O PEDIDO

Gregório e Cecília se entreolhavam radiantes, os corações palpitavam e os lábios estavam sempre conectados; o relacionamento era recente, mas já percebiam que compartilhavam de um mesmo desejo de estarem lado a lado. Ele pertencia a uma família tradicional da velha cidadela do interior do nordeste brasileiro; ela, dizia ele, assemelhava-se a uma andarilha, morara em quase todas as regiões do país devido o trabalho de seu pai; apenas na região norte que não constituíram moradia, diziam que a passagem por essa região fora breve, não carecendo matrícula em rede escolar; era época das férias e a obra fora embargada pela justiça ambiental e seu pai, engenheiro, rapidamente fora transferido.

- Esse fato é pretérito, e dos antigos! - Dizia o velho Clodoaldo, esboçando pleonasmos, quando questionado pelos novos vizinhos.

Era um pai dedicado, preocupava-se com a filha, além de um cultivador da moral e dos bons costumes; a universidade embora eivada pelo marxismo cultural não conseguira furta-lhe o bom senso. Cecília, que sempre encontrava mecanismos de burlar o conservadorismo de seu pai, mal concluíra o Ensino Básico e já ingressara na faculdade de comunicação e foi justamente na universidade que conheceu Gregório, ele se dedicava aos números, conheceram-se num protesto contra o aumento das passagens, não que ele estivesse participando, apenas passara no exato local do campus onde se concentravam os líderes do Diretório Acadêmico, entre eles estava Cecília, era uma bela jovem da pele clara contornada pelas longas e lisas madeixas negras que enfatizavam a cor de seus negros olhos, jamais precisou ir de ônibus a qualquer lugar que fosse, mas achava bonito defender os que dependiam do transporte. Comunicativa e exageradamente expressiva esbarrou em Gregório que não pode segurar seus livros; enquanto ela buscava ajudá-lo, ele reclamava em tom firme, e aconselhava-a a ser mais atenta.

- Pensa que é meu pai para falar-me neste tom? Cecília reclamou.

- Pondere-se e analise o espaço a seu redor para evitar danos maiores a outros. Disse Gregório

- Realmente você é idêntico a meu pai quando fala.

Como daí chegaram à paixão, nem eles o sabem dizer. Ela fã do Detonautas, ele de Luiz Gonzaga, ela preferia doce, ele a boa feijoada; acompanhava-o às reuniões e embora a contragosto, Cecília adequava a maneira de vestir quando em companhia da clássica família de Gregório. Custaram entender que Cecília era apenas uma moça com instrução multicultural e amante da liberdade, nem parecia que senhor Clodoaldo tentava mantê-la sob rígidos limites. Ele estava feliz por ver que a filha estava afastando-se dos grupos que se autointitulavam revolucionários, percebeu que largou o livro de Simone de Beauvoir e até a flagrara assistindo a um episódio de Brasil Paralelo. Enxergava em Gregório a responsabilidade por essas maravilhosas mudanças, no que concebia uma intensa simpatia pelo rapaz, sentimento inédito direcionado aos namorados que sua filha possuiu, e não foram poucos, namorou mais rapazes que realizou mudanças em sua curta e ainda fase juvenil.

Intencionando uma maior aproximação com seu genro e principalmente visando fortalecer o elo entre os jovens, decidiu oferecer-lhes um jantar. Solicitou à babá que preparasse tudo com a melhor qualidade, queria impressionar o moço, mas não sabia exatamente como agir. Desde que sua esposa partira para os mais altos céus, sentia-se só. Ela era a sua maior companheira, e, logo, imprescindível em todas as decisões importantes; entretanto, desde sua partida ocupou-se bastante com o trabalho e, sobretudo, com a educação da filha. Desejava-lhe o melhor, e por certo pecara nos excessos de cuidados. Cecília não gostou da ideia do jantar, temia que seu pai fizesse o que outrora praticara: afugentar seus namorados. Resistiu convidá-lo, mas o próprio Clodoaldo fez o convite em tom de convocatória.

