TRADIÇÃO É TRADIÇÃO!
Aprendi com uma AMIGA que aprendera com um professor a identificar judeus e... cristãos novos no mundo. ELA na faculdade de letras cursou três semestres optativos de cultura hebraica em língua portuguesa para completar 70 créditos no currículo: figuras clássicas primitivas, estórias, e da atualidade, triste História plena de guerras – observou depois e viu certos símbolos desenhados em indústrias incríveis e inimagináveis, como a estrela de seis pontas na tradicionalíssima fábrica de cerveja, um cordeiro em outra empresa, shofar (instrumento de sopro), anjos etc. etc. etc.
Sou o síndico de pequeno prédio residencial, “taya” (hebraico: tio, irmão mais velho do pai) adotado por DAVI, que é o filho de minha ajudante ANA SARA. Fui convidado para uma festa beneficente, não religiosa, clube um tanto distante, logo promovido a ‘motorista’ de uma garotada internacional que estavam hospedando. Falavam em português, inglês, alemão, hebraico, talvez ídiche, numa incrível miscelânea de des-entendimento. Riam muito. DAVI, num tempo recorde, apaixonou-se por uma norte-americana branquela e a elegeu MISS ONU (EU ensino tudo ao moleque) porque ELA parecia diplomata no sentido de enrolar com intenção e perfeição pacífica todos os outros meninos que logo se derreteram pela estrangeirazinha vestida nas cores branco e azul claro......... segurando o tempo todo um ameaçador golem de pano.
Na entrada, todos recebemos crachás e uma atraente ruiva de olhos azuis escreveu o meu sobrenome ALVES.
Uma mulher bastante idosa se aproximou e perguntou a que família EU pertencia. Esclareci que era convidado de ANA SARA e do marido. Nada disso. ELA viu o sobrenome e foi logo dizendo que no passado meus antecedentes teriam sido certamente cristãos novos. Pelo que sei, nem sempre o sobrenome atual comprova uma ascendência. EU por acaso dias antes lera a etimologia: que ALVES teria origem histórica em ÁLVARES, filho de ÁLVARO, nobre português de castelo português medieval, e justamente ELA explicou que durante séculos foi assim na Península Ibérica, a presença de muitos judeus e a fusão (para mim confusão) de nomes. Relevante era a prática das tradições judaicas mantidas pela família. Não – EU não recordei nada especial. Ofereceu o serviço de um shadchan (falou e traduziu ‘casamenteiro’: gelei por dentro), se EU precisasse um dia. Forte sotaque. “Preço barrratinho... Homem e mulher são as duas metades da mesma neshamá (alma).” Senti meu ‘lado judaico’ de mão fechada – EU não pagaria a ninguém este serviço. A ruiva saíra para outro local. (Por segundos me imaginei pai de duas ‘vermelhinhas’ gêmeas...) A senhora tocou o meu braço e trocamos Shalom.
Um lanche – abri a mão a favor de um ‘lar de idosos’ (e quase fiz minha prévia ficha cadastral)......... Muitos doces com passas, nozes e mel; salgados com sabor de peixe.
Antes do filme, estudantes subiram ao palco e contaram a biografia de SHOLEM ALEICHEN, autor da estória. Mostraram também a reprodução de um quadro de MARC CHAGALL, “The Dead Man”, cena de um funeral e um homem tocando violino no topo de um telhado. Bati palmas porque todos bateram. ANA SARA me sussurrou que era a metáfora da tradição. Ah, EU em ‘terra alheia’... UM VIOLINISTA NO TELHADO (“Fiddler on the Roof”, produção estadunidense de 1971) - A estória do filme colorido é que, no início do século XX, judeus e cristãos viviam pacificamente, sem se misturarem, numa aldeia, Anatevka, vilarejo russo sob regime czarista. Tevye, o leiteiro judeu, tenta arranjar um casamento para as filhas, que se rebelam, e o pai declara uma delas morta, porque decidira casar com um ‘goy’ (não judeu). Pelo que entendi, a senhora Golden, a mãe, representa o esteio de preservação da cultura (pensei na minha avó que desde o primeiro dia de dezembro programava as festividades natalinas), e surgem também as tradições locais, como a casamenteira, o rabino e o mendigo. Em meio ao conflito familiar, o czar expulsa todos os judeus, agora condenados ao exílio e à dispersão.
Almoçamos, pratos diversificados, minha ajudante escolheu para mim.
DAVI se aproximou dos pais da menina, fez mais gestos do que falou, casal em gargalhadas, e a pediu em... casamento. Dúvida cruel! Veio me perguntar. Como é isso de dote? Ainda existe? ELE pagaria pela esposa ou ELA o pagaria? Falei que ELE deveria seguir a tradição, fosse lá qual fosse. Traduzi para os futuros sogros que o casamento seria dois anos após a formatura dele (que tem ‘mil’ vocações controversas) e a construção de uma casa com piscina, área de esportes e garagem para três carros. Mais gargalhadas. Sardentinho feliz – beijinho na testa da garota.
A caminho de casa, consciente de que sua realidade pelo menos por enquanto é uma cidade no interior paulista, “doou” a noiva para BEN, este de viagem marcada para residir nos Estados Unidos, pai transferido de emprego. Cobrou cinco reais e assinatura do ‘contrato’ em cartório. O felizardo pagou em moedas. Nem tudo EU ensino...
Sua ideia fixa é ANINHA, a menina do terceiro andar, ‘goy’ irritadiça (não sei se é guerreira Ariana) que o esbofeteia sem dó a cada tímida investida.
NOTAS DO AUTOR:
TRADIÇÃO SECULAR - Devido à forte presença holandesa em Pernambuco, mesmo ao longo dos séculos certos hábitos de enraizaram. Ainda hoje não é incomum alguns pais católicos colocarem a mão sobre a cabeça dos filhos ao entardecer de sexta-feira e abençoá-los... Apenas seguem o que pais, avós, bisavós, trisavós fizeram. Fazer por fazer... Por quê? Desconhecem. Tra-di-ção...
GOLEM – Ser mítico, artificial, monstrengo associado à tradição mística do Judaísmo, especialmente a Cabala.
CASAMENTEIRO – Esta figura existe desde os primórdios da história judaica, quando ELIEZER, braço direito do patriarca ABRAÃO, saiu em busca de uma esposa propícia para ISAQUE.
F I M