Parece que a conhecia desde de sempre, mas na verdade, a primeira vez que a vi foi numa festa em sua casa. Uma bonita festa de aniversário. Lembro que eu era uma menininha de sete anos,magra e tímida. Meu pai nos levou, eu e minha irmãs, mais velhas para a festa. Usávamos vestidos bonitos, os cabelos crespos com lindos cachos, foram enfeitados com fitas coloridas por mamãe.
Eu voltara a pouco de São Paulo, onde morava com meus tios. Morar naquele lugarejo onde o progresso ainda não tinha visitado era sem dúvida, uma difícil perspectivas para mim. Daí esse acontecimento, me deixar tão alegre. Foi nessa noite que conheci a mulher que viria ser a ídola da minha infância e adolescência.
Ela nos recebeu na porta. Seu sorriso e sua simpatia logo desfez minha timidez. Alta, pele clara, cabelos ruivos e sardas. Pequeninas sardas que enfeitavam seu rosto interessante, não belo. O nariz arrebitado dava-lhe certa imponência, e um sorriso que parecia não sair de seu rosto.
Não sei como dona Mariazinha conseguia manter sua casa tão iluminada, limpa e enfeitada, coisa incomum naquele lugarejo sem asfalto, empoeirado, com tudo por fazer. Sem querer, mesmo sendo criança. estabeleci uma comparação entre minha casa e a dela. Percebi naquele momento como eu apreciava a ordem e coisas bonitas. Quase senti inveja dela.
Duas semanas depois as aulas. Eu já sabia ler e escrever. Aprendi com meu querido tio, onde morava em São Paulo. Mas minha língua pregada, dificultada a dicção daí ser motivo de gracejos dos colegas, porque eu pronunciava as palavras trocando as letras. Passei a detestar meu nome e evitava dizê-lo. Quando me perguntavam:
-Qual o seu nome? Eu dizia – Ferinha e não Verinha. Todos riam, eu chorava envergonhada. Também não gostava de ler em voz alta.
Fora o problema de dicção, sempre fui uma boa aluna.
Mas foi no terceiro ano, que tive minha melhor surpresa, quando vi a professora que nos daria aula.
D. Mariazinha nos recebeu no pátio da pequena escola com seu sorriso e sorrindo nos deu as boas-vindas anunciando que seria nossa professora do terceiro ano.
Eu passei estudar mais e mais.
Ela era exigente, muito exigente. O quadro negro sempre cheio de atividades, A tabuada decorada, problemas a serem resolvidos, exigindo as quatro operações, nas aulas de Português sempre tinha algo interessante porque duas vezes por semana ela lia algum conto ou poesias para nós. Sua voz era potente, mas com certa suavidade. História, geografia e ciências, da mesma forma ela procurava deixar as aulas interessantes. Estava à frente do seu tempo, penso hoje. Como numa escola sem recursos, pobre de materiais didáticos e que a “biblioteca era apenas uma caixa com alguns livros ela podia fazer tanto?
Aos sábados, era o dia mais especial, tínhamos aulas de caligrafia e de desenho. Tirava sempre um tempinho para nos ensinar alguma canção infantil.
Às vezes brincava conosco e eu gostava quando na aula de desenho, ela passava pela minha carteira e comentava minha pintura, comentava e até elogiava. Eu ficava numa felicidade só. Ela usava um anel lindo que eu ficava admirando enquanto ela corrigia meu caderno. Era de Jade.
Quando terminamos o quarto ano, infelizmente, a querida professora nos deixou para cuidar de seus filhos. Quanto a mim, já não era mais a Ferinha e continuei meus estudos. Tínhamos que estudar na cidade vizinha, mas eu gostava.
Eu a via sempre, só que agora estávamos mais afastadas. Eu crescera e tinha novos compromissos também, como ajudar mamãe nos serviços de casa. Com nove filhos, a regra era o maior cuidar do menor.
Fiz o curso fundamental, antigo ginásio e depois o Magistério. Comecei a lecionar. Agora já tínhamos uma escola nova e grande. O marido dela era o prefeito.
Foi assim, que logo que iniciei a faculdade, consegui umas aulas no ginásio e pasmem, seria a professora de Língua Portuguesa. Agora eu falava certo, meus problemas de dicção sanados.
No primeiro dia, tive a maior surpresa. Sentada na última carteira, uma senhora. Era ela. Um pouco mais velha, mais gorda, o mesmo sorriso e o brilho nos olhos castanhos.
