VÓ XIXA - PARTE III

Primeiro CARNAVAL! Talvez coelhinha: macacão branco e orelhas compridas. Dez ou onze meses de idade. Dançar no colo de muitas pessoas, a bebezinha deve ter dançado... ou no mínimo se sacudiu.

Assim, a cada fevereiro ou março, uma fantasia costurada em casa. Baiana de cetim verde, devia se sentir 'aprendiz-de-Carmem-Miranda', porém unia todas as músicas num só grito, TAÍ! /Sentada por meia hora numa cadeirinha, de castigo (ironia: crime implicar com uma garotinha tão santa.........), era só berrar TAÍ e a mãe 'enlouquecida' diminuía o tempo para... meio minuto./ Sequestrada rapidinho, entre a loja do pai e os Arcos da Lapa, a caminho de três anos, ininterrupta cantiga do "Taí", por certo sequestradores de ouvidos cheios, jovens felizes quando pai herói a resgatou......

Em domingo e terça-feira de carnaval, frequentou anualmente bailes infantis gratuitos em teatros no centro da cidade e no clube do bairro. De retalhos saíam bons e surpreendentes trajes carnavalescos. Fantasia de cigana? O comerciante vizinho ia jogar fora tiras magrelas de cetim em cores variadas, viraram um saião muito além de arco-íris, e a prima gorda cedeu uma fofíssima blusa branca, recortada-diminuída para a foliãzinha.

O tempo não para.

Mais crescida. Ruas próximas e moravam em casas separadas: a casa dela e a dos outros. Estava sendo um início de ano difícil financeiramente, impossível cetim, confetes, serpentina... (Sandália usada, pai gigante sempre atualizava com tinta dourada.) Triste, mas sob a filosofia da mãe: "O que não tem, fica sem, não pedir a ninguém..." /Frase que ela ainda usa íntima e respeitosamente no século XXI./

Vó Xixa era a avó de primos mais velhos que por certo teriam fantasias novas. A senhora percebeu na visitante a lágrima oculta, espremeu cérebro-língua, a garota confessou - sem pedir!!! Um fio de esperança no sotaque italianado da avó alheia.

Por acaso, Vicente, filho cinquentão solteiro desta senhora, tio dos primos, 'surdérrimo' e pão-duro, ia entrando para almoçar. Ora, povo de sangue ou contágio italiano é teatral - vó Xixa fez um ar de infeliz piedade, dedos cruzados nas costas, "mãe de uma bebezinha da favela não tem dinheiro para o enterro e".........

"Eu vi, eu vi as duas passando aqui na porta..."

Vira sim, por acaso, uma morena curvilínea chorando e amiga consoladora segurando pelo braço (descobriu-se depois que perdera o posto de rainha da bateria... - nos anos 50, o título já era este?).

Meteu a mão no bolso do macacão que saiu gorda de conteúdo.

Milagre, sinal do cruz a 40 dias da Ressurreição.

"Vincenzo, figlio mio!!!"

As duas trocaram uma silenciosa piscada, quietas.

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LEIAM meu conto Memórias de uma carnavalesca: "pai gigante, pai herói".

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 04/03/2019
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