Ao chegar a casa, Gregório ficou pasmo com o fato de sua namorada, embora aos 22 anos, ainda possuir babá, contudo, entendeu que aquela era a figura feminina necessária a sua criação; ela os acompanhara em todos os locais onde moraram, tinha um carinho profundo pela garota que viu nascer, acompanhou-a em muitos momentos importantes, ambas trocavam confidencias e carinhos dignos de uma relação entre mãe e filha. Gregório temia que os mimos e a exacerbada proteção a impedisse de se tornar uma mulher madura, até então lhe parecia, e agora confirmado, uma menina mimada que detestava ser contrariada. “Este provavelmente será nosso último momento juntos” pensou o garoto planejando evitar problemas futuros e fugir do relacionamento antes que se tonasse ainda mais difícil sua dissolução. Ela pressentira e ficara temerosa; essa era a primeira vez que sentia receio pela despedida de alguém desde que se conscientizou da partida de sua mãe.

Num pálido silêncio, o senhor Clodoaldo adentrou a sala e rompeu aquele momento reflexivo ao convidá-los para a sala de jantar. O clima era estranhamente incômodo, não sabiam sobre o que conversar. O senhor Clodoaldo era um homem sério, respeitado e pouco falava, muitos diziam ser ele o mestre que ensinou ao Dom Casmurro técnicas para que galgasse tal apelido.

- Boa noite, Gregório, as horas já são corridas, vamos jantar. Convidou-os dirigindo-se à mesa; ainda não passara das 19h, porém, acostumado a jantar às 18h e dormir às 20h, aquele horário já era bastante avançado. Soube que faz engenharia? - persistiu o senhor Clodoaldo.

- Sim, sim, é verdade. Tenso respondeu Gregório.

- Pai, que pediu para Babá fazer?

- Uma massa italiana e seu doce favorito.

- Gosto muito da culinária italiana.

- Que mais gosta, Gregório?

- Da comida nordestina, aprecio tudo de meu nordeste. Falou de forma arretada de boa como todo pernambucano.

- Em nossas andanças por esse país descobrimos a riqueza da cozinha brasileira, mas não nego que a do nordeste é a que mais me encantou. Na realidade sinto que o nordeste nos trouxe e ainda promoverá mudanças extraordinárias para nossa família.

- Fico feliz, senhor Clodoaldo, especificamente aqui em Pernambuco dispomos de maravilhas que em outro lugar jamais encontrará.

- Pai, o Gregório me ajudou a conseguir um estágio num respeitável jornal local.

- Excelente notícia, filha, a cada dia tenho germinado consideração e apreço por você nobre rapaz.

- Tal estima é recíproca, senhor Clodoaldo - a boca de Gregório esboçava tais palavras enquanto seu coração agitado provocava-lhe um sentimento misto entre incertezas e carinho.

Fartavam-se das guloseimas servidas pela Babá, e a essa altura o garoto já questionava e ouvia atentamente o experiente engenheiro falar sobre seus conhecimentos práticos. Mas o olhar e postura do senhor Clodoaldo mudou:

- Garoto, que pensa a respeito desse relacionamento com minha filha?

- Pai, pare, por favor, não inicie com isso.

- Pondere-se, filha, escute-me.

- Avisei que você falava igualzinho ao meu pai – disse olhando para Gregório que engolia a saliva como se estivesse devorando um grande réptil sem mastigá-lo, por pouco não se engasgou com o doce português.

- Tenho-lhe uma proposta oportuna.

- Sou ouvidos, senhor Clodoaldo.

- Vejo que minha filha desenvolveu por você um carinho especial e digo que na condição de observador que sou, jamais a vi submeter-se a qualquer pedido de seus antigos namorados. Frequentar reuniões familiares e renovar até mesmo o guarda-roupa, isso foi algo incrível. Agradeço por ser o motivador dessas transformações.

- Pai, está me fazendo passar vergonha.

- Vergonha era ver minha filha a usar uma minissaia. Babá me contou que a doou e isso também é responsabilidade sua, Gregório, parabéns!

- Pai, por favor!