Tive vontade de ir embora. Como ser professora da minha ex-professora que eu idolatrava. A pessoa que eu achava uma sumidade. Naquela época as professoras eram nomeadas politicamente, sem concursos e, ela mesma, com toda sua sabedoria, ainda não tinha nem o ginásio.
Bem, tinha que tocar o barco. Precisava do dinheiro das aulas, não podia dar ao luxo de desistir, pois na cidadezinha não encontraria outro emprego dependia desse dinheiro para pagar minha faculdade.
Foi ela que me encorajou. Era a sétima série, o assunto era análise sintática. Sim, na época era um tema obrigatório.
Escrevi no quadro e comecei a explicar. Da carteira do fundo quando ela via que ficava nervosa, ela sorria para mim. Isso me encorajava.
Minhas aulas eram preparadas, pesquisadas quase com fanatismo. Já cursava Letras, mas aí senti que estava no caminho certo. Comecei a inovar, procurava técnicas mais didáticas.
Meus dezoito anos me faziam pecar. Passei a tomá-la como parâmetro e, inconscientemente dava mais atenção a ela em detrimento dos demais alunos. Claro que dava atenção a todos, mas ela era especial.
Percebi meu erro logo. Eram resquícios da minha admiração infantil.
Suas notas nas provas eram sempre ótimas, mas foi numa prova do segundo semestre que ela tirou um sete. Revisei umas três vezes. Era mesmo sete. Uma boa nota, mas eu insistia intimamente:
-Como? D. Mariazinha, tirar um sete? Ela vai se sentir humilhada.
Só que não. Ela aceitou muito bem sua nota.
O segundo semestre foi melhor, eu mais segura e ela sempre alegre.
No próximo ano já não era professora dela, fui indicada para o oitavo ano.
Continuei minha licenciatura, ela também continuou estudando. Agora éramos boas amigas. Nos víamos sempre. Ela sempre simpática. Brincando comigo me chamava -Professora Ferinha.
Os anos passaram, terminei minha faculdade e já fazia uma pós-graduação. Eu mudei para outra cidade, grande, agora. Ela também. Para os filhos estudarem.
Nunca falamos francamente sobre nosso jogo, só que pela vida afora carreguei a culpa dessa atitude infantil. Atitude que não deixou a professorinha iniciante, separar o ser humano do mito. E é minha culpa, que faz hoje, prestes a aposentar-me aos quarenta e dois anos, pedir desculpas a essa professora, talvez não tão culta, mas tão sábia que não me chamou de tola na época. Deixou que eu descobrisse sozinha.
Eu voltara a pouco de São Paulo, onde morava com meus tios. Morar naquele lugarejo onde o progresso ainda não tinha visitado era sem dúvida, uma difícil perspectivas para mim. Daí esse acontecimento, me deixar tão alegre. Foi nessa noite que conheci a mulher que viria ser a ídola da minha infância e adolescência.
Ela nos recebeu na porta. Seu sorriso e sua simpatia logo desfez minha timidez. Alta, pele clara, cabelos ruivos e sardas. Pequeninas sardas que enfeitavam seu rosto interessante, não belo. O nariz arrebitado dava-lhe certa imponência, e um sorriso que parecia não sair de seu rosto.
Não sei como dona Mariazinha conseguia manter sua casa tão iluminada, limpa e enfeitada, coisa incomum naquele lugarejo sem asfalto, empoeirado, com tudo por fazer. Sem querer, mesmo sendo criança. estabeleci uma comparação entre minha casa e a dela. Percebi naquele momento como eu apreciava a ordem e coisas bonitas. Quase senti inveja dela.
Duas semanas depois as aulas. Eu já sabia ler e escrever. Aprendi com meu querido tio, onde morava em São Paulo. Mas minha língua pregada, dificultada a dicção daí ser motivo de gracejos dos colegas, porque eu pronunciava as palavras trocando as letras. Passei a detestar meu nome e evitava dizê-lo. Quando me perguntavam:
-Qual o seu nome? Eu dizia – Ferinha e não Verinha. Todos riam, eu chorava envergonhada. Também não gostava de ler em voz alta.
Fora o problema de dicção, sempre fui uma boa aluna.
Mas foi no terceiro ano, que tive minha melhor surpresa, quando vi a professora que nos daria aula.
D. Mariazinha nos recebeu no pátio da pequena escola com seu sorriso e sorrindo nos deu as boas-vindas anunciando que seria nossa professora do terceiro ano.
Eu passei estudar mais e mais.
