. A necessidade de explicar como coloco as palavras sempre me fora um fato inerente. Quanto digo desconexo me refiro a não entender o modo sobre como penso em você. Sei dos afetos e de como eles nos mantém equivalentes a tripés. As possíveis e imprescindíveis amputações pela qual vamos sendo submetidos – nos submetemos, acho – é sempre a resolução do problema e não o problema, de fato, feito uns filmes que ando assistindo nesses dias estranhos de fins de março e chuvas efêmeras.

A terra me permite o alicerce de não pisar em falso. O ato de pisar, pisar, pisar e saber que os pés não estão perdendo sua natureza e nem se afundando nas lamas. As águas são como as curas das amputações. Entramos nela, sempre com meu medo, o teu medo não existe nas águas, por isso sinto a confiança de deixar a carne dilacerada ser penetrada pelas águas, das nascentes, principalmente. E nesse processo de ir se curando e morrendo seguimos construindo novas partes para as amputações.

Como se teve início? Eu não sei. Gosto de pensar que aprendemos em cima da pedra, a minha mudez e estagnação e a primeira amputação compartilhada lado a lado. A amputação do que eu era e do fui me transformando. Mas, havia o chão, a terra, as árvores e um vasto caminho iluminado por um sol penetrante que fazia arder os cortes.

Eu, dentro de minha zona de conforto, a terra, o barro, não conseguia transitar.

Indo um pouco além, suspeito que essa não tenha sido a primeira amputação. E é dessa forma que penso sobre o ponto. Existiu um determinado ponto no qual começamos a nos refazer. Foi singelo, foi intenso, foi complexo.

Você havia perdido algo, como uma maçã, uma preciosa maçã que poderia matar a fome de toda uma humanidade degradada. A maçã.

A outra veio e te mostrou caminhos, as águas – as águas que sempre me falas e corre pelo teu corpo em marcas e rabiscos de frases, desenhos, relógios que viram para trás – na vã tentativa de descontruir o tempo. A outra veio e te deu uma suculenta maçã e te batizou dentro da primeira nascente que foi vista pela humanidade ao começar habitar o planeta. Foi nesse momento que teu vínculo com as águas fora se tornando essenciais para os renascimentos e sobrevivências que ocorreu ao passar das histórias dilaceradas.

Eu sei da outra, sei do muito ou pouco ou necessário, creio na intensidade, penso sobre a necessidade do primeiro afogamento nas águas. Eu, bem, não sei nadar. Nada.

Só que, como acontece com as grandes histórias e as confusões dos afetos, ocorreram tantas coisas. Tanta solidão. E, as primeiras amputações que foram as pernas, os braços, a mente.

As pernas impediram de caminhar e continuar por si só nas andanças do mundo, sempre é desconfortante perde algo que não parecia ser tão necessário, e, repentino, nota-se que o é.

O braço, esses; ouso dizer que foi a amputação mais séria. Os braços impediam de pegar a maçã, aquela fruta específica, vermelha, suculenta, que poderia tanto de dar o conhecimento – e te deu, de certa forma – e as dores.

A mente e a impossibilidade da racionalização. Porém, existe certo paradoxo na mente: a racionalização não consegue ser possível para quem desenha no corpo relógios que viram para trás. E nem pessoas que moram na filosofia.

Eu propus uma espécie de troca: afoga-me nas águas, me faz renascer todos os dias, mesmo que essas águas sejam de um poço lamacento; eu te ensino a terra, eu te mostro como recuperar o andar pelo mundo.

E tentamos, tento eu, tentas tu.

As tentativas de se reerguer são sempre estranhas. O estado de perder, o corte sobre a ferida que nunca cicatriza. Eu sei. Tu sabes. É quando me levas para ás águas e me afogas e dentro do oceano, do mar, dos rios, das cachoeiras, das nascentes o órgão amputado vai se reconstruindo. Por um tempo consigo usá-los e transitar entre as pessoas pelas ruas dessa cidade fantasmagórica – que mais parece um grande cemitério – A terra, porque te busco e coloco teus pés descalços sobre a terra, o barro, aquele barro avermelhado para que possas sentir outros caminhos para se chegar à outra – a outra que te mostrou o caminho das águas.

Tornou-se necessário que você conseguisse andar na terra e se sujar de barro vermelho. Só assim poderia entender o que aconteceu e acontece e continuará por muito tempo a ocorrer dentro de você no percurso de chegar até a outra. A mulher das águas e das filosofas, das intensidades e dos motivos alcoólicos. Ele tem algumas respostas –ainda que não saiba disso – presumo.

E.

E.

Tornou-se necessário meus afogamentos segurando sua mão, no primeiro momento. No segundo, deixando-me afogar só. No terceiro, dentro do mar, do sal, para se reconstruir das amputações. Conseguindo, então, despido, sair de dentro do mar, deitar na areia branca e deixar o sol adentrar por todo meu corpo. Depois, cego de tanta luz seguir andando pela praia.

Você para um lado. Eu para o outro. Referente a um grane loop no qual nos encontraremos depois de percorrer todo o caminho e atravessar toda a praia, como quem vai em direção ao encontro de si. Como quem caminha esperando por um ponto de chegada, o ponto, mais uma vez, não é uma placa, não é uma fita, não é nada além do reencontro com você para conseguir encontrar a mim.

E o reencontro de mim para que você consiga uma forma de reencontrar a ela. A outra, a água que derrama de dentro dela e te lava e leva para um lugar onde se consegue contemplar todos os eus que trazemos dentro de nós.

Agora, que aprendi como sobreviver às amputações e entender o sentindo do ponto. Percorro por um campo terreno. Após o círculo se fechar estarei esperando você. E você me esperará. As histórias vão se cruzar e você, a outra, eu conseguiremos entender o percurso de se existir fora da racionalidade que ainda tentamos, mesmo sem querer, dar algum sentindo prático.

Agora.

Agora.

Vou encontrar você...

Jailson Anderson
Enviado por Jailson Anderson em 07/05/2019
Código do texto: T6641189
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