Quia Salus: Em busca da salvação
Entrou na igreja pela primeira vez. Sentiu as mãos suadas e as pernas tremerem, estava nervoso. Seu coração estava disparado, batendo descompassadamente, num ritmo que o assustava. Era muita gente enfiada num espaço minúsculo. Pessoas de todas as cores, homens, mulheres e crianças, todos bem vestidos. Os homens usavam terno e gravata, as mulheres vestiam saias e blusas sem decote, com pedrinhas enfeitando os ombros. Em principio um silêncio, em seguida êxtase e empolgação.
O pastor, um senhor de barriga avantajada, cabelos grisalhos e olhar penetrante andava de um lado para o outro no púlpito, a camisa branca encharcada de suor, a respiração ofegante em meio de glórias e aleluias vomitados de sua boca.
Ademir se impressionou com aquilo. Observou embasbacado àquele mar de gente de olhos fechados e dedos cruzados em cima do peito, na altura do coração. Viu lágrimas descerem dos olhos de muitos, viu sorrisos de alegria e satisfação, ali parecia ser um bom lugar. Então fez o mesmo, se postou ao lado de duas moças, ambas de cabelos negros. Copiou seus movimentos, fechou os olhos e ergueu as mãos para os céus, como se pedisse a salvação eterna e o perdão divino pelas merdas que havia feito durante mais de quarenta anos de vida.
Na cabeça imagens de seus tempos antigos, enfiado em bares; com cheiro de cachaça e cigarro exalando de seus poros. Recordou-se com certo nojo da vez que defecou nas calças no meio da rua, e da vez que regurgitou os restos de um almoço dentro de um ônibus, em ambas as oportunidades estava completamente bêbado. No ônibus todos olhavam para ele com desaprovação. Nenhum pobre mortal teve a honradez de ajudá-lo, também pudera, ele não merecia qualquer gesto de compaixão, pois ele não gostava de si mesmo, então porque um bando de estranhos sentiria.
O culto terminou em meio a um vendaval de glórias e aleluias. Pessoas se abraçavam enquanto Ademir caminhava lentamente, solitário, até a saída da igreja. O local era enfeitado com flores de plástico, as paredes eram pintadas de brancos e grandes cortinas de cor grená caiam feito véus cobrindo parte das paredes.
Sentiu uma mão tocar-lhe o ombro direito, virou-se e era o homem que falava em cima do altar.
- Oi? Você parece ser novo aqui. Seja bem-vindo! – Disse o homem esticando a mão para cumprimentar Ademir. Ademir olhou para a mão daquele homem com certa estranheza, ela era esquisita, torta e cheia de cicatrizes estranhas, assim mesmo apertou a mão do homem, com cuidado, pois temia quebrar os ossos dela de tão frágeis que pareciam ser.
- Sim, sou novo aqui. Venho cá pela primeira vez.
- Sou o pastor aqui, meu nome é Dirceu.
- Sou o Ademir.
Ambos se olharam e se mediram por um breve instante.
- Pela experiência que possuo de anos ministrando o evangelho creio que vossa senhoria não está aqui por ter feito algo de bom, ou estou enganado.
Ademir abaixou a cabeça admitindo culpa, pois sabia que era a mais pura e cruel verdade.
- Sou alcoólatra. – Falou Ademir.
- Sinto muito por sua doença. – Disse Dirceu tocando no ombro de Dirceu. – Que o senhor todo poderoso Jesus Cristo possa lhe dar a paz e a tranquilidade para ser curado desse mal.
- Assim eu espero. – Disse Ademir.
Já não tinha mais ninguém quando Dirceu e Ademir encerraram a conversa. Os dois foram embora, cada um para o seu lado. Enquanto Dirceu entrava no carro novo, Ademir passava na porta de um boteco fazendo um esforço danado para não ser sugado para aquele lugar, queria muito sair daquela vida.
Acordou bem cedo, abriu as janelas e deixou a brisa soprar. Sairia para a rua à procura de um emprego. Sabia que sem uma ocupação não conseguiria vencer sozinho sua luta. Não demorou em arranjar um bico como ajudante de pedreiro. O salário não era lá grande coisa, mas o dinheiro serviria para suprir suas necessidades. Pagaria as contas penduradas nos bares que outrora frequentara e lá jamais retornaria.
À noite foi à igreja que mais uma vez estava cheia. De longe viu o pastor, o homem que conversara na noite anterior por um longo tempo, subir as escadas e ficar de frente com toda aquela gente. Dirceu fez um aceno para Ademir que devolveu o gesto timidamente.
Os meses se passaram e Ademir tornou-se outro homem. Abandonou o vicio da bebida e trocou o cigarro por doces, comia demais e já estava gordo.
- Pastor, do jeito que ando comendo, a preocupação é se Jesus vai curar meu vicio em guloseimas. – Disse Ademir tentando segurar o riso, Dirceu já estava rindo. Dirceu passou o braço pelo ombro de Ademir e falou:
- Na igreja do senhor nada é impossível, e você é uma prova disso, meu caro.