A ÚLTIMA CURVA NA ESTRADA.

Era uma tarde qualquer de novembro, ele ainda não era seminarista e nem pensava em ser, foi naquele dia em que tudo começou, sem que ele soubesse é claro, apenas o seu coração conhecia, ou, pelo menos escondeu dele mesmo o que sentia. O coração está sempre à enganar.

Apenas o chamem de Arthur, esse é o seu verdadeiro nome, entretanto, dadas à certa circunstância, será melhor o conhecerem por este nome.

Verão de oitenta e cinco, Lagoa Santa, Minas Gerais.

( Eduardo González Molina, Monge Benedictino ).

Meu filho sempre fui um garoto bagunceiro, desde menino sempre gostou de aprontar às suas peraltices, embora, mesmo na companhia da mãe quase todos os dias, ainda sim continuava a aprontar das suas.

O meu nome é Jucelino Costa Silva. Advogado aposentado. Essa é uma história que eu não queria contar…

Os amigos do meu filho eram muitos naquela época, havia o Lucas, o Rogério, o Aguinaldo, o Fernandinho e o Joca. Foram bons tempos aqueles e tenho tanta saudades daqueles dias de inocência. Chega a doer no meu peito. As professoras ficavam malucas com o comportamento do Arthur, ele não estava nem aí, gostava era de ver a farra acontecer, a bagunça generalizada. Infelizmente o tempo passou - tudo passa aliás - e cada um foi para o seu lado, foi exatamente neste período que ele a conheceu, o nome dela… Cecília, sua prima, a filha do meu irmão Marcos, no começo brigavam bastante. Também não era para menos, Cecília era chata tagarela e muito magrela, parecia mais a Olívia palito do desenho animado. Engraçado que o apelido acabou ficando, Arthur quem o colocou, ela queria morrer quando ele a chamava assim.

A cidade de Lagoa Santa é de uma beleza deslumbrante, arborizada, com lindas praças, árvores frondosas e pássaros belíssimos das mais diversas espécies. Na cidade conserva-se até aos tempos de hoje um festival de teatro que as escolas fazem nas praças. Naquele ano em questão, o teatro aconteceria na praça perto da matriz, e para o desgosto e desespero do Arthur, ele teria que participar para recuperar as notas baixas em português. Vejam só que lástima do destino. Vocês compreenderão o motivo que digo isso; a peça que seria encenada era de Shakespeare ( Romeu e Julieta ).

Tudo bem até aí… O problema é que o papel de Romeu caberia ao Arthur, enquanto Cecília, ou, Olivia palito como queiram, faria o papel de Julieta. Ele fez de um tudo para escapar da tal peça, não teve jeito; teve que encarar o desafio, e o pior de tudo, ( beijar), a Cecília em praça pública.

Depois daquele dia Arthur ficou uma semana sem sair de casa tamanha a sua vergonha. Mas o tempo voou com nas asas do falcão, Cecília foi embora para o estado de São Paulo, enquanto Arthur ficou em lagoa santa, terminou o colegial sem saber o que seria ou qual profissão seguiria. Em certo domingo, quando foi a missa conosco - e olha que fazia tempo que eu não íamos -, fomos à principal igreja de Lagoa Santa, que por sinal é muito bonita. Lá estavam um grupo de seminaristas Agostinianos, cantaram lindamente os seus cantos, ele se apaixonou instantaneamente pela música, pela forma como eles se vestiam, enfim, não sei explicar o motivo do encantamento. Arthur decidiu naquele instante que seria um monge agostiniano, quase infartei quando ele disse, logo o Arthur, tão bagunceiro, imaginar que de repente iria se tornar um padre.

Era o que ele queria naquele momento.

Toda a família foi comunicada da sua 'decisão', quase todos não o levou a sério. Riram, fizeram piadas, achavam que era mais uma brincadeira, porém, mas era sério. Ele estava decidido a fazer a coisa certa e foi em frente. Dois meses depois entre procuras e contatos estava finalmente fazendo as malas para ir para o monastério que ficava perto de Lagoa Santa.

Domingo foi o dia em que Arthur foi para o seminário, fizemos aquele almoço de despedida, ele estava tenso, falava pouco, meio que tentando incorporar o ar de um seminarista. Um dos monges veio buscá-lo, almoçou conosco, Eduardo era o seu nome, muito centrado, com respostas precisas a todas as perguntas que foram feitas, terminado o almoço nos despedimos e o meu Arthur foi embora.

