Pindorama edição 50
Nos anos 80 uma editora no Rio de Janeiro conseguiu obter sucesso comercial publicando histórias em quadrinhos, essa empresa começou na década de 20 publicando novelas, no formato de livros de bolso, que poderiam ser adquiridos por preços modestos, o fundador deixou a empresa em meados da década de 60 deixando o comando para seu filho, Luca, e dois sobrinhos. Os sobrinhos assumiram a chefia da administração financeira, enquanto o filho assumiu como editor-chefe, resolvendo apostar em revistas, durante uma década foram lançadas as mais variadas publicações, automotivas, corte e costura, informativas... No entanto todas tinham vendas medíocres, algumas até conseguiram um público fiel, mas sempre pequeno.
No final de década de 70, seu Luca passou a importar histórias em quadrinhos americanas, mas como os lucros da editora eram sempre modestos ele podia pagar apenas por personagens pouco conhecidos, isso junto com a pouca verba para publicidade, fez com que as revistas vendessem menos do que as da concorrência, parecia que a conta ia fechar no vermelho, até que um dos editores, que assinava como Roberto Barros, mas era mais conhecido como Betão, deu a idéia de contratar artistas nacionais para as publicações em quadrinhos.
O editor conhecia artistas que faziam story boards para agências de publicidade, e convidou alguns deles para publicar quadrinhos, alguns desses profissionais gostaram da ideia de fazerem algo mais criativo do que o habitual trabalho com publicidade e aderiram ao projeto. Logo histórias brasileiras começaram a sair junto com as americanas, e os leitores começaram a mandar cartas dizendo o quanto os quadrinhos nacionais os estavam entretendo mais do que os importados. Assim Betão levou a seguinte proposta para seu Luca: Deixar de lado os personagens americanos e lançar uma revista em quadrinhos 100% nacional.
O nome “Pindorama” foi escolhido para a revista, para reforçar o fato de ser uma publicação brasileira, com as histórias para a primeira edição selecionadas, o número de páginas e preço definidos faltava escolher a capa, numa dessas estranhas sincronias chegou à editora um pacote com ilustrações incrivelmente realistas, parecia que iam se mexer a qualquer momento, elas foram enviadas por um senhor de Minas Gerais chamado Alexandre, dizendo que sempre quis ser ilustrador, e perguntando se a editora tinha interesse no trabalho dele.
Betão ligou para aquele senhor, e rapidamente uma amizade nasceu entre aqueles dois homens, seu Alexandre não precisava de muito dinheiro, pois havia herdado propriedades da família, mas sempre teve a pintura e a gravura como hobby, e realmente gostaria de se dedicar a isso, chegaram a um acordo sobre o valor das gravuras, e naquele mesmo mês a primeira edição de Pindorama chegava as bancas, a gravura escolhida para a capa fora de um índio no traço realista do seu Alexandre.
Os meses foram passando, as edições foram saindo e a popularidade da revista ia aumentando cada dia mais, os artistas produziam histórias, sempre ambientadas no Brasil, dos mais variados gêneros, indo desde o terror até personagens cartunescos, e as capas realistas faziam com que a revista se destacasse nas bancas, as cartas dos fãs não paravam de chegar tecendo elogios a publicação, Pindorama se tornou a revista que mais vendia na editora.
Betão sempre mandava uma edição para seu Alexandre, ambos conversavam bastante pelo telefone, e a amizade crescia cada dia mais, mesmo que os dois não se vissem pessoalmente, o ilustrador falava sempre sobre as filhas, especialmente Clara, com quem ele parecia ter uma ligação muito forte, e que também adorava gibis, Betão preferia falar de futebol, e reclamar do governo.
Os autores mantinham o trabalho com os gibis em paralelo com seus empregos em agências de publicidade e cursos de desenho, já que não poderiam viver do salário que a editora pagava, mesmo assim eles gostavam de ver como seu trabalho era reconhecido pelos fãs, e assim a publicação se manteve por 49 edições, ficando cada vez mais popular, enquanto isso a situação da editora ia de mal a pior.
Com o país atravessando uma profunda crise econômica durante toda a década de 80, o setor de administração da empresa, que era formado pela família dos fundadores da empresa, e não por gente realmente preparada para o emprego, tinha cada vez mais problemas para lidar com as contas, a saúde do seu Luca foi ficando cada vez pior, ele veio a falecer em 89, sendo poupado de ver a editora fechar as portas meses depois.
A edição 50 de Pindorama já estava pronta para ser impressa, mas não teve tempo para isso, Betão guardou as quatro histórias que seriam impressas, junto com a capa de Alexandre, que trazia a cena de dois boxeadores em plena luta, e foi trabalhar como jornalista, que era a sua formação, os outros colaboradores da publicação também seguiram outros caminhos, esporadicamente publicando uma HQ ou outra.
Seu Alexandre ficou bastante chateado com o fim da publicação, continuando com as gravuras apenas como hobby, ele e betão continuaram se ligando por bastante tempo, mas as ligações foram ficando cada vez mais escassas até cessarem de vez.
Quase trinta anos se passaram, nesse tempo a internet surgiu e cresceu, blogs e sites dedicados as HQs surgiram, o público para essas publicações cresceu, e a revista Pindorama adquiriu status Cult, sendo lembrada em artigos na internet, e disputada nos sebos, nessa altura um já idoso Betão, mantinha um blog bastante popular entre os fãs de HQ e propôs um projeto de crowdfunding para lançar a edição 50 de Pindorama. O próprio Betão ficou surpreso ao conseguir o valor necessário para lançar a revista de forma independente.
Foi então que Betão se lembrou do seu velho amigo, e de como ele ficaria feliz de ver uma de suas ilustrações sendo publicadas mais uma vez, ele sabia que precisava ligar e avisar que mandaria a edição 50 pelo correio, conseguiu localizar o telefone em uma agenda antiga e, se perguntando por que ficara tanto tempo sem ligar, ele discou o número e quem atendeu foi Clara, que comunicou o falecimento do pai uma semana antes, deixando para ela boa parte das propriedades, e a sua bem guardada coleção de revistas.
Tanto Betão quanto Clara são os únicos que tem a coleção completa da revista Pindorama. Eles não irão vender para nenhum colecionador, não importa o preço.