Forró no Céu

De repente tudo em volta ficou tão triste que a asa branca bateu asas com destino ignorado. O sabiá, pasmem, voltou para a gaiola. O mandacaru deixou de "fulorá" no sertão. O fole deixou de roncar na serra. E o meu pé de serra virou um vale de lágrimas. Exu, Juazeiro, Riacho dos Navios, O Nordeste e o Brasil cantaram o xote,o forró e o baião como se fosse marchas fúnebres,. O pobre do assum preto ficou ainda mais triste que no dia que furaram seus olhos. E a natureza vestiu luto. Era como se as árvores estivessem encobertas por bandeiras de tristeza hasteadas a meio pau, Tudo isso porque n mês de agosto que rima com desgosto, falecia o Rei do Baião, LUIZ LUA GONZAGA.

Ele foi o maior representante da alma do povo sertanejo e nordestino, um brasileiro que deu dimensão de dignidade e altivez não apenas à música popular, mas ao homem sofrido do nosso Nordeste. Ele era antes de tudo a alma do nosso povo. Ele explicou na prática aquilo que Euclides da Cunha disse sobre o sertanejo. Multiplicou a nossa fortaleza, a nossa força, a nossa coragem e bravura. Foi a prova viva de que o sertanejo é mesmo, antes de tudo, um forte. A sua vida, as suas vitórias, o seu talento, a sua humanidade, humildade e, principalmente, a sua fé nos valores do nosso povo evidenciaram o quanto valemos como povo e como gente. Foi a prova inconteste da nossa cultura. No momento em que escasseiam os exemplos de civismo e de dignidade, cresce ainda mais o valor de Luiz Gonzaga.

Miguel Arraes disse certa feita que os artistas eram os arautos do povo. Nada mais correto. Luiz Gonzaga foi justamente isso: um arauto do povo, intérprete, representante, aquele que levou para o sul e para o exterior anto os nossos valores como os nossos dramas. Não seria exagero dizer que ele fez mais pela nossa cultura do que todos os intelectuais juntos. Sim, porque ele era a prática, a vivência, a vida, o cotidiano da alma nordestina.

Era o homem síntese do sertão. A grande arma que utilizou para defender o Nordeste foi a sanfona de oto baixos, a sua voz maravilhosa e o seu imenso talento e carisma, armas mais que poderosas para destruir tabus e preconceitos. Mas o que mais marcou o Rei do Baião foi a sua fé no seu povo, uma fé inabalável, uma fé que o fez transpor todos os obstáculos. A sua força vinha da terra (a força telúrica), do fato de nunca ter deixado de ser o menino de Exu, o filho de Januário. Nunca o sucesso foi capaz de fazer com que ele esquecesse o seu povo.

A sua morte abre uma imensa lacuna na nossa música popular, se bem que permaneça eternizado nas centenas de discos e teipes de tevê que gravou. Mas ele fica mesmo eternizado é na memória do povo brasileiro, Neste momento de sua morte física há muita tristeza e lamentação, uma quase incredulidade. É que as pessoas não vão jamais se acostumar com a sua morte. No entanto, o próprio povo, ontem, no momento que o corpo dele era colocado no carro dos bombeiros já entendia a imortalidade do Rei gritava: - Imortal! Imortal! É a prova cabal que Luiz Gonzaga morreu apenas fisicamente, na verdade ele partiu para outro plano de vida, a vida ao lado de Deus.

Que fique claro que pessoas como Luiz Gonzaga não morrem, sao espíritos de luz. Parodiando Guimarães Rosa podemos dizer que Gonzaga não morreu, ele se encantou. Ele foi, quem sabe, rever seus grandes parceiros Humberto Teixeira, Zé Dantas, Zé Marcolino, Hervê Clodovil... E, claro, seu pai Januário e sua mãe. Mais: ele foi mesmo., esta é a grande verdade, fazer um grande forró no céu, lá adentrou com a sua sanfona mágica, seu traje de vaqueiro, sua alegria e sua voz eterna. Foi alegrar os santos. utra certeza: quando tocar um baião, um xote, um forró, ele viverá para todos, a asa branca voltará alegre, o sabiá fugirá da gaiola e o mandacaru voltará a "fulorá" no sertão. Serão os sinais que ele não morreu orque viverá na memoria e no coração do Nordeste e do Brasil. Viva Liz Gonzaga, O Rei do Baião. Estrela não morre, muda de lugar. Inté.

P.S. Essa maltraçada foi escrita em agosto/89. Tem 20 aninhos. Alguns oderão dizer que é um arremedo de crônica e não um conto. Não discuto, apenas lembro que Mario de Andrade dizia que conto é tudo aquilo que chamamos de conto. E priu.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 25/04/2019
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