Limiares
Olhos nos olhos. Depois do silêncio sufocante o primeiro começou a desatar seus nós ao semelhante que acreditara ser seu amigo e conselheiro:
__Daí como faz? Se tudo que eu toco vira pedra quando meu desejo arde em querer transformar em ouro o que outrora nunca significou nada para mim? E se em pedra tal indiferença transfigurou-se, por que me sinto tão desconfortável?
E eis que o outro ainda mantinha seu olhar quando respondeu:
__Se ouro vale alguma coisa, foi porque alguém em outro tempo disse ter valor. Mas sabe-se que no âmbito geológico, ou natural, ouro não passa de um elemento proveniente da natureza que nos cerca. Valorizar o que antes não possuía valor, no âmbito humano, é esfolar a própria pele em troca de moedas para comprar um casaco da moda. Seu desconforto perante a indiferença alheia à sua volta indica seu descontentamento para com seus semelhantes, e esse desconforto é sua insegurança em achar que nunca se sentirá e nunca agirá como um deles. Mas não se preocupe, pois quando ouro toca pedra, nada acontece senão o que já sempre fora. E é por isso você está aqui. Você é ouro só.
E então o silêncio sufocou novamente a sala branca de vidros espelhados, e seu único e recluso residente sorriu quando um semelhante diferente dele entrou para apertar ainda mais os nós que pendiam das alças de sua camisa.
Sorrindo, ele indagou-se, "Pedras têm o seu valor quando desviam rios e quedas d'água, mas incomodam quando estão em sapatos..."
E ele nem imaginava que iria ser curado da doença que não tinha quando fora levado pelos próprios que apertaram seus nós a outra sala, ouvindo-os murmurar algo sobre lobotomia.
No fim, ele que tanto queria valorizar o que não possuía valor, tornou-se a pedra no sapato de quem nunca precisou andar à pé...
(Guilherme Henrique)>>Você já sofreu lobotomia hoje? Ou ainda busca conselhos no reflexo?