Um verso do andarilho
Era um dia vago, onde vagas pessoas caminhavam ao meu redor. O sol sim, bem presente sobre todos. E eu caminhava pela orla da praia, enquanto observava as andorinhas tão felizes, na entonação de seu lindo e distante coral. Foi que avistei aquele hippie, que parou na calçada, e rapidamente lançou ao chão, suas muitas mercadorias. Tantas coisas trazia consigo, entre histórias e artefatos. Fui andando até ele e comecei a observar tudo que alí havia, ao chão, sobre um fino pano branco. Duas uma: ou ele acompanhava meu olhar que expressava profunda curiosidade sobre suas coisas ou, sem outra explicação, lia meus pensamentos. Foi o que senti. Pois em cada uma que eu bastasse olhar, ele me contava uma breve história à respeito delas.
Até que parei a vista sobre um lindo coral branco, de aproximandamente uns 10 centímetros. Lembrava uma grossa escama, milimetricamente calculadas. Tarefa simples para a imensa natureza. "Essa aí eu consegui de um pescador, que havia se tornado cozinheiro de um luxuoso cruzeiro, então cessou um tanto o seu labor. Ele me disse ter trazido diretamente das águas cristalinas do Mar de Azov, e que por lá todos os frutos do mar e quem desfruta, tem mais sorte." Fiquei fascinado com a peculiar forma de falar do hippie. Pondo rima após rima, como um livro de poesias, um andarilho poeta perdido. "É uma pequena região ao norte do mar negro ligado a ele pelo estreito de Kerch. Tem ao norte a Ucrânia, e a leste a Rússia. Ao oeste pode se ver o extenso amarelo das areias mais quentes." Desenhava cada coisa que ele ilustrava nas linhas da minha mente.
Olhei novamente pro coral. Naquele exato momento, tinha certeza de uma coisa: desejava ardentemente aquele objeto. Guardar comigo pra sempre, embora pra sempre seja uma palavra muito grande pra quem é tão minúsculo. Quem sabe toda vez que eu tocasse no coral, ouvisse uma linda história distante. Mas sem dinheiro eu estava, nem mesmo bolsos no meu calção restava. Infelizmente tudo alí era pra venda. O hippie podia ser um ser iluminado, mas também precisava do poder passageiro do dinheiro. "Eu queria tanto levar esse coral, mas não me encontro com dinheiro." Foi que já bem próximo alí, o tempo fechava. Ouviu- se um trovão, e seguiu- se mais. A chuva iria cair, e forte. "Fico triste com isso meu amigo, isso devo lhe contar. E bem sabes que sem dinheiro nessa cidade desalmada, não há como me alimentar." Poderia ser que eu conseguisse comprar outro dia. No entanto, talvez eu nunca o visse mais. Ou, eu chegaria a vê-lo e ele não. Ou ele me veria, e eu não. E assim se fizesse.
O temporal vinha rápido, com a brevidade do vento gelado. Ele rapidamente começou a juntar suas coisas, e pôr na mochila, ia embora é claro, antes do temporal. Fiz questão de ajudar. O vento batia forte em nossos corpos. "Agora devo ir meu amigo. Pois contam os cronistas que do lado de lá, as chuvas deslizam geladas e intensas para cá. E não há terra sobre terra que deixe de se banhar." Dei um largo sorriso com isso, aquele encontro me inundou de alegria. Não me sentia assim já havia tanto tempo. Aquele hippie carregava consigo a essência real de muitos outros poetas. "Tome. Fique com essa pedra reluzente olho-de-tigre que consegui da Costas dos Esqueletos, na Namíbia. Um local tão remoto e seco, onde só quem habita são caçadores e coletores seminômades da tribo de Himba." "Não há como medir em agradecimento, tamanha grandeza desse ato. Adeus meu amigo, foi uma honra ter lhe encontrado aqui hoje."
Dito isso, a chuva caiu. Ele seguiu bem rápido pelo outro lado da avenida, com suas coisas sobre as costas. Onde depois de um carro passar, ele sumiu. Procurei por outros ângulos, mas em nenhum consegui vê-lo mais. E a chuva tornava tudo mais turvo. Eu não corri. Fiquei alí onde estava, e a chuva caía sobre mim. Molhava-me, molhava também a linda pedra, que agora já não era mais tão seca. E a observava, sem me importar em molhar-me. Ela parecia brilhar mais forte. Estonteante pedra, raríssima de se achar. "Agora que parei, reflito... Ninguém mais parou para comprar algo do hippie, pelo o tempo que passamos alí. Tampouco pareciam nos ver conversando.
Talvez sejam ocupados de mais para enxergar as raras belezas perdidas. Ou quem sabe, o hippie me viu de longe antes que eu o visse. E sabia que seríamos o único a ver um ao outro, e enxergar a luz da beleza que transcende o tempo, como uns poucos andarilhos que se encontram ao longo da caminhada, ao longo da estrada.