ALMA TRANSLÚCIDA

Estava ela na ante sala do Hospital. Era a sua terceira seção de quimioterapia. O ambiente embora claro com as paredes brancas lhe parecia meio que pesado. Por um momento passou a mão no cabelo e se deu conta que eles não existiam mais, e que no seu lugar estava um lenço que ela havia ganhado da amiga. Nas mãos pequenas manchas mais escuras faziam contra ponto com aquelas que havia sido produzidas pelo tempo. As manchas do tratamento estavam ali, paralelas as manchas do tempo como se tivessem delimitando a sua ação. Na ante sala do hospital ela ouvia uma música suave que lhe parecia familiar e por vezes lhe invadia por dentro fazendo com que a sua alma flutuasse. Mesmo naquele ambiente aparentemente frio e desolador, ela permanecia firme, cumprimentando aqueles que passavam por ela com acenos e sorrisos, ora efusivos, ora mais contidos. Tinha se esquecido de problemas mais cotidianos como a luz atrasada ou a mensalidade da academia que já não frequentava desde o início de seu tratamento mas que também não havia ido ainda trancar a matrícula. Tudo nela parecia mais leve, mais suave, mais terno e pela sua aparência exalava tranquilidade e mansidão ainda que estive prestes a realizar mais uma sessão de quimioterapia. As marcas do tratamento estavam no seu corpo, mas antes, a mulher vaidosa de outrora, deu lugar a uma mulher que queria lutar pela vida, que como ela mesma dissera acabara de começar já que completaria naquele ano 42 anos de idade. Uma enfermeira, imaculadamente branca, como as paredes da ante sala lhe chamou pelo nome. Era a hora de iniciar a seção. Ela levantou-se e todos a volta notaram a sua elegância e sua altivez na hora de se levantar. Caminhou lenta mas decididamente até a porta da sala que dava acesso a quimioterapia. O lenço vermelho na cabeça, naquela tarde de outono, parecia ter um colorido mais intenso, e que combinava com as flores também vermelhas da blusa com fundo azul. Chegou até na porta, acompanhada da enfermeira, olhou para trás, e suspirou. Foi quando disse a si mesma: O mundo precisa de gente corajosa como você. Vá lá e faça sua parte. Sorriu novamente, dessa vez mais timidamente, e reparou que o sol brilhava através dos vidros da janela. Ergueu a cabeça e entrou resoluta. Era ela, entrando em mais uma batalha para se sair vencedora.