Senha para a morte
Honestamente, ainda estou tentando entender o que aconteceu. A minha mente racional procura as explicações lógicas e naturais, recusa-se a aceitar a existência de eventos tão extraordinários assim. Mas até agora eu não atinei com qualquer explicação que satisfizesse plenamente o meu intelecto, ao mesmo tempo em que salvaguardasse o meu ceticismo. Devo confessar que a tentação é grande. Estou inclinado a acreditar que se trata de um fato real, ainda que ele pareça tão absurdo. Quem não gostaria de admitir que uma coisa tão maravilhosa como essa é possível?
Minha esposa Paloma morreu há pouco mais de duas semanas. Na véspera de sua morte, eu tive um pesadelo horrível. Não costumo ter esse tipo de sonho, mas naquela noite eu senti como se a própria morte estivesse ao pé da minha cama. Apavorei-me e comecei a gritar e a me debater. Paloma acordou e tentou me acalmar. Entretanto, aquela visão foi tão perturbadora que não consegui voltar a dormir.
Amanheceu. Paloma foi para o trabalho e eu permaneci no meu escritório. Fiquei lá durante toda a manhã. Já perto do meio-dia, Paloma voltou. Veio até o escritório e se acercou de mim por trás. Então começou a me apertar forte em seus braços. Fez isso de um jeito que estava que sufocando. Quando ela enfim me soltou, virei-me e percebi que havia um ar estranho nela. Perguntei se havia algo de errado. Ela respondeu, ainda sorrindo, que estava tudo bem. E logo caiu na minha frente e nunca mais se levantou.
Como é de se imaginar, foi um choque terrível para mim, que ainda tinha na cabeça as imagens do meu pesadelo com a morte. Além disso, eu também me recordei imediatamente de uma conversa que havia tido com Paloma algumas semanas antes. Nós conversávamos sobre a morte e ela dizia, com toda a calma do mundo, que não tinha um apego especial pela vida e que gostaria de ir embora o mais cedo possível, para diluir-se no nada e nunca mais pensar. Embora eu me lembrasse das palavras, não cheguei a ver no caso mais do que uma daquelas coincidências irônicas com que o destino nos presenteia. O caso da morte que apareceu no meu sonho me parecia uma coincidência mais difícil de explicar, mas devia ser ainda uma coincidência, pois, de outra maneira, toda a nossa ciência precisaria ser revista. Não foram essas, no entanto, as circunstâncias que me fizeram questionar se o extraordinário não é mesmo real.
Embora não acreditasse em uma continuação da vida, o problema da morte sempre me fascinara. Há algum tempo, eu havia ouvido falar de algo que, sinceramente, me fez dar boas risadas. Tratava-se da bizarra pretensão de algumas pessoas que se diziam capazes de se comunicar com mortos por meio de aparelhos eletrônicos, principalmente o rádio. É o que nós, os céticos, chamamos de “fenômeno da voz eletrônica”, quando, no meio de alguma gravação, tem-se a impressão de capturar um som diferente, ao qual os nossos ouvidos imediatamente tentam dar um sentido que só existe na nossa cabeça. Pois há pessoas que captam esses sons, dizem que vêm dos mortos e que podem estabelecer diálogos com eles!
Lembrei-me disso alguns dias depois da morte de Paloma, quando me lamentava pelo fato de não poder nunca mais conversar com ela. Confesso que sentia muito a perda de Paloma, muito mais do que imaginei que sentiria se um dia a perdesse. Ressalto a minha sensação de abandono e de fraqueza por estar certo que, de outra maneira, eu não iria me submeter a uma experiência que, sob todos os pontos de vista, era absurda e desprovida de sentido.
Seja como for, um eventual registro eletrônico seria uma evidência muito superior a essas tais cartas psicografadas, às quais nunca dei crédito, uma vez que não oferecem registros comprováveis do ponto de vista científico, devendo a pessoa simplesmente acreditar que a comunicação ocorreu e que foi dito precisamente aquilo que o médium transcreveu. O registro sonoro, por outro lado, poderia ser ouvido repetidas vezes, por pessoas distintas, sendo possível verificar se escutam ou não a mesma coisa. Sei que, mesmo assim, ainda é pseudociência, mas naquele momento eu quis tentar, pois, se houvesse alguma verdade, iria me trazer um alívio incomensurável.