*****

Ele estava aflito, não via a hora de chegar ao monastério, durante o trajeto conversamos pouco. Não demorou muito e já havíamos chegado, o nosso monastério ficava próximo de uma bonita fazenda, o lugar é enorme, exuberante, todo o complexo do monastério é construído de tijolinhos, Arthur ficou boquiaberto com tamanha precisão e beleza arquitetônica do lugar, bem como o tamanho também, entramos portão adentro, um dos monges veio nos receber.

- Olá! Tudo bem? O meu nome é Frederico, seja bem vindo a nosso mosteiro, você é o novo vocacionado, grandes surpresas o aguardam meu jovem.

- Olá - Respondeu Arthur - O meu nome é Arthur, fico feliz por conhecê-los.

- Venha comigo Arthur, eu vou lhe mostrar o seu quarto e o restante do monastério, temos muitas coisas para fazer.

- Tudo bem, vamos então.

Arthur pegou suas malas e seguimos até onde eram os quartos. "O local parece um castelo medieval, de um silêncio admirável, a sensação de paz é maravilhosa, e ainda podia se ouvir bem ao fundo o som suave, quase inaudível dos cantos gregorianos".Dizia ele encantado.

A rotina do nosso mosteiro é bem rígida, começa cedo, às cinco horas da manhã. Após despertamos, uma das primeiras coisas a fazer é tirar a barba, tínhamos que fazê-lá todos os dias, depois vestíamos nossa indumentária que era uma túnica preta, capa curta e capuz. Nossa ordem deriva de Santo Agostinho, seguimos um código de regras elaborado por ele, não somos eremitas, ou frades como muitos chamam, estes, por sua vez, foram instituídos pelo papa Alexandre IV em 1256. Os votos não são obrigatórios, mas a posse de propriedades é proibida, por isso não podemos ter nenhum bem pessoal. Vivemos para o estudo, caridade, ajudar na educação da igreja e comunidades.

O nosso café matinal acontece após à missa, aqui mesmo dentro do seminário, saímos da oração diretamente para o refeitório, tudo isso feito em ordem e silêncio total, após o café é que trocamos as primeiras palavras.

No começo Arthur estranhou todo rigor, demorou a se acostumar com a clausura. Ele teve dificuldades. Aos poucos e com a ajuda do "irmão" Frederico Arthur foi se habituando ao silêncio. Era assim que nós chamávamos no monastério, de "irmãos". As primeiras visitas aconteceram três meses depois de sua chegada, eram sempre no horário da nossa missa matutina, tínhamos missa todos os dias e a fazíamos em latim, só nos domingos que não, porque geralmente tínhamos visitantes. Nas visitas do Arthur vinham sempre o pai, a mãe, e uma prima.

Eu incluí na nossa rotina semanal de estudos, um dia de folga, onde geralmente saiamos em passeios com os outros monges. Sempre havia um superior acompanhando nos passeios para evitar contratempos e coisas desagradáveis. Não que os monges sejam tendenciosos a desvios, mas, precauções eram necessárias, sem dizer que era uma exigência do reitor do monastério inscrito nas cláusulas internas.

Uma das manias do Arthur era anotar tudo o que fazia em um diário. O texto que segue, eu extrai de seus diários. O que encontrei nesses escritos me fez compreender parte de tudo.

( Retirado do Diário de Arthur )

Conheci muitos lugares bonitos, cidades belíssimas, comunidades religiosas diferentes, tais como os franciscanos, Beneditinos, diocesanos e tantas outras ordens. Tudo estava indo muitíssimo bem, me habituei às tarefas e rotinas. Meus pais sempre vinham me visitar, somente eles me visitavam. Houve uma ocasião em que tudo começou a mudar, coisas que eu nunca pensei que um monge pudesse sentir me ocorreram.

Era uma tarde agradável de novembro, domingo de calor, eu fui um dos escolhidos para cantar um dos salmos da Bíblia em latim, o salmo escolhido era o vinte e três, aquela missa havia muitos convidados, todos parentes dos monges, alguns vinham de bem longe, a missa havia começado, tudo foi planejado, chegou a minha vez de cantar o salmo, eu ainda não havia visto nenhum parente meu, nem pai, mãe, ou qualquer outro. Certamente não tinham chegado, abaixei a cabeça e comecei a salmodiar.