Ela era exigente, muito exigente. O quadro negro sempre cheio de atividades, A tabuada decorada, problemas a serem resolvidos, exigindo as quatro operações, nas aulas de Português sempre tinha algo interessante porque duas vezes por semana ela lia algum conto ou poesias para nós. Sua voz era potente, mas com certa suavidade. História, geografia e ciências, da mesma forma ela procurava deixar as aulas interessantes. Estava à frente do seu tempo, penso hoje. Como numa escola sem recursos, pobre de materiais didáticos e que a “biblioteca era apenas uma caixa com alguns livros ela podia fazer tanto?
Aos sábados, era o dia mais especial, tínhamos aulas de caligrafia e de desenho. Tirava sempre um tempinho para nos ensinar alguma canção infantil.
Às vezes brincava conosco e eu gostava quando na aula de desenho, ela passava pela minha carteira e comentava minha pintura, comentava e até elogiava. Eu ficava numa felicidade só. Ela usava um anel lindo que eu ficava admirando enquanto ela corrigia meu caderno. Era de Jade.
Quando terminamos o quarto ano, infelizmente, a querida professora nos deixou para cuidar de seus filhos. Quanto a mim, já não era mais a Ferinha e continuei meus estudos. Tínhamos que estudar na cidade vizinha, mas eu gostava.
Eu a via sempre, só que agora estávamos mais afastadas. Eu crescera e tinha novos compromissos também, como ajudar mamãe nos serviços de casa. Com nove filhos, a regra era o maior cuidar do menor.
Fiz o curso fundamental, antigo ginásio e depois o Magistério. Comecei a lecionar. Agora já tínhamos uma escola nova e grande. O marido dela era o prefeito.
Foi assim, que logo que iniciei a faculdade, consegui umas aulas no ginásio e pasmem, seria a professora de Língua Portuguesa. Agora eu falava certo, meus problemas de dicção sanados.
No primeiro dia, tive a maior surpresa. Sentada na última carteira, uma senhora. Era ela. Um pouco mais velha, mais gorda, o mesmo sorriso e o brilho nos olhos castanhos.
Tive vontade de ir embora. Como ser professora da minha ex-professora que eu idolatrava. A pessoa que eu achava uma sumidade. Naquela época as professoras eram nomeadas politicamente, sem concursos e, ela mesma, com toda sua sabedoria, ainda não tinha nem o ginásio.
Bem, tinha que tocar o barco. Precisava do dinheiro das aulas, não podia dar ao luxo de desistir, pois na cidadezinha não encontraria outro emprego dependia desse dinheiro para pagar minha faculdade.
Foi ela que me encorajou. Era a sétima série, o assunto era análise sintática. Sim, na época era um tema obrigatório.
Escrevi no quadro e comecei a explicar. Da carteira do fundo quando ela via que ficava nervosa, ela sorria para mim. Isso me encorajava.
Minhas aulas eram preparadas, pesquisadas quase com fanatismo. Já cursava Letras, mas aí senti que estava no caminho certo. Comecei a inovar, procurava técnicas mais didáticas.
Meus dezoito anos me faziam pecar. Passei a tomá-la como parâmetro e, inconscientemente dava mais atenção a ela em detrimento dos demais alunos. Claro que dava atenção a todos, mas ela era especial.
Percebi meu erro logo. Eram resquícios da minha admiração infantil.
Suas notas nas provas eram sempre ótimas, mas foi numa prova do segundo semestre que ela tirou um sete. Revisei umas três vezes. Era mesmo sete. Uma boa nota, mas eu insistia intimamente:
-Como? D. Mariazinha, tirar um sete? Ela vai se sentir humilhada.
Só que não. Ela aceitou muito bem sua nota.
O segundo semestre foi melhor, eu mais segura e ela sempre alegre.
No próximo ano já não era professora dela, fui indicada para o oitavo ano.
Continuei minha licenciatura, ela também continuou estudando. Agora éramos boas amigas. Nos víamos sempre. Ela sempre simpática. Brincando comigo me chamava -Professora Ferinha.
Os anos passaram, terminei minha faculdade e já fazia uma pós-graduação. Eu mudei para outra cidade, grande, agora. Ela também. Para os filhos estudarem.
Nunca falamos francamente sobre nosso jogo, só que pela vida afora carreguei a culpa dessa atitude infantil. Atitude que não deixou a professorinha iniciante, separar o ser humano do mito. E é minha culpa, que faz hoje, prestes a aposentar-me aos quarenta e dois anos, pedir desculpas a essa professora, talvez não tão culta, mas tão sábia que não me chamou de tola na época. Deixou que eu descobrisse sozinha.