Asas de porcelana ( Contos  e mitos para ninar gente grande )
 
    De tão parecidos os lugares, não desejava mais ir a lugar nenhum. As viagens a cansavam. O corpo dolorido reclamava sempre.
    Como não era fada, nem rainha, nem princesa, Míriam continuava cumprindo seus afazeres de sempre. De quando em quando, tomava um café, enquanto descansava um pouco. A mente perdida em recordações: casas antigas, pessoas que já não estavam mais, jardins, pomares, paisagens  verdes, agora devastadas...
    Ainda não era dezembro, naquele final de primavera, mas as fachadas de algumas casas já exibiam piscas coloridos. Ao longe a luz vermelha e forte de uma antena.
    A xícara de café era pequena e de porcelana, sobra de um tempo em que a sua vida corria em outros trilhos. Dessa vez, após tomar o café, voltou ao presente e observou com atenção o que se via pela vidraça.  Abaixo da janela, um telhado de telhas cinzas. Ao longe, as luzes. O céu limpo , sem nuvens, umas poucas estrelas...
    De repente, foi invadida por uma vontade repentina, inusitada. Num lampejo de loucura ou de extrema lucidez, abriu a janela e atirou a delicada xícara. Ela fez uma longa curva no ar, voou por instantes em espaços infininitos , antes de, finalmente, quebrar-se em pedaços no telhado cinzento .