A Guerra do Padre Santos contra o 666
***Dedicado ao padre Santos, guerreiro da fé, herói de batina, que provavelmente estará no Armagedom em luta, ao lado de São Miguel Arcanjo, contra as potestades infernais e seus principados.
O padre acabava de celebrar a missa, mas era impossível que o decote no vestido vermelho da primeira-dama não fosse notado a quilômetros de distância.
O sacerdote tentou em vão manter a discrição enquanto celebrava a Eucaristia. O demônio naquele dia estava inspirado e prepotente! Ria da tentativa vã do servo de Deus de não olhar.
Acompanhada do prefeito, que escondia através de um sorriso maroto a secreta satisfação de ser visto como o dono, proprietário e marido daquela mulher de desconcertante beleza e sensualidade. Era ele o homem premiado na Terra com a companhia e visão daquela obra de arte natural e tingida de loiro 100 claríssimo.
O casal municipal fora o último a adentrar no templo. Todos de pé conforme o comando do sacerdote, cansado e mal erguendo-se sobre as próprias pernas e com pouca paciência. De longe o decote reluzia apoteótico e dominador do vestido vermelho!
Homens solteiros se despertaram em cadeia, como uma torcida de olho em um lance de uma esplêndida jogada de futebol. Como um gol prestes a ser marcado!
Os homens casados, surpreendidos, despistavam suas esposas dos olhares obscenos e dos pensamentos escusos e libidinosos. Cabeça para um lado e olhos em outro. O sacerdote olhou preocupado tudo aquilo, mas evitando reações suspeitas.
Ao se sentar, a primeira-dama deixou aos olhos do homem de Deus a visão privilegiada. Os demais lamentavam-se sentando apáticos e queixosos novamente.
Seria uma missa difícil aquela! Tentava a todo custo esconder de si esta verdade. O rosto daquela mulher revelava somente pelo sorriso o gosto pelo tumulto causado em tantos pensamentos.
O sacerdote, vestido com as túnicas de Deus, o homem escolhido para conduzir aquele rebanho perdido na fé, arrastou com todo custo as preces, canções e liturgias. Pedia a Deus para tirar do povo a atenção do pecado. Pedia ao diabo um cessar-fogo, literalmente.
Mas ele não estava disposto a ceder. Os homens eram testemunhas, casados e solteiros, testemunhavam com seus olhares, deslumbres e desejos pecaminosos de fantasias proibidas e nefastas.
As mulheres se irritavam em vão e impotentes diante de tamanha beleza e deslumbre que a beleza feminina ali presente impunha inclemente aos que tinham olhos pra ver. Exercendo a supremacia que lhe era por direito sobre as atenções e preocupações masculinas.
O desejo ria de todas as culpas. Ria do desespero contido. Ria da vergonha quanto maior mais se vangloriava a concupiscência da carne.
Já havia decorrido 25 minutos do primeiro tempo. O diabo goleava o sacerdote. Era um Messi, um Cristiano Ronaldo, um craque das tentações carnais voluptuosas.
A defesa do padre Santos estava desesperada. Olhou para o santo padroeiro com olhar de piedade pedindo misericórdia. O reforço pedido do céus em suplicantes orações parecia não ter efeito.
O diabo estava disposto a humilhar. A primeira-dama levantara-se para atender um criado na porta da igreja. Desfilando pelo tapete vermelho, desconcentrou os poucos homens ainda em oração e trouxe para si todos os olhos a mergulharem na sua exuberância.
Fora da igreja, as atenções para o pecado cessaram. Padre Santos deixou cair algumas lágrimas, o milagre havia acontecido. Os fieis começavam a se concentrar novamente, a missa parecia esta sendo salva. A santidade estava se restaurando naquele ambiente!
O diabo estava inclemente naquele dia. A primeira-dama voltara educadamente. Desfilava de volta ao seu assento. O salto havia desequilibrado aquela mulher. As pessoas gritavam "oh!". As mulheres riam por dentro.
Os homens nem reparam em salto ou na queda, mas somente naquilo que parecia uma deusa sensual visitando o planeta Terra em plena missa de domingo.
A derrota era eminente. Padre Santos estava humilhado! Chamou o coroinha e tramou seu último lance para reverter a partida. Ordenou que a banda da igreja tocasse o hino da família e que se tocasse no último volume a consagrada canção da campanha da fraternidade.
