O homem das flores - Capítulo 4.
- Vamos. Já estamos atrasados! Precisamos chegar à exposição o mais cedo possível. – Falou Tadeu, a família.
Ia começar a tão aguardada exposição de flores, e como de costume, Tadeu Ravanelli montaria uma linda banca, a maior de todas dentro do enorme galpão cedido pela prefeitura da cidade para tal evento.
A festa ocorria uma vez por ano, durante dois finais de semana. Pessoas de outras regiões vinham de muito longe para passear, comer, assistir aos espetáculos de teatro e dança, além, é claro de fazerem a tão famosa visitação a feira de flores.
A festa da primavera era um dos acontecimentos que mais agradava ao senhor Ravanelli. Ali ele mostraria e é claro venderia toda sua produção do ano e ganharia um bom dinheiro.
- Queria tanto ir com vocês. – Disse Carmelita com sua voz fraca.
Sem olhar para a esposa Tadeu disparou:
- Você mal consegue andar. Só ficaria atrapalhando! Já não basta aqui em casa! - O tom, a qual falava com a mulher era duro, de uma estupidez sem igual, tanto é que ela não devolveu na mesma moeda, apenas baixou a cabeça e ficou ali, a cadeira de balanço em movimento, o sol começando a invadir as frestas da janela e uma tristeza e um aperto dentro do peito, anunciando que aquele não seria um dia qualquer.
O caminhão já estava carregado. Tudo muito bem organizado e amarrado, nada cairia. Era só ligar o motor e partir rumo à festa da primavera. Pela janela, Carmelita viu o caminhão subir até o topo da montanha, e sumir do alcance de seus olhos. Ficaria em casa, sozinha com seus pensamentos, suas angustias.
Do lado de fora do enorme galpão, uma fila enorme de caminhões esperava a abertura dos portões. Tadeu era o quinto. Quando o enorme portão se abriu, Tadeu ligou seu caminhão, engatou a marcha, botou o pé no acelerador e aos poucos viu as rodas sem moverem. Um a um os veículos foram entrando. Na parte interna, funcionários da prefeitura corriam contra o tempo para deixarem tudo na mais perfeita ordem. Após estacionar, Tadeu desceu do caminhão, em seguida dois de seus filhos, os outros pularam a carroceria.
- Não vejo a hora de isso começar. Vocês não sabem a ansiedade que estou. – Falou Tadeu aos filhos que o acompanhavam naquele dia.
Uma por vez as caixas foram descendo. Rosas das mais variadas qualidades, todas lindas e perfumadas. Com cuidado e o auxílio de um carrinho cada uma foi sendo levada para o local onde seriam expostas ao público. Não demorou muito para o caminhão ser descarregada. Faltava apenas o principal, organiza-las por espécie, e isso homem das flores sabia fazer muito bem.
Enquanto o marido e os filhos estavam nos preparativos para a exposição de flores, Carmelita estava em casa, sozinha, acompanhada pela solidão que naquela altura da vida já havia se tornado sua melhor amiga. Os últimos anos tinham se passado através da janela. Era por detrás dela que ela via as flores, os filhos, as noras e os genros na lida diária. Apesar de ser desprezada pelo marido, Carmelita conseguiu fazer o impossível em muitas famílias, todos moravam juntos, todos em harmonia. Porém, ela não entendia o porquê do marido ser tão duro com ela. Qual seria a sua culpa por ter ficado doente e com as pernas fracas? Carmelita buscava explicações todos os dias. Ficava em casa martelando o pensamento para buscar lá no fundo de sua alma as respostas, ou alguma pista que elucidasse esse mistério.
Desde que ficara doente, nunca mais saiu de casa, muito por não querer, mas quando isso acontecia, nas raríssimas exceções, o marido a impedia dizendo lhe que ela era uma inválida e com as pernas podres poderia cair, quebrar a perna e fuder com tudo. Carmelita se sentia um estorvo.
Na exposição estava tudo arrumado. Tadeu sorriu e disse:
- Esse ano nós vamos arrebentar de tanto vender...
Carmelita pegou a bengala. Com muita dificuldade foi se levantando até se colocar em pé. As pernas tremeram, mas pareciam firmes. Passo a passo ela foi caminhando. Seu objetivo era ver a produção de perto, sentir o perfume de cada uma e tomar um pouco de sol. Caso ocorresse algo de mal com ela, tudo bem, já tinha vivido o bastante e não faria falta a ninguém, pois era uma inútil.
Da casa até onde as flores ficava havia uma distância, uns cinquenta metros, que Dona Carmelita fazia questão de enfrentar. Seria um grande esforço, mas ela estava decidida a enfrenta-lo. Os seis degraus de escada da entrada da residência foram enfrentados com muita bravura. Parecia que Carmelita estava curada e todas as dores nas pernas tinham ido embora para sempre.
O cenário era o mais belo. O gramado verde, o sol lá no alto rodeado por nuvens, pássaros a cantar suas doces melodias e uma brisa leve vinda do sul. O sorriso no rosto de Carmelita era radiante, grandioso e bonito...
O galpão estava mais do que lotado, estava entupido de gente. Homens e mulheres vestidos elegantemente. Crianças segurando algodões doces, e sorvetes que escorriam pelos dedos devido ao forte calor daquela tarde. A banca da família Ravanelli estava localizada quase que na entrada no local da exposição. Buquês de rosas vermelhas chamavam a atenção daqueles que por ali passavam.
Carmelita parou bem em frente à produção de rosas. O perfume vindo delas era maravilhoso. Apesar do cansaço foi adentrando em meio à plantação. Rosas de variadas cores dividida apenas por corredores de terra, em tamanho suficiente para que pessoas e carrinhos de transporte pudessem por ali passar. O coração bateu feito um tambor no peito, estava acelerado, descompassado, parecia pedir para parar. Carmelita deu uma última olhada nas flores, fechou os olhos e começou a sonhar.
Em seus sonhos ela se lembrava de quando era uma menina de quatorze anos, do beijo no namorado que tinha virado marido e que a tratava feito um traste só pelo fato de ter ficado enferma. As lágrimas começaram a lhe escorrer dos olhos, molhando seu rosto enrugado. Carmelita caiu em cima das rosas vermelhas e ali ficou de braços abertos e pernas meio que dobradas. Os cabelos brancos estavam espalhados e um sorriso bonito saia de seus lábios. Parecia satisfeita. Sua missão na Terra havia sido cumprida da melhor maneira. O sonho de formar uma família harmoniosa foi realizado. Carmelita morreu em cima da maior paixão de seu único e eterno namorado.