Novo-Português

Hoje faz quatorze anos desde que o "Novo-Português" foi implantado. Uma revolução linguística que colocou o Brasil em destaque mundo a fora.

Antes, era muito fácil ofender alguém, mesmo que sem querer, pois não existiam muitos mecanismos no idioma, como o gênero "neutro", por exemplo. Agora, somente os "tácisfas", uma palavra criada para designar os que eram contra à nova língua — e, por tabela, a todas as minorias e ao povo em geral — não o utilizava.

Apesar de terem sido um problema, no começo, a lei "antiofensa" deu o poder para a "Polícia Cidadã" — uma nova polícia armada somente com armas não letais e com profissionais verdadeiramente capacitados para lidar com as vítimas da antiga sociedade anterior ao "Governo do Povo" — de encaminhar os tácisfas aos "Centros de Reabilitação", onde professores, psicólogos e psiquiatras ensinava-os a como viver na nova sociedade que o Brasil havia se tornado.

Graças aos esforços dos correligionários do Partido, livros, filmes e toda a mídia do Brasil foi adaptada ao "Novo-Português", um esforço nunca visto mesmo nas malévolas corporações do Império do Mal — ou os países imperialistas do Norte.

O Brasil nunca havia visto tanto progresso e desenvolvimento, pois, com o Partido controlando tudo, todos tinham comida, casa e um pedaço de terra para chamar de seu — mesmo que tudo produzido nela também fosse do governo. Poucos táscisfas que haviam fugido para o exterior diziam que existia uma falta crônica de medicamentos e alimentos, mas tudo intriga, uma vez que o Partido entregava apenas o suficientemente para a sobrevivência das famílias — o "Novo-Português" mesmo tinha um adjetivo para isso: "alebundância".

O "Novo-Português" também trouxe acesso à ciência, visto não só não sermos mais obrigados a aprender a "Língua do Mal" como, também, tornou-a mais simples: de quatrocentas e trinco e cinco mil palavras, nosso idioma nacional tinha agora somente quinhentas palavras — mil, caso você fosse ligado ao governo —, o suficiente para nos comunicarmos e transmitirmos ao mundo todos as dádivas dadas aos brasileiros pelo Partido. Com a exclusão dos plurais, por exemplo, mesmo as pessoas que não tiveram acesso à educação de qualidade no período do "passado-do-mal" — palavra composta criada para designar o período da História do Brasil antes do Partido assumir o poder — agora falavam corretamente.

Um exemplo grandioso aconteceu quando o Partido estendeu o "Novo-Português" as demais disciplinas escolares: gênios matemáticos surgiram, pois, quem diria ser possível somar um mais um e ter como resultado onze? O mesmo aconteceu com todas as demais disciplinas escolares: correligionários revisaram tudo, desde Biologia até História e mesmo Educação Física. Mentes grandiosas, antes presas às amarras do "passado-do-mal" agora podiam desabrochar livremente, sem se preocuparem com reprovações ou mesmo notas baixas — sim, porque outra grande medida do agora Ministério das Políticas Educacionais e de Enquadramento foi a abolição de qualquer tipo de prova ou avaliação.

Foram quatorze anos de conquistas e muitos avanços. Que venham mais quatorze, quinze ou, quem sabe, mil anos mais de crescimento igualitário e justo. Viva ao “Novo-Português” e ao Partido!