“O FAMOSO CONTO DE NATAL DE 2018!!” (Que ninguém vai ler, pois está muito grande)

I

Era noite de 24 de dezembro de 2018, e faltavam cinco minutos para meia noite...

Havia uma falsa floresta num parque, em que as pessoas pagavam pra passar as horas. Num espaço adequado, Túlio estava fazendo um piquenique com Alice e eles não se falavam direito. Ele segurava um pacote de biscoito de polvilho contra si como um menino de cinco anos, enquanto Alice tentava captar o sinal de alguma rádio que tocasse MPB, pelo celular. Não estavam brigados, nem nada, apenas faziam coisas... faziam e faziam e faziam, sem pensar muito nelas.

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Perto deles estavam uma mulher e sua filha adolescente. Naiana e sua filha, que eu tive que apelidar de “Barbie” (por ser menor de idade, e porque achei que seria “legal”), estavam sentadas num banco e se davam bem apesar de serem incrivelmente diferentes uma da outra.

Naiana era uma coroa riponga que vestia roupas indianas e saias enormes e miçangas feitas por ela mesma. Ela colava folhas de arruda pelo corpo e evitava sabonetes e shampoos. Naiana também odiava tudo que remetesse à politicagens e corrupções no país e no mundo... odiava grandes consumos de recursos, como comida e combustível... e protegia tudo que a natureza produzisse. Era uma verdadeira frequentadora de passeatas, movimentos sociais e etc. Se houvesse mesmo um grande revolução no país, com certeza estaria lá.

Já a Barbie fazia jus ao apelido...

Era uma verdadeira patricinha. Divertia-se acompanhando vídeos no Youtube, - que ditavam a moda - e frequentando lojas de grife, amava cultura pop coreana e se carregasse consigo um lema ou filosofia, esta seria “jamais use uma roupa por mais de duas vezes!”. Mas apesar de tudo tinha um lado generoso ao extremo, o que destoava demais com toda a sua vida semanal.

Todo os sábados desde 2014, Barbie saía de casa, pegava um ônibus até o bairro da Vila Laura e ia passar o dia no “Recanto das Crianças”, um pequeno orfanato. Barbie fazia todo tipo de trabalho voluntário por lá, desde ajudar na cozinha, limpar a casa, a cuidar de todas as crianças... Principalmente as menores. Era uma verdadeira “Mary Poppins” de Salvador.

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Um pouco mais distante das duas, e do casal... estava Pedro. Pedro era um escritor de contos de terror, e estava sozinho sentado numa pedra com um pequeno caderninho e uma caneta BIC preta. A caneta estava falhando e Pedro parecia estar enlouquecendo. Ele sacudia a caneta de tempos em tempos e suava no rosto... seu semblante era de dor física e visceral. E quando ele conseguia fazer a caneta funcionar, o semblante mudava para uma concentração calma e imersa.

Naiana o observava enquanto Barbie tagarelava algo sobre algum garoto de sua turma na escola e o fato de eles terem se beijado “apesar de ele ser LGBT”, ou algo assim. Nem sempre Naiana conseguia acompanhar... nem sempre ela QUERIA acompanhar as conversas da filha. Ela observava todas as caretas de Pedro... Até que Papai-Noel apareceu.

II

Todos pararam, perplexos com a visão do trenó descendo do céu levantando poeira e folhas. As renas tinham os olhos brancos brilhantes e seus chifres eram belíssimos e brancos como a neve. Mas o Papai-Noel deixava a desejar... O “bom velhinho”, era uma espécie de mendigo bêbado, segurando consigo uma garrafa de catuaba barata. Ele vestia uma camiseta branca com um coração desenhado na barriga, com a frase “Be Cool” escrita de amarelo... juntamente com um shortinho curto e vermelho, e um tênis All-Stars, também vermelhos, com cadarços brancos (desamarrados). Os cinco se levantaram e instintivamente se juntaram, mesmo não se falando, mas estavam próximos à ponto de se tocarem e quase darem as mãos...

- Ele é...é... – Gaguejou Barbie, largando o celular no chão.

- MEU DEUS! Olha em volta! Devem ter câmeras filmando a gente! É PEGADINHA!! – Gritou Alice, apertando o braço de Túlio, cravando as enormes unhas em seu braço. – Ihhhh!!! Saiiii, Aliiicêêêê!!... – Bradou Túlio.

Papai-Noel soltou um sonoro “RÔU-RÔU-RÔUUU”, meio rouco e embriagado, mas que porém, ressoou por toda a floresta como se tivesse um reverberado dentro de sua laringe.

- PAPAI-NOEL!!! Eu sabia! Eu SABIA!! – Berrou Naiana de um jeito meio fanático e histérico.

De repente todas as luzes e sons se cessaram e tudo o que ficou foram os cinco, encarando o velhinho, todos sob a luz amarela e falhada de um pequeno poste.

- EEIIIII... Liga as luzes, ué. – Disse Pedro. – Eu tô escrevendo!!

- Isso no teu peito.,. é vômito ou molho de macarrão?! – Perguntou Barbie, tentando usar a luz do celular para iluminar o Papai-Noel.

