DESTINO IRÔNICO
Cidade do interior com um pouco mais de cinquenta mil habitantes, difícil seria andar despercebido muito tempo, pois em cidades assim, geralmente as pessoas te conhecem, mesmo que você às vezes, não saiba disso.
Esta cidade será chamada pelo nome fictício de Esperança e guarda a história de um homem cujo nome é Flávio, conhecido na cidade de Esperança pelo apelido “mão-de-vaca”, pelo fato de fazer questão de tudo e querer sempre economizar nas finanças.
“Mão-de-vaca” era bastante conhecido, pois era o maior fazendeiro da cidade, casado e pai de dois filhos desse casamento, porém, “mão-de-vaca” guardava um segredo do passado e nem para a sua esposa revelara.
Ele era um homem branco, alto e de cabelos grisalhos, olhos claros, rosto avermelhado e voz grossa; usava sempre um chapéu grande e cinto de grande fivela, típico de fazendeiros. “Mão-de-vaca” sempre discutia nos caixas dos bancos, filas de lotéricas e em qualquer lugar, quando se tratava de assuntos relacionados a dinheiro.
Certa vez, discutiu com a garota do caixa de uma lotérica, por causa de alguns centavos de troco que não tinha no momento e a menina ofereceu balas para ele, o mesmo recusou e disse que ficaria ali até que ela conseguisse o seu troco. “Mão-de-vaca” deu o seu show na fila, falava alto e cheio de razão; todos olhavam para ele com reprovação pelo fato de ser um homem rico e estava fazendo questão de alguns centavos.
Desde esse dia, “mão-de-vaca” ficou de marcação com essa garota, a pobre apenas fazia o seu trabalho, mas “mão-de-vaca” sempre dava um jeito de discutir com ela por qualquer razão. Ele pagava suas faturas sempre com ela e por isso era constante a sua presença naquela lotérica, que por sua vez, era a única da cidade de Esperança.
A antipatia de “mão-de-vaca” por essa trabalhadora foi se tornando insuportável e chegou ao ponto do fazendeiro falar com o proprietário da lotérica para despedir a sua funcionária, como “mão-de-vaca” era o homem mais rico da cidade, tinha suas influências e as usava para controlar muitas coisas...
A insistência foi tanta que o proprietário da lotérica acabou por despedir a menina que muito chorou, pois precisava desse emprego para ajudar a sua mãe que se viu obrigada a criá-la sem pai e sendo pobre, não tinha condições de sustentar a casa sozinha.
Desempregada por causa de mão-de-vaca, a garota ficou desolada e amaldiçoava aquele “velho”. Ela ficou sabendo depois, que o mesmo interferiu no seu emprego, foi a pedido dele que a mesma acabou despedida.
Após quase um ano sem emprego, enfim, a menina voltou a trabalhar, agora era vendedora de uma grande loja. E como até nas grandes cidades, as pessoas se encontram por acaso, imagina se na pequena Esperança, essa garota e “mão-de-vaca” não iriam se encontrar novamente!
A fim de comprar roupas novas, “mão-de-vaca” se dirigiu à loja e ao adentrar, deu de cara com a vendedora que por sua vez, assustou-se quando viu que o cliente era o dito cujo, quis desistir da venda, mas era tarde demais, “mão-de-vaca” já havia se aproximado e com sua conhecida voz grossa, exigiu que a garota lhe trouxesse botas e calças jeans. O fazendeiro aproveitou a oportunidade para humilhar ao máximo a nova vendedora daquela loja, vez a garota ir e vir muitas vezes com mercadorias e depois dizia que não gostou e o pior, após ocupar a vendedora por quase toda a manhã daquele dia, saiu da loja sem comprar absolutamente nada.
A jovem não quis falar nada para o novo patrão e aguentou calada todas as vezes que mão-de-vaca a humilhou naquela loja, não foram poucas as vezes que ele fez isso e sempre acabava sem comprar nada na mão dela; era impressionante a falta de empatia entre os dois.
A jovem vendedora se chamava Flaviana e todos a chamavam de “vivi”. Sua mãe morava num povoado a 10 km de Esperança e raramente vinha à cidade, por isso, nunca tinha visto o fazendeiro. Flaviana contava as situações constrangedoras que o mesmo a fazia passar, mas a sua mãe não tinha a oportunidade de reclamar com ele.
Um dia, a mãe de “vivi”, ficou tão indignada com as humilhações constantes que disse para a sua filha que se o seu pai não a tivesse abandonado grávida e fosse um pai presente, ela não estaria passando por aquela humilhação, pois ele era um homem forte e valente, já teria ido tirar satisfação com esse fazendeiro chamado de “mão-de-vaca”.
“Mão-de-vaca” só conhecia Flaviana por “vivi” e Flaviana só conhecia o velho fazendeiro, por “mão-de-vaca” e suas diferenças só cresciam a cada dia. Mas o destino tem de suas ironias e um dia os segredos são revelados.
Certo dia, vinha “vivi” após o expediente de trabalho e ao dobrar uma esquina de uma rua movimentada, foi atingida por uma hilux que fazia o trajeto contrário. O motorista saiu do carro e se deparou com “vivi”, caída e ferida, bem na frente do seu carro; o motorista não poderia ser outro, era o velho fazendeiro Flávio, “mão-de-vaca”, que por sua vez prestou todo socorro à menina apesar de suas diferenças.
“vivi” estava desmaiada e o Senhor Flávio nada sabia sobre ela. Acabou deixando seus dados na recepção do hospital, tipo: nome completo, endereço e telefone e tão logo “vivi” internada, dirigiu-se para a casa dele.
Cidade pequena, logo a notícia chegou ao interior de sua mãe, a senhora Ana que desesperada partiu para a cidade de Esperança. Chegando ao hospital, viu na recepção os dados da pessoa que atropelou e socorreu a sua filha e trêmula, não acreditava direito no que estava vendo, o seu passado vinha à tona; o homem que a engravidou e a abandonou sem nenhuma assistência e consideração. Isso mesmo, o venho “mão-de-vaca” é o pai de Flaviana, este nome, inclusive, é a junção de Flávio com Ana.
Mais tarde, Ana contou toda a história para a sua filha que custou acreditar. O velho fazendeiro passou pelo hospital em busca de notícias sobre a garota e acabou sabendo que se tratava de sua filha, o mesmo ficou chocado com toda a situação, pois já tinha maltratado aquela menina tantas vezes e agora descobre que na verdade, se trata de sua própria filha.
O reencontro foi cheio de emoções, a princípio até certa frieza, mas aos poucos as lágrimas e pedidos de perdão mudaram o cenário e tudo acabou bem. O fazendeiro, apesar de “mão-de-vaca”, fez questão de reparar toda a injustiça em relação à Ana e sua filha Flaviana que a partir daí teve a sua vida transformada, pois era filha do maior fazendeiro daquela cidade.
O destino tem dessas coisas, quando menos se espera, tudo muda de repente ou com o tempo. Nunca devemos tratar mal as pessoas, a gente nunca sabe o que o destino nos reserva, ofender um desconhecido poderá nos render muitas lágrimas no futuro.