Casamento

– Tenho uma novidade! – Os seus olhos brilhavam, suas mãos tremiam com o teste de farmácia entre os dedos.

– Que tipo de novidade Rebeca? – Gustavo manteve-se recostado no sofá, zapeando entre os canais, desprezando a presença da mulher. Ela estendeu a fita a sua frente, a dois palmos do rosto de Gustavo. No marcador duas linhas vermelhas denunciavam a gravidez. – Ficou maluca!? – Ele saltou do sofá, investiu contra ela, tomou o exame de suas mãos e o arremessou com violência através da janela ao lado da TV. Rebeca recuou, tornou-se tensa, envolveu com as mãos a barriga ainda sem volume aparente. – Uma pergunta: E de quem seria? – Ele lançou um sorriso cúmplice e sarcástico, jogando-se de volta ao sofá, acomodando-se entre as almofadas. A expressão de Rebeca congelou em um meio sorriso assustado, os olhos lacrimejando. – Não deve ser fácil saber com tantas opções, não é?

– Você sabe que isso não é verdade. – A voz era inconsistente. – Em dez anos jamais te dei motivos... – As palavras saíram tremidas, quase aceitando as acusações.

– O que eu sei é que não quero nenhuma dessas coisas perambulando pelo meu caminho e nem ocupando o meu espaço. – A voz em um tom mais alto.

– O seu espaço? Tipo berço, tapete emborrachado e papinha? – Rebeca sorriu liberando a barriga da proteção e por um instante entendendo o “estranho” comportamento do marido. Ela inclinou-se procurando acomoda-lo em seu abraço, na tentativa de convencê-lo que nada tomaria seu lugar, mas o impacto da mão de Gustavo contra o seu rosto desmontou a certeza da família feliz. Rebeca cambaleou, apoiou-se no recosto do sofá, seu sorriso se desfez, os olhos arregalados emanaram pavor, as lagrimas alguns segundos depois saltaram sem que a expressão de espanto se desfizesse. O lado direito do seu rosto tornou-se vermelho, a marca dos dedos em alto relevo, do canto da boca uma linha de sangue escorria. – Por quê?

– Vem aqui. – Ele se afastou abrindo espaço no sofá, expondo aquele sorriso gentil que a apaixonara. Ela relutou por um segundo, mas ao reconhecer a velha doçura de Gustavo naquele gesto, tudo se apagou. Rebeca inclinou-se novamente, deitou a cabeça sobre as pernas de Gustavo, relaxou os músculos e fechou os olhos. – Durma minha querida vadia. – O afago confortou; as palavras não tiveram importância.

...

Aninhada, Rebeca desfrutava cada segundo daqueles últimos cinco minutos pela terceira vez consecutiva, o modo soneca era a melhor função do mundo, pensava.

– Você vai fundir nessa cama. – Gustavo puxou a coberta, Rebeca se retorceu sobre o colchão, os olhos se acostumando com a invasão de luz.

– Café? – Ela balançou a cabeça, se esforçando para sentar-se. Ele estendeu a xícara, o aroma inundava o quarto. – Posso fazer uma pergunta? – Rebeca confirmou balançando a cabeça, enquanto preenchia a boca com goles generosos. – Ótimo! – Gustavo sorriu satisfeito, deu as costas, abriu a porta e saiu, minutos depois retornou com as mãos enfiadas em luvas de cozinha segurando em uma delas uma frigideira.

– O que é isso?

– Óleo quente. – O tom era casual, despretensioso. - É pra minha pergunta. – Gustavo puxou o restante da coberta deixando-a desprotegida. A mulher depositou a xícara sobre a mesinha ao lado da cama com rapidez, colocou-se em alerta, encolheu as pernas. – Sem medo. Tudo depende da sua resposta. – Ela mal respirava com os olhos vidrados nos movimentos de Gustavo. – Fizemos mais um ano de casados, paguei um jantar bem carinho e te dei uma nova aliança do jeitinho que você pediu. E agora, o que você tem a me dizer?

– Você foi a minha melhor escolha. – A voz trêmula; as palavras saindo com cuidado.

– E o que mais? – Os olhos colados nas mãos de Gustavo.

– Sempre será minha primeira escolha. – As palavras saiam com mais segurança. – Até que a morte nos separe. – O velho roteiro dos últimos seis anos jamais seria esquecido.

– Você tem razão, eu sou mesmo e sempre serei sua melhor escolha. – O sorriso se estendeu com facilidade. – Vou levar isso antes que acabe caindo em alguém. – Ele lançou um beijo no ar e uma piscada divertida. O coração dela saltava no peito, e à medida que Gustavo se distanciava, o compasso aos poucos entrava num ritmo conhecido. Quando a porta foi fechada interpondo uma barreira entre eles, Rebeca respirou aliviada, os olhos fechados, os ouvidos atentos.

...

– Você está linda! – Uma voz jovial e cheia de energia rompeu seus pensamentos, inundou os seus ouvidos.

– O que tá fazendo aqui? Dá azar! – Ela sorria assustada, empurrando-o porta a fora, tentando tapar seus olhos.

– A igreja está cheia. Tantos convidados que nem consigo contar. – Gustavo era o sol do mundo de Rebeca.

– Você não pode ficar aqui! – Ela sorria enquanto tentava sem êxito expulsa-lo.

– Só quero fazer uma pergunta. – Os olhos suplicantes.

– Pode fazer, mas não pode ver. – Ele concordou, pondo a mão esquerda sobre os olhos. – Qual dessas? Ele estendia com a outra mão duas gravatas chacoalhando-as no ar.

– Você é inacreditável. – Rebeca sorriu. – Coloque a azul.

– Mais uma pergunta e prometo que só volto a te ver no altar. – Rebeca concordou vencida.

– Você já transou com todos os convidados, ou guardou alguns pra depois do casamento? – O tom despretensioso deixou Rebeca confusa.

– Chegue mais perto. – A sua voz era doce, convidativa. Ela obedeceu sem hesitar. Gustavo tateou seu rosto, acariciou o seu braço, apertou seu pulso delicadamente aumentando a pressão pouco a pouco.

– Tá me machucando. – Ela tentou se livrar, mas ele tinha o dobro do tamanho e de sua força. – Eu não fiz nada! – A voz de Rebeca quase num sussurro

– Você parece sincera. – Gustavo soltou seu braço, o fluxo de sangue se restabelecia, a sua mão aos poucos perdia o tom arroxeado adquirido. – De tudo que o padre dirá só uma coisa é a que me importa – O tom sombrio daquelas palavras, eram também para ela reconfortante, apesar de tudo já não estaria sozinha. Ele soltou um meio sorriso, largou no chão a gravata vermelha, enfiou a outra envolta do pescoço, virou-se de costas para ela e saiu assoviando a marcha nupcial. Ela permaneceu parada afagando o punho.

– Até que a morte nos separe. – Sussurrou Rebeca há um tempo, derrotada, inquieta e feliz.

...

A felicidade de Rebeca inundava qualquer ambiente que estivesse. Nos últimos dois meses sua alegria era fruto da existência de um charmoso contador. Se sua vida não avançava não importava, e tudo o que lhe preocupava era responder as mensagens enviadas por Gustavo e inundar seus pensamentos com fantasias típicas de adolescente. Rebeca não sabia bem como, mas aos 15 anos havia por fim encontrado o homem dos seus sonhos e com quem se casaria em menos de um mês.