- Vamos ao que de fato é a razão desse jantar. Gregório, você quer casar com minha filha?

- Mas o que é isso? Disse Cecília.

Babá teve uma crise de tosse, e caminhou para a cozinha a procura de água. Cecília não sabia o que dizer nem como se comportar.

- Não estava preparado para um pedido desse, senhor Clodoaldo.

- Mas não precisa preparar nada, basta dizer sim.

- Creio que essa não seja a maneira adequada de decidirmos por um casamento.

- Não vejo maneira melhor. Não precisam ter preocupação alguma.

- Mas ainda estamos cursando a universidade.

- Isso não é impedimento.

- Mas ainda não temos uma casa.

- Podem morar na que comprei há uns dias, penso em nos fixarmos aqui nesse estado, estou perto de minha aposentadoria, e quero deixar essas andanças e trocas de casa.

- Nossos empregos! Atualmente apenas estagiamos – estendendo os braços e arregalando os olhos numa tentativa de convencer o senhor Clodoaldo se expressou Gregório.

- Já providenciei para que me substitua na empresa, penso em aposentar-me. Não haverá preocupação quanto a questões financeiras.

Cada argumento que Gregório expunha o senhor Clodoaldo contrapunha sem aprazas. Cecília tímida como jamais visto, parecia atuar o trecho da música de Secos e Molhados “muda, telepática”. Não cria que aquilo lhe estava a ocorrer.

- Encerremos de uma vez por todas esse diálogo que já se alongara bastante, responda-me apenas, rapaz, você ama a minha filha?

- Sim, senhor Clodoaldo. Em tom alto e afirmativo.

- Pois não duvido! - exclamou - só quem realmente a ama conseguiria suportar seus mimos e contorná-los ao ponto de provocar mudanças. Mais uma vez o parabenizo.

Estarrecida, Cecília sentia-se como num sonho. Isso não poderia ser real - em momentos pensava.

- Digo-lhes que às 19h do último domingo do mês seguinte celebraremos o vosso casamento. Permitirei que escolham os móveis e decorem a casa, de igual forma escolham o local, a decoração e o buffet servido na recepção para os convidados.

Convencido pela paixão e ambição, Gregório passou a aceitar a proposta.

- Senhor Clodoaldo, peço apenas algo para que firmemos esse esplêndido acordo de celebração de nosso amor.

- Diga-me!

- Quanto a Babá, sei que ela é muito importante para a família, que ama a Cecília com o amor de mãe, mas vejo que já é o momento de Cecília romper para mais uma fase de amadurecimento. Peço que a Babá continue com os cuidados, agora, exclusivos ao senhor, aqui em sua residência.

- Por favor! – exclamou Cecília rompendo o silêncio no qual navegava – estive apenas observando e como de forma anestésica concordei com esta negociação como se eu fosse um objeto.

- Não diga isso! Simultaneamente falaram o senhor Clodoaldo e Gregório.

- Nós a amamos e planejamos o melhor futuro que possa ter – disse o senhor Clodoaldo.

- Querida, você me ama? Questionou Gregório dirigindo-se a Cecília que com um olhar de paixão e medo respondeu sim.

- Acalme-se, está tudo bem – insistiu Gregório.

- Até posso aceitar o casamento repentino, o novo emprego para Gregório, a mudança de casa, mas deixar a Babá não é aceitável.

- Ela não a deixará, estará comigo, e sempre que possível a visitará. No mais, já está a tempo de aprender a cuidar-se e cuidar de outro, este o seu esposo. Ademais necessito de cuidados e companhia.

Enquanto a babá suspirava na cozinha e Cecília esvaia-se das forças que a impulsionavam a argumentar, o senhor Clodoaldo apertava as mãos de Gregório selando este acordo de união familiar.

- Cuidarei de ti, amar-te-ei com todas as minhas forças e te farei feliz – Disse Gregório a Cecília e finalizou o jantar beijando-a.

Amanda Danielle Rocha
Enviado por Amanda Danielle Rocha em 08/01/2019
Reeditado em 08/01/2019
Código do texto: T6545559
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