Me apaixonei pela primeira vez quando ainda era menina. Outras da minha idade aprendiam a usar maquiagem e ter boa postura, já eu, que tinha certa liberdade pela falta dos meus pais e o desejo dos meus avós em fazer minhas vontades, não tinha preocupação com aparência ou garotos.
Gostava mesmo era de ler. Passava horas e horas na biblioteca, depois das aulas, devorando todo e qualquer livro. Construí verdadeira paixão pelo lugar, e o cheiro envelhecido dos livros era maravilhoso. Melhor do que os perfumes caros da minha avó. Voltava para casa sempre às seis, andando vagarosamente, encantada, vigiada pelos olhares indiscretos das pessoas.
Um dia, ao chegar em casa, minha avó disse:
__ Não é irônico, Elisa?
__ O quê, vovô?
__ Que uma garotinha que tanto lê, vá tão mal no colégio?
Ela tinha razão. Eu vivia de Machado de Assis, Carlos Drummond, Clarice… A professora já havia tomado alguns livros meus por ler durante a aula. Fiquei de castigo por uma semana, proibida de ler. Eu jamais entendi aquilo, Shakespeare disse que só devíamos estudar o que nos agradasse. Vovó disse que ele devia ter estudado muito para dizer uma coisa dessas.
Então, no dia seguinte, fiquei em casa. E abandonando os cadernos em um minuto de distração, fui até a janela e vi um homem sentado no banco da praça. Ele usava óculos escuros e tinha um livro nas mãos. Aquilo me deixou curiosa por completo. Eu precisava ir até lá. E, escondida, fui.
Por que ele não lia o livro? Até que me dei conta: ele não usava óculos por charme ou vaidade, mas porque era cego. Sentei-me ao seu lado com calma e disse:
__ Olá! Me chamo Elisa. Como o senhor se chama?
Ele não respondeu, apenas deu-me o livro sorrindo. Um sorriso com um pedido subentendido. O livro não possuía título ou autor - ou talvez tivessem sido apagados pelo tempo.
Abri-o e comecei a ler em voz alta, surpresa pelo som da minha própria voz. Sempre lia com os olhos, com o coração, tão só. O senhor ao meu lado parecia reconfortado com aquelas páginas maravilhosas.
Não me dei conta do tempo que passamos ali, sei que não estávamos sozinhos. Muitos pararam para ouvir os contos divertidos e encantadores. Eles riam, emocionavam-se e eu estava completamente encantada com os sentimentos deles.
Dias se passaram assim. E a minha semana de castigo acabou. Mas mesmo sentindo falta da biblioteca, gostava de ficar na praça, lendo não mais só para mim, sentia agora que precisava estar ali.
No fim dos dias lindos, eu ouvia
__ Então é isso que ela tanto faz naquela biblioteca?
__ Não sei, mas é lindo!
Eu apenas sorria. Prestava mais atenção no senhor do meu lado. Eu nada sabia sobre ele, sabia apenas que compartilhávamos uma paixão: a leitura, e que ela nos transformou. E também aos outros que agora sentiam e entendiam a magia dos livros.
É claro que um dia chegamos ao último conto, à última página. Esse era mais filosófico, ainda mais encantador. Acho que o fim é isso. As pessoas aplaudiram e o senhor chorou. Não sei se todos puderam perceber suas lágrimas por trás dos óculos.
Devolvi o livro, mas ele segurou a minha mão e me entregou novamente. O livro agora era meu. Mas o modo como (pareceu) seus olhos desviaram-se dos meus… Foi como uma despedida.
Voltei para casa pensativa, sabendo que não o veria mais.
Continuei a ler todas as tardes na praça. E publiquei o livro anos depois, titulando-o de Contos de Ninguém, com um outro conto: Chorando atrás dos óculos. Pois aquele livro, o velho senhor e uma menina tímida transformaram suas vidas e sua cidade, e assim, começaram a mudar o mundo.



Conto classificado na 1ª Bienal do Livro e da Leitura de Brasília em 2012.