( Quod Dominus pascit me et nihil mihi deerit, Effunde me in montem, ad eum, et super flumina praeparavit, Ascendant in montem domini, deduxit me super semitas iustitiae propter nomen suum, Et si ambulavero in medio umbrae mortis, nom timebo mala, virga tua et baculus tuus ipsa consolabuntur me, Hic accipiet benedictionem a domino et coram inimicis inpinguasti in óleo caput meum et cálix meus redundat, Sed et benignitas et misericórdia subsequetur me omnibus diebus vitae meae et habitabo in domo domini in longitudinemdinem dierum ).

Levantei a cabeça lentamente… Lá estavam eles, os meus pais, bem na minha frente, mas dessa vez tinha uma terceira pessoa que eu não reconheci ser parente ou não. A acompanhante era uma moça linda como eu nunca tinha visto antes, mesmo no seminário eu já havia visto muitas mulheres bonitas que visitavam seus parentes, mas, belíssima como aquela jamais. Algo de errado estava acontecendo comigo, fiquei pasmo e boquiaberto. O Frederico que estava atrás de mim teve que me cutucar para que eu me concentrar novamente - fiquei perturbado - me sentindo um monstro, ou, qualquer coisa assim, pois em meu coração deixei que o pecado carnal o tomasse, seria aquilo as flechas inflamadas do maligno: Logo eu, um monge, dedicado à vida eclesiástica, não era possível que satanás zombasse assim tão facilmente de mim.

Terminada a missa cada monge se dirigiu a sua família, eu fui para a minha, as pernas estavam trêmulas, realmente eu não entendia como um ser feminino podia em questão de segundos desestruturar tanto assim outra pessoa com apenas um olhar. Só podia ser coisa do demônio, não tinha outra explicação. Fui mesmo assim, jovem, inexperiente, que nunca havia experimentado as doçuras da carne, era de se imaginar tal reação, eu não estava preparado para aquilo.

- Olá meu filho! Que saudades de você -- disse minha mãe depois de um abraço apertado -- eu e o seu pai nos emocionamos ao vê-lo cantar em latim; que coisa mais linda meu filho, chorei feito criança, estamos orgulhosos de você.

- Olá mamãe… Olá papai… Estou feliz em revê-los.

- Meu Deus… Perdoe-me filho, por minha falta de

educação, lembra-se da Cecília? A sua prima, filha do tio Marcos, ela está morando conosco agora, esqueci-me de apresentá-la a você. Ela está linda não é mesmo.

Aquele lindo ser feminino que ora a pouco enfeitiçou-me, era então a Cecília, meus olhos custaram em crer no que via, mantive a postura, respondendo sem esboçar qualquer coisa.

- Olá Cecília, mil perdões por não reconhecê-la, já faz tanto tempo que não nos vemos. Tudo bem com você?

Minhas mãos estavam trêmulas, suadas, e o coração parecia que ia sair pela boca, as pernas continuavam moles, minha sorte é a túnica que não deixava transparecer o tremor nas pernas.

- Olá Arthur! Tudo bem sim, embora você tenha se esquecido de mim, eu nunca me esqueci de você viu. E aliás, você está um gato, se admirar um padre for pecado, me perdoe por antecipação.

Aquilo só poderia ser coisa do demônio para me desviar do meu caminho. Mas ela não era aquela Olívia palito de outrora, Cecília tinha se transformado na tentação em forma humana. Para disfarçar o meu nervosismo chamei-os para um passeio pelo monastério, assim o tempo passaria mais rápido e meu suplício terminaria logo.

Caminhamos por quase vinte minutos, enquanto meus pais falavam de seus planos e tantos outros assuntos supérfluos, Cecilia apenas me olhava, os seus olhos eram verdes, sua face irradiava luz e os lábios carnudos de um vermelho natural intenso, todo aquele conjunto de perfeição me deixou quase louco, tive vontade de sair correndo dali, e a hora não passava.

Finalmente chegou a hora da despedida, beijinhos de mamãe e papai, um adeus, mas ela, sim… Ela tinha que me beijar no rosto, colocou as suas delicadas mãos incandescentes sobre os meus ombros e me beijou no rosto, parecia que minhas roupas estavam queimando, fiquei mais vermelho que os lábios dela, mamãe bem que percebeu minha aflição, mas não disse nada, sorriu e deu de ombros.

Era tarde do domingo.

