Vinte e nove dias
Tudo aconteceu bem longe daqui. Num país distante, cheio de funcionários públicos ambiciosos. Funcionários que viviam de olho nas tabelas funcionais de promoção e queriam também ser chefes temporários para ganhar mais no contracheque, por pouco tempo que fosse.
Chefes eram indicados por políticos, e Gregory sempre fugiu deles. Os anos se passavam e Gregory vivia na repartição escrevendo ofícios e relatórios, e assistindo o chefe, e recebendo somente as promoções temporárias, que vinham de cinco em cinco longos anos.
Trabalhava-se muito, no controle da distribuição de medicamentos e vacinas. Outros mais novos eram nomeados e bem rápido assumiam chefias nos diversos órgãos e ganhavam aumento no salário. E Gregory trabalhava, trabalhava e sempre estava no mesmo lugar.
Certa feita o chefe foi pra Ásia. O subchefe foi fazer um curso na América. Ninguém quis ser o chefe porque era final de ano, e todos queriam passar as festas mais tranquilos e dizer com mais calma "feliz Natal" e "feliz ano-novo".
Gregory saiu da sua humildade e resolveu aceitar o convite. Com direito a nomeação no Diário da República. Gregory tinha pensado nos filhos, na mulher, o que pesou, pesou muito, pois receberia uma gratificação.
Apesar da época, era um período complicado porque a repartição passava por mudanças em sua estrutura. Mas o "vamos à luta" falou mais alto. E não faltaram serviços. E não faltou dedicação. Horas e horas de 29 dias em que o chefe se esmerou, trabalhando mais que chefiando os 12 chefiados, porque preferia fazer a mandar e não poucas vezes ficava após o expediente, conferindo relatórios.
No final do vigésimo nono dia, uma portaria interna indicava a recondução do efetivo, recém-chegado da Ásia. O homem chegou, saudou sem entusiasmo o substituto, reintroduziu no sistema eletrônico seu código de chefia, retirou alguns avisos expostos pelo substituto, deu novas ordens, e a vida seguiu como era antes.
Gregory voltou para a condição de subordinado, de que não se desgostava. Esperava agora pelo recebimento de sua interinidade na chefia. Queria fazer alguns agrados à esposa e ao casal de filhos - presentes simples, mas demonstração de amor, que ele não podia fazer com os proventos recebidos. Vislumbrou a felicidade da mulher e dos pequenos. O salário mal dava para as despesas. A vida não era fácil, ainda mais agora que pagava pela casa em que moravam. As economias de anos se foram no cheque de entrada. E ainda havia muitas prestações. Valeu a pena ser chefe. Aguardaria novas oportunidades.
Passou o primeiro mês, e não recebeu o adicional de chefia. Como era paciente, esperou pelo segundo mês, e nada. "Deve ser a burocracia", imaginou. Esperou mais um mês, e o dinheiro não veio. Procurou a administração do pessoal. Foi atendido por um interino, que não soube de imediato o que acontecera, mas olhou, olhou com vagar, analisando a legislação, e concluiu penalizado que Gregory não tinha direito. Faltara um dia de chefia. A interinidade só era paga a quem trabalhasse no mínimo 30 dias. Gregory renunciou aos presentes, que seriam uma surpresa, e, desolado, jurou que tinha sido a primeira e a última vez.
Mas, no restante de sua carreira, ele ainda chefiou a seção por algumas vezes, em que ninguém se interessou. Nunca por mais de vinte e nove dias.