Eu tinha um amigo que havia me falado sobre essas experiências. Uma de suas amigas costumava tentar contatos radiofônicos com seres que haviam morrido. Creio que não há ninguém que, ao ouvir sobre isso pela primeira vez, não caia na gargalhada. Mas agora eu estava disposto a passar por cima do meu orgulho e procurar o meu amigo para fazer com que me levasse até aquela mulher, a fim de ver se, de algum modo, isso me poria em contato com Paloma.
Parece que, nessa estranha área, a mulher era uma espécie de autoridade, bastante respeitada, por conta dos expressivos resultados que, dizem, ela teria conquistado. Falei com o meu amigo, que, diante da perda recente, não fez alusão à minha descrença, e combinamos de visitar a mulher no dia seguinte.
Dormi muito mal naquela noite. Debatia-me com a ideia de que eu poderia ser vítima de uma charlatã, que me apresentaria resultados falsos. Pode ser que as gravações dela trouxessem alívio, mas eu preferia que refletissem a verdade. Se Paloma estava rigorosamente morta, eu não gostaria que ninguém me fizesse acreditar que ela estava viva. Procurei pensar em um meio de evitar que isso acontecesse.
Embora me sentisse estúpido fazendo aquilo, dirigi uma espécie de prece a Paloma. Se ela poderia aparecer em uma gravação radiofônica, não era de se estranhar que pudesse também me ouvir. E resolvi combinar com ela uma “senha”, uma coisa específica para ela dizer durante a gravação, algo que seria tão diverso do habitual que só poderia significar que foi, de fato, ela quem se comunicou comigo. Tanto eu como Paloma sempre gostamos muito de gatos, de maneira que a senha que propus a Paloma foi dizer qualquer coisa relacionada a gatos. Isso, certamente, não seria algo que uma charlatã colocaria na boca de Paloma. Naturalmente, eu não contaria à mulher a respeito da senha, e sequer ao meu amigo. Decidido isso, pude, enfim, dormir por algumas horas.
Na noite seguinte, estávamos diante de toda a aparelhagem daquela mulher, que fazia uma espécie de invocação por Paloma, ao mesmo tempo em que grava tudo o que acontecia. A mulher perguntou por Paloma, mas não ouvimos nada. Pediu que falasse alguma coisa para mim, mas não ouvimos nada. Fez mais algumas perguntas, sem melhor resultado. Ora, eu já estava arrependido de ter cogitado que aquilo tivesse algum fundo de verdade. São simples delírios de mentes fragilizadas. A mulher, no entanto, disse que é comum que nada seja ouvido no momento da gravação, mas que depois ela escuta o material com calma, mudando frequências e velocidades, sei lá o que mais, e então as mensagens podem ser ouvidas.
Aquilo não me convenceu nem um pouco. De toda forma, ela ficou de me passar o material com as gravações dentro de alguns dias. Foi o que aconteceu hoje cedo. Recebi o material e logo tratei de ouvir. Ela incluía comentários para mim sobre o que estava ouvindo. Não gostei muito desse direcionamento. Disse coisas como “Aqui ela diz o seu nome”. E, de fato, logo após a mulher ter pedido para que Paloma falasse alguma coisa para mim, eu pude ouvir uma voz, embora débil, dizendo algo que tinha muita semelhança com o meu nome. Isso me arrepiou, pois, se não bastasse o conteúdo, a própria voz era muito parecida com a de Paloma. Ouvi novamente as perguntas que a mulher havia feito no estúdio e depois de cada uma tinha algum som que permitia, de fato, associá-lo à voz de Paloma, embora não fosse nunca uma frase completa, apenas palavras soltas.
Eu estava, de toda forma, achando o resultado impressionante, mas sabia que poderia estar sendo enganado, seja pelos meus sentidos ou por uma ação deliberada da mulher, embora não soubesse, nesse caso, onde estaria o truque. Nada disso, no entanto, teria o condão de me convencer, se não fosse o que veio depois. A mulher, dirigindo-se a mim, falou que havia deixado também uma parte meio enigmática da gravação, que ela atribuía a alguma brincadeira de outras pessoas do lado de lá, que se intrometeram na conversa. Disse que pensou em apagar, mas, por fim, deixou, admitindo a possibilidade de que talvez fosse algo que dissesse respeito só a mim e Paloma.
E então, amigos, eu ouvi, ouvi de forma muito clara, três vezes seguidas, a seguinte mensagem:
– MIAU! MIAU! MIAU!
__________
* Inspirado na história vivida pelo francês Jean-Paul Sermonte.