Montanha Russa
Um dia como outro qualquer. Levantava, refletia, entristecia, acordava e só então ia viver. Seu trabalho começava às nove, mas gostava de chegar às oito no escritório, antes de todo mundo para que ninguém o visse chegando. Vergonha não era. Júnior não era feio. Era isolado. Achava que seu mundo era totalmente diferente dos demais. Não melhor, nem pior. Só diferente. Sabia que não era comum, mas nem por isso pensava que também haveria outros não comuns e que isso o poderia fazer comum também.
- Reunião de planejamento hoje às 14:30. - avisou o rapaz da mesa ao lado, assim sem "oi" ou "bom dia". Porque já "conhecia" Júnior.
- Qual a pauta?
Levantamento de dados locais acessíveis para o evento no shopping Freire.- respondeu o rapaz sem olhar.
- Ok.
E isso era tudo que Júnior falava num dia. Uma pergunta e uma confirmação. Nas reuniões não ia muito além. Anotava sugestões e no fim as dava ao chefe. Por sorte, sempre eram boas sugestões.
Durante a reunião, entre conversas, soube que estavam pensando numa forma de interação entre os convidados através de aplicativos no celular. Não perguntaram a ele o que achava. Ainda bem, pensou. Se, para ele, não havia interação real, imagine virtual. Pensava assim por experiência.
Houve um tempo, não distante, em que era adepto. Daí a origem de seu isolamento. Júnior aprendeu que se não podia idealizar a personalidade de alguém face a face, muito menos sem nunca ter visto a pessoa de fato. Mas ele era assim. Intenso. Vivia numa montanha russa. Em várias montanhas russas. Problema era que sempre caía quando saltava de um para a outra. Isso mesmo. Saltava. Não descia para respirar, pegar a fila novamente e embarcar com segurança. Se jogava de uma para a outra em movimento. E com as lesões da queda, vinham a raiva, a dor e o choro. Raramente vinha o prazer de verdade. Por isso Júnior continuava, sabia que o prazer viria, passageiro, mas viria. Mas isso não o diferenciava de Sísifo. O porém está no fato de que o prazer nunca compensou as lesões, ou desilusões. O prazer não vem da experiência, não é fruto dela. Faz parte dela.
Quando usava aplicativos para encontrar-se com outros homens, Júnior sempre idealizava antes o que poderia acontecer. Sabe a moça com o balde de leite na cabeça? Pois é. Ele se decepcionava quando acontecia exatamente o que havia pensado, ou não. Porque queria mais. E achava que o outro também. Mas ele se enganou ao pensar que numa montanha russa só ele brincava. Egoísmo? Não. Inocência. Quanto tempo ainda ficou no parque de diversões? Até este ir embora e levar consigo a montanha russa, as quedas, os prazeres. Só o que ficou foi o Júnior, não mais inocente e incomum. Porque ao contrário dos outros que aguardam o parque voltar, Júnior não procurou mais nenhum. Na volta pra casa vinha com esses pensamentos. Na verdade queria uma montanha russa só sua. Nem melhor, nem pior. Só diferente.