A mulher da touca cor de rosa.

Vejo você passar toda desengonçada pela rua. O corpo roliço, o andar desajeitado e lento. Você veste um vestido florido até os pés, escondendo as pernas. A pele morena queimada do sol e os olhos de um verde bem vivo. Mulher de meia idade, não mais do que quarenta anos, muito embora aparente tiver mais; culpa do sol e da vida dura das ruas.

Na mão direita uma bolsa marrom, na esquerda outra, dessa vez de uma cor diferente. Nos ombros sacolas penduradas. Podem ser qualquer coisa: roupas, comida e até uma arma, quem sabe?!

Para muitos ela é mais uma no meio tantos uns. A touca cor de rosa lhe esconde um pouco da face, mas é impossível apagar seu sofrimento. Mulher viúva, abandonada pela própria sorte. Mãe de seis filhos que a mandaram embora de casa. Culpa da ganância e do desprezo.

Expulsa do conforto do lar e sem ter para onde ir, decidiu fazer das ruas sua moradia. No começo passou fome e frio. Foi agredida por outros iguais a ela. Chorou, sofreu, quis se matar. Só não se jogou de uma ponte porque um estranho, vestido num terno chique conseguiu lhe convencer.

Do homem ganhou um almoço e uma hora de conversa. Ali ela contou sobre sua vida, a morte do marido vítima de câncer, dos filhos ingratos e da maldição da vida. Reclamou da falta de sorte, da falta de amor. Não do amor dos filhos, mas sim do amor do ser humano. A mulher da touca cor de rosa sentia-se invisível no meio das pessoas. Não entendia o porquê de tanto desprezo.

Saia pelas ruas carregando suas várias bolsas, procurando algo de melhor na vida. A mulher da touca cor de rosa dorme na porta de uma loja. Pela manhã o dono do estabelecimento não lhe dá bom dia, e muito menos lhe oferece um pedaço de pão ou uma ajuda qualquer. Ao contrário, ele lhe oferta menosprezo e uma atitude de quem nunca sofreu na vida metade do que ela passou.

Atordoada ela se levanta. Pega suas coisas, seus sonhos, suas frustrações e sua história sofrida de vida. Ela sai andando por aí, com as bolsas penduradas nos ombros e uma pontinha de esperança. A mulher da touca cor de rosa ainda não se deu por vencida.

Saiu de lá decidida que nunca mais, sobre hipótese alguma voltaria ali. Sentiu-se desprezada, humilhada por aquele homem. Carregando as bolsas subiu uma ladeira íngreme, uma rua movimentada, com carros estacionados e gente subindo e descendo. Uma rua com casas e comércios. Um mercadinho, uma padaria, um salão de cabeleireiro e uma loja de ferragens. Por ali ela passava quase todos os dias, sempre sem ser notada.

Finalmente ela chegou onde gostaria. Acomodou-se debaixo da sombra de uma árvore. Tirou as coisas de uma das sacolas. Estendeu um pano de cor azul e ali arrumou delicadamente algumas embalagens de plástico, eram bijuterias. Brincos, anéis e pulseiras que ela vendia para quem passassem por ali. Na maioria das vezes mal conseguia vender um misero brinco, mas quando isso acontecia, ficava numa alegria muito grande.

Fim do dia. Nada vendido. Ela mais uma vez arrumaria suas coisas e iria embora. Sem ter para onde ir, ela procuraria uma nova calçada, um novo pedaço de papelão, pois o velho havia sido esquecido na porta do comercio lhe servia de quarto. Enfiou as sacolas nos ombros e saiu sem rumo, à escuridão lhe assustava, mas seria acompanhada pela luz da lua e pelo brilho das estrelas.

De longe ela avistou uma casa que parecia abandonada. A mulher da touca cor de rosa não pensou duas vezes, pôs os pés dentro do imóvel. Era grande demais. Nem em seus tempos de casada pode viver num lugar tão amplo. Olhou cada centímetro daquele lugar. Espiou, chamou, ninguém apareceu. Parecia que algo magico estava acontecendo. Viu uma porta entreaberta, foi até ela e a abriu. A luz se acendeu e um quarto surgiu bem na frente dela, com cama, um guarda roupas velho, mas que seria de bom valor. Na beirada da cama um pedaço de papel enrolado num laço de fita. Ao abrir e ler, lágrimas escorreram pelo seu rosto, no bilhete estava escrito: lembra-se de mim? Talvez não. Sou o homem que te ajudou no dia em que você tentou tirar a própria vida. Essa casa agora é sua. O pouco que tem aí dentro é todo seu. Cuide com carinho. Um grande abraço e boa sorte. PS: Debaixo da cama tem um baú cheio de ouro, ele é todinho seu só não conte pra ninguém, pois a inveja mora ao lado.

Fernando F Camargo
Enviado por Fernando F Camargo em 08/03/2019
Código do texto: T6592690
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