Ficar rica, comer massa e não, obrigada
Há muito tempo atrás me perguntaram se eu preferia que minha mãe morresse ou se eu preferia ficar rica. Minha resposta foi "ficar rica". Depois, perguntaram se eu preferia comer o prato de massa naquele momento ou depois, frio, após de horas guardado no microondas, sem refrigeração. A resposta era óbvia: vou comer agora.
Há muito tempo atrás, mas não tanto quanto antes, me irritei por sempre ser forçada a escolher a opção mais fácil, óbvia, e me rebelei. Preferia comer depois, preferia não brincar, preferia ficar trancada no banheiro, preferia apanhar. Então, um dia me mostraram que eu devia jogar safe. Me tiraram tudo. Me reviraram. Me doeram. Preferi comer tudo, na hora, e mais um pouco. Não precisa. Não, obrigada. Sim, obrigada. Obedeci, e mais que isso, repliquei. A raiva deles era a minha, a tristeza deles era a minha, a dor deles era a minha e a culpa deles era a minha.
Há algum tempo cansei. Desafiei, me procurei de volta. A mim, eu me procurei. Voltei a dizer não. Não fui eu. Não quero, foda-se. Como quando quero, saio quando quero, falo o que eu quero. Mas eles tem sua rodada também. Me tiraram as coisas que conquistei: os sentimentos, as ligações, o contato. O tempo.
Dessa vez desisti de escolher. Não escolhia entre o seguro e o rebelde; não escolhia entre o sim e o não. Me abandonei. Adormeci.
Há pouco tempo despertei. Olhei em volta. Onde estou? O que estou fazendo? Como se fala mesmo? Como que abro os olhos mesmo? Aos poucos acordei. Ouvi, senti. Mas quem eu era? O que eu era? Eu não sabia. Me mexi e ao me mexer quebrei. Estava tão rija que qualquer movimento me rachava, me quebrava, esfarelava. Não havia outro jeito. Escolhi me mover. Me movi. Me movi. E fui me movendo.
Agora, percebo que as perguntas continuam. Mas não como perguntas. Elas não são mais proferidas. Elas existem. Se for para um lado, renuncio o outro. Se olhar para uma tela, não vejo a outra. Não há o que fazer. Que lição devo aprender para que não precise mais escolher? Eu não sei. Será que um dia eu vou saber?
Amanhã,