Após as missas nos reunimos em um salão enorme, e ali ficávamos conversando até a noite chegar, era como uma tarde de folga, mas nesse dia eu fui correndo para o meu quarto, inventei uma desculpa qualquer para o meu amigo, Frederico, não desconfiar, me tranquei no quarto, tudo o que eu desejava era esquecer a imagem da Cecília. Me apavorava a ideia dela voltando novamente com os meus pais, eu estava em sérios apuros e não sabia como resolver a situação.

Na primeira noite após a missa do domingo, não consegui dormir, minha cabeça estava confusa e muito bagunçada. Os quartos no monastério eram individuais, mas o quarto do meu amigo Frederico era ao lado do meu, pensei em ir até o quarto dele para conversar, tive medo, afinal, o que ele poderia pensar a meu respeito, 'imaginem', um monge com desejos carnais por uma mulher, isso era inconcebível. Por três vezes me levantei da cama ensaiei ir ao quarto do Frederico, voltei e deitei novamente, repeti isso por várias vezes. Demorou até que eu conseguisse dormir, e quando finalmente consegui, tive um sonho com a Cecília, era para enlouquecer qualquer um, mas eu tinha que manter a calma e o controle para que ninguém percebesse minha aflição.

No dia seguinte mantive a postura de santidade, embora eu ainda não tivesse feito nada, me senti como se houvesse cometido o pior dos pecados. Não sei o motivo de tanta inquietação, era só uma moça, 'uma moça', a Cecília magrela de outros tempos, mas o coração não conseguia enxergar assim. Nossa rotina de estudos era puxada, estudávamos a história dos santos, da igreja ao longo do século, introdução à filosofia, fora o grego e o latim, humanidades, Mariologia, a história dos papas, entre outras disciplinas. Eu sempre tive facilidade com os estudos, nunca fiquei, como posso dizer… Empacado em alguma matéria, no seminário não era diferente, meu desempenho era bom, porém, naquela semana tudo começou a desandar, literalmente desabar. Eu não conseguia me concentrar em nada, estava totalmente perdido nos estudos e nos meus afazeres, alguns monges perceberam minha inquietação, pensaram até que eu estivesse doente. O Frederico pensou isso também, e de certa forma alimentei a ideia, era favorável, eu nunca que diria a ninguém o que a Cecília causava em mim, mesmo porque ocultei de todos o que estava sentindo.

Semana longa…

Aquela semana parecia que nunca ia passar, o tempo se arrastava, e dentro de mim,

inconscientemente eu não via a hora de chegar o

domingo para vê-la novamente, mas outra parte de mim recusava tal sentimento, flagelava no tronco das aflições da alma. Eu não sabia o que fazer.

Finalmente sábado…

No sábado pela manhã meu superior, 'Monge Roberto' me chamou para uma conversa em particular, fiquei aterrorizado, conjecturando mil pensamentos: "Será que ele percebeu, será que alguém notou e lhe contou". Eram tantas os questionamentos que se passava na minha cabeça. O Irmão Roberto aproximou-se de mim e convidou-me a passear pelo jardim enquanto conversávamos.

- Irmão Arthur… Preciso lhe comunicar algo muito importante, temos notado o seu progresso desde o seu primeiro dia, você parece gostar do monastério, se dedica, é aplicado.

- Eu tento fazer o melhor irmão, me habituei bem às rotinas, estou muito satisfeito -- Respondi com certo receio.

- No último domingo, na missa, foi sua primeira vez cantando o salmo em latim, e para falar a verdade há muito tempo não ouvíamos uma canção assim tão harmoniosa, nosso reitor pediu que você cantasse em todas as missas de domingo, pediu para te perguntar se haveria algum problema nisso.

- Nenhum irmão, imagine, agradeça o reitor por mim, eu ficarei imensamente feliz em servir a igreja do senhor com minha humilde voz.

- Que bom irmão… Que bom… E aliás, você melhorou do seu mal estar? Disseram que você não estava bem essa semana.

- Já estou melhor, não tem com os senhores se preocuparem.

O irmão Roberto retirou-se pelo lado oposto, a passos lentos, sempre calmo.

Que susto passei, imaginei que ele soubesse de alguma coisa, agora a situação começou a piorar, vou ficar bem de frente de todos no domingo, 'em todos os domingos', se ela for à missa não sei o que será da minha alma atormentada, que Deus me ajude, meus olhos estão contemplando a pior das tentações, ' a beleza feminina.