Foi ao púlpito como ferido em batalha, mas disposto morrer em combate e a cair atirando. Pregou veemente a partir de um conhecido salmo sobre a poderosa tentação do pecado e o perigo da queda diante da provação provocante do prazer sensual.
O púlpito parecia um ninho de metralhadora ponto 50. Apontada contra Satanás, o diabo e a luxúria dos homens.
O padre parecia exaltado, dizia algumas beatas não acostumadas a ver sacerdote assim. Os homens se silenciavam envergonhados por aquelas palavras duras contra seu coração. As mulheres diziam "isto mesmo, isto mesmo".
A sem-vergonhice estava sendo bombardeada sem piedade pelo velho padre! Combatente experimentado na guerra contra a carne e a maldade do homem, o santo homem humilhava Satanás com suas palavras de santidade, condenação e penitência.
Esfregava na cara dos vencidos pelo pecado as artimanhas do maligno e os castigos reservados aos ordinários, safados, canalhas, sem-vergonhas, escravos do prazer, parcimoniosos, cretinos, filhos de Satanás e a escória despudorada que corrompe o mundo.
A primeira-dama fingia não entender por que tanto falatório. Os santos ali no altar olhavam para o padre Santos com orgulho. Receberia uma medalha por coragem e bravura naquela batalha inglória.
Prestes a vencer o inimigo, Satanás preparou sua última artimanha e mostrou a que veio, recuperando o ritmo do ataque do primeiro tempo através de um incisivo lance espetacular.
A banda achou educado com prefeito, mostrando consideração e respeito com sua autoridade municipal, convidar a primeira-dama, notória por sua bela voz e canto, que havia estudado em um conservatório da capital, para cantar.
Ao perceber, a jogada de mestre do diabo, padre Santos viu a vitória final lhe escapar inevitavelmente de suas mãos. Estava paralisado, desnorteado e sem ter o que fazer. Mas enquanto ele se paralisava, a primeira-dama subia esplendorosa ao altar e se juntava a banda.
A sua voz comovia até mesmo os anjos que ali estavam. Se não fosse o decote, diriam os desavisados se tratar da aparição de alguma santa ali a abençoar os presentes com o mais puro canto.
Padre Santos estava resignado. Só restava conduzir a missa aos seus últimos minutos, cumprindo o programado e os abençoando no final. O povo se retirou extasiado, as mulheres haviam-na perdoado e os homens evitavam comentar qualquer coisa perto de suas mulheres.
Com muito custo, pressa e certa má vontade, deu sua bênção ao casal municipal que se retirou junto com o povo da igreja. Deixando o homem de Deus ali sozinho e derrotado em seus pensamentos!
Sentado nas escadas da porta da igreja, ainda de batina e sem ânimo para voltar para a casa, viu se aproximar de si umas figuras estranhas.
Era Satanás e sua legião que pessoalmente vinha em direção ao sacerdote! Padre Santos mal pudera acreditar naquilo, mas estava tão cansado e derrotado que acreditou que o tinhoso o havia de buscar como parte de um prêmio em alguma aposta com Deus.
Se levantou com muito custo e se colocou de pé diante do "666". Buscou sua última dignidade de um homem de Deus e a estampou na cara com a qual se colocou diante daquele ser asqueroso, desgraçado, amaldiçoado, imundo,filho de uma égua, babaca, homicida e mentiroso!
Satanás o olhou firme nos olhos, juntamente com outros demônios do seu Estado Maior. Enfileirados, o cabo ordenou sentido e levantaram ao mesmo tempo seus braços e prestaram simultaneamente continência ao padre Santos. Parecia receber honras de chefe de estado.
Satanás inclinou levemente a cabeça em sinal de respeito, o cumprimentando, e se retirou, juntamente com seu staff, para os quintos dos infernos, para o raio que nos parta e para a puta que nos pariu!
Um anjo surgiu e ajudou a carregar o padre Santos para a casa paroquial onde recebeu os devidos cuidados. Ele se aposentara dias depois, satisfeito e sentido-se com a sua missão cumprida.
Estava santificado por aquela guerra injusta, que poucos homens foram capazes de vencer sem saírem com os corações gravemente feridos ou despedaçados!
FIM
A Guerra do Padre Santos contra o 666
* Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência, ainda que muito provável.