****

Chegou o domingo…

Eu estava tenso, dormi mal, a missa seria às sete horas da manhã, todos os monges que participaram da missa já estavam prontos, o Frederico também, não demorou e ele veio me chamar, eu já havia preparado o salmo, estava tudo pronto. Após nos reunimos no corredor dos quartos, nos dirigimos para a igreja, ainda não havia chegado ninguém.

Aos poucos cada monge foi se ajeitando no seu posto, os músicos, o coral com o canto gregoriano, eu com os salmos, os participantes da missa começavam a chegar um a um, eu estava tenso, suava frio, e a todo o instante olhando para a porta. De repente vi o papai entrar primeiro seguido da mamãe e por último a Cecília. Confesso que quase caí de costas quando a vi, ela estava ainda mais bonita do que no domingo anterior. A missa foi iniciada, meu tormento aumentado gradativamente, foi difícil entoar o salmo, os meus superiores todos estavam presentes.

Ao terminar a missa, como de costume, os familiares foram conversar com os seus filhos, e lá vinha à mamãe com a Cecília, "meu Deus vai começar tudo de novamente", era esse meu pensamento.

- Meu filho querido, você cantou lindamente hoje, parabéns, de um abraço aqui na sua mãe, te amo meu querido, que saudades de você meu amor.

Tive que abraçar a Cecília também, dessa vez ela não disse nada apenas sorriu, me deu um abraço tão apertado que senti o bico de seus seios roçarem no meu corpo, aquilo era para enlouquecer, a essa altura eu já comecei a questionar minha vocação sacerdotal.

- E os estudos meu filho, como estão indo? Perguntou o papai.

- Está indo bem meu pai, não tenho dificuldade com eles.

Adiantamo-nos um pouco da mamãe e da Cecília, meu pai aproveitou para cochichar em meus ouvidos,

- Eu sei qual é sua verdadeira dificuldade.

- Como assim papai? - Perguntei curioso - Não compreendo o senhor.

- Não se faça de desentendido rapaz, eu vi como você reagiu na presença da Cecília, seu pai é velho mas não é bobo, além do que, não é a toa que ela está vindo conosco, ela gosta de você meu filho, sempre gostou, e isso já faz um tempo. Ninguém me disse, acabei descobrindo por acaso, pense bem meu filho, se é isso mesmo que você quer… Eu sei que no próximo mês inicia seus estudos de Filosofia e eles serão na Espanha, pense bem, ainda dá tempo de desistir, você sabe que eu nunca fui a favor de você vir para este lugar, pense bem.

A mamãe aproximou-se naquele momento, a Cecilia apenas me olhava, se antes eu já estava confuso, agora ainda mais depois de saber que a Cecília me amava. Se o que o meu pai disse era verdade, eu tinha menos de um mês para me decidir se continuava com aquilo ou não.

Caminhamos um pouco mais, chegou a hora de irem embora, despedi da mamãe do papai e por último da Cecília, parecia coisa combinada, ela me abraçou do mesmo jeito que no início, e pronunciou as seguintes palavras no meu ouvido.

- Nunca esqueci aquele beijo, vou estar te esperando, pense bem.

Deu-me um beijo no rosto e saiu.

Agora sim, eu estava em apuros, minha fé e vocação foram colocados a prova, e eu tinha poucas semanas para decidir. Fui direto para o meu quarto sem falar com ninguém, aquelas palavras mexeram comigo, era hora de tomar uma decisão.

****

Os dias passaram rapidamente, minha aflição aumentava ao passo que ia chegando à data da nossa partida para Espanha, iríamos primeiramente para o Belém do Pará, em outra filial do nosso monastério, logo após, Salamanca, Espanha. Eu não tive coragem de dizer nada a meu principal amigo, o Frederico, que foi que. mais me ajudou, havia um plano eu teria que executá-lo logo, ou eu não teria outra chance.

Os monges estavam eufóricos com a viagem, com a expectativa de iniciarem os estudos teológicos. Frederico parecia o mais animado, eu tentava disfarçar minha aflição, era sexta-feira, viajaremos no domingo pela manhã um ônibus viria nos buscar para levar-nos a rodoviária. Fui para o meu quarto e sentei na cama. Eu não sabia o que fazer, passei as mãos pelo meu rosto, os pensamentos tumultuosos, para falar a verdade, estavam em Cecília, aquele rosto que irradiava luz, aqueles lábios carnudos, os cabelos encaracolados, os olhos verdes. Eu não parava de pensar nela, meu coração era dela… Foi quando tomei minha decisão, seria isso… Ou estaria tudo perdido.

Domingo de manhã.

O Frederico como de costume foi chamar o Arthur.

- Olá Arthur… Abra a porta dorminhoco, temos que nos preparar para a viagem, o ônibus chega às oito em ponto… Arthur… Acorda… Meu Deus, já são sete horas, estamos atrasados.

- Mas que barulheira é essa Frederico? -Perguntei ao Frederico - Meu Deus o que está acontecendo meu rapaz.

- Irmão Eduardo! Ainda bem que você apareceu, estou tentando chamar o Arthur já faz um tempo e ele sequer responde, estou com pressentimentos ruins de ter-lhe acontecido algo, essa semana ele disse que não estava muito bem.

- Sendo assim, é melhor arrombamos a porta, possa ser que ele esteja desmaiado ou coisa pior.

- Verdade, mas arromba você, que é mais forte e maior do que eu.

- Tudo bem, Arthur… Caso você esteja de brincadeira irei arrombar essa porta… Em um, dois e três...

A porta desabou no chão do quarto, fazendo um barulho estrondoso chamando a atenção de todos os demais monges, ao entrarmos vimos somente um bilhete em cima da cama.

- Mais o que é isso - Disse Frederico ao pegar o bilhete que dizia o seguinte.

De Arthur.

Caríssimos irmão em Cristo, perdoe-me por não me despedir, e pela forma que vos deixei, sei que é errado o que fiz, talvez Deus nunca me perdoe pelo meu ato insano.

Amei estar com vocês, o tempo em que convivi com os senhores e foi de grande aprendizado, os levaria para o resto da vida, mas… Peçam desculpas ao reitor do monastério por mim, e a todos os outros monges, e ao meu grande amigo… Frederico.

Perdoe-me, e desculpe por não avisá-los. Estou a caminho do meu destino neste momento, apaixonei-me pela moça que vinha junto com os meus pais, sei que é errado a minha atitude, entregar-se desse modo as paixões da carne sem antes lutar, neste momento o meu coração desconhece o certo do errado, assim como Adão ao provar o fruto proibido, o meu coração enxerga apenas o amor, grandioso como nunca senti antes, não sei o que será de mim, mas tive que fugir para me reencontrar, para encontrar esse grande amor, Adeus meus amigos.

- Santo Deus … Eu não acredito que o Artur fugiu, porque ele não nos falou nada, nem a mim que era seu melhor amigo, deve ser aquela moça, como é mesmo nome dela?

- Cecília - Eu disse - se não me falha a memória, eu me lembro dele dizer o nome dela quando conversavam em um desses domingos.

- Isso irmão Eduardo, 'Cecília', que Deus o ajude, é a única coisa que posso dizer agora, que Deus o proteja.

*****

Um número é discado no telefone …

Uma…

Duas…

Três…

Quatro vezes…

Ninguém atende… Senhor Juscelino, pai de Arthur, Advogado aposentado disca mais uma vez…

Nada.

Duas…

Três…

Ligou para mim no seminário, começou-me a contar tudo.

O Celular que ele havia dado a Cecília para eventual fuga era novo, havia crédito. " Não é possível". Dizia ele preocupado. "Ou eles estão dirigindo, ou o local não da área". Eu nem bem conclui a resposta e de repente, a televisão que estava ligada no noticiário em volume alto em sua casa anuncia:

( Noticiário… Notícia "URGENTE" próximo a saída de Lagoa Santa uma terrível colisão entre uma carreta e um carro de passeio aconteceu ainda pouco, ao que parece houve duas vítimas, do carro, um Civic prata, nada sobrou, não se sabe ainda quem são as duas vítimas no carro. A única informação que a polícia tem é que é uma moça, jovem, morreu instantaneamente, e um jovem rapaz, também jovem, vestido com uma batina do monastério Agostiniano, o rapaz também morreu instantaneamente. Mais informações a qualquer momento).

Era o fim…

Do telefone eu pude ouvi tudo.

O pai de Arthur simplesmente ficou mudo no telefone…

Juscelino sabia que era o fim… O fim de uma história que nem bem começou, agora era enfrentar a dura realidade e as suas consequências. O carro, bem como o celular, tudo estava em nome de Juscelino, na tentativa de ajudar a fuga do filho, trouxe-lhe a morte na última curva da estrada.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 29/01/2019
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