- Shh. SSHHH!! Para, sem noção! – Sussurrou Naiana – de modo que todos escutaram – sua mãe, arrancando violentamente o celular da mão da filha.

Túlio ficou de braços cruzados, com olhar desconfiado.

- O que você quer? – Perguntou.

- Esse tipo de pergunta, baby, sou EU que faço... – Respondeu Noel num tom debochado, notoriamente bêbado.

- BABY?! – Bradou Túlio.

Papai-Noel soltou uma gargalhada, que mais uma vez ecoou pela floresta.

- Você então, “marrentão” ... você vai começar falando. Diz aí, pro bom “velhin”, o que quero saber de TODOS vocês, meus filhotinhos... o que é que vocês REALMENTE desejam TER?

Todos se olharam, parecendo incrédulos. Talvez seja a cara que as pessoas que ganham na loteria fazem nos primeiros minutos, talvez até nas primeiras horas.

- eu... eu. Hummm...

- Pensa rápido cabrón... não tenho a noite toda, viu?!

- “Nunca pensei que o Papai-Noel fosse tão baixo astral,”. - Barbie sussurrou, torcendo o nariz e levando uma cotovelada da mãe em seguida. O gordinho também escutou, mas deixou para lá desta vez...

De repente Papai-Noel fez um movimento com a mão e uma luzinha – como um vaga-lume verde – que foi rapidamente em direção à Túlio, tocando sua testa. Agora então, ele só podia falar a verdade.

- Quero a Rosinha... quero me separar de Alice e ficar com minha Rosinha... – Ele respondeu, com os olhos molhados de lágrimas e um sorriso abobalhado na cara.

O bom velhinho pôs-se a bater palmas e pular feito um duende louco... as renas fizeram barulho como se comemorassem com ele. Todos – exceto Alice -, se sentiram compelidos a baterem palmas também.

- ROSINHA??!! A faxineira lá de casa, com SESSENTA ANOS DE IDADE??? – Urrou Alice.

- “O coração quer o que o coração quer.”. – Respondeu Túlio dando de ombros.

Logo em seguida Papai-Noel estalou os dedos e Rosinha, a faxineira, surgiu ao lado de Túlio, eles se abraçaram se beijaram e saíram correndo, mas Alice não os seguiu. Na verdade ela pareceu... aliviada.

- Eu, EU! EEU!! – Gritou Barbie, enquanto Naiana tentava segurá-la, desesperada de vergonha da filha.

Papai-Noel fez um sinal de calma, ainda não era a sua hora.

- Você... xuxuzinho, não fique triste! Quer o que de presente?! – Perguntou à Alice.

- Quero ter dinheiro e fazer aquilo que a JULIA fez! – Falou batendo palmas de olhos fechados.

Mais uma vez todos se entreolharam confusos, até mesmo Papai-Noel dessa vez não conseguiu interpretar o que Alice queria.

- QUEM DIÁXO É JULIA, XUXU?! – Perguntou balançando os braços e olhando o relógio com preocupação.

- Julia ROBERTS, ué!! Quero fazer tudo que ela fez no filme “COMER, REZAR E AMAR”. Comer pra cacete em lugares sensacionais, rezar em lugares maravilhosos... e transar com algum galã de novela!

Naiana e Barbie olhavam a cena embasbacadas... enquanto Pedro, que já se encontrava de volta à pedra, estava distraído... tentando escrever um conto de terror em que todos ali morressem, menos ele. Mas o bom velhinho o observava de soslaio, dando alguns discretos sorrisos ternos.

- Bom, ok... vai lá.

Papai-Noel mais uma vez estalou os dedos e do céu surgiu um helicóptero. Nele estava o Francisco Cuoco (jovem), de burca (e sem camisa...), jogando beijos e segurando consigo uma torta vienense. Alice sorriu, virou-se pros restantes ali, fez um sinal ridículo de “namastê” e correu para os braços do seu novo amor. Então Papai Noel se virou para Barbie e Naiana.

- Imagino que vocês queiram fazer algo juntas...

Mãe e filha se olharam sorrindo. Deram-se um abraço apertado e choroso, mas ficar juntas era o oposto do que queriam...

- Eu quero ir para a África do Sul, e quero fundar uma ONG. Ah, e quero dinheiro também, e quero ser bonita! ... esqueci de dizer... Barbie não era muito bonita...

- E eu quero morar em AREM-BE-PE!! - Berrou Naiana.

Papai-Noel tentou disfarçar um pouco a face perplexa e deu uma olhada em sua volta, e depois um leve rabo-de-olho para Pedro, que agora segurava o caderno... olhando a cena de boca aberta, pensando consigo; “Ela disse mesmo que quer morar EM AREMBEPE??!”. Papai-Noel então estalou o dedo – depois de um suspiro muito, muito longo... – e as duas desapareceram dali. Então o bom velhinho estalou os dedos e uma outra pedra surgiu ao lado de Pedro. Ele se aproximou do jovem escritor de contos de terror e se sentou ao seu lado.

- Vai me dizer: “só quero ficar sozinho e terminar o meu conto”, como todo bom artista, palerma e idiota, eu presumo... – Resmungou o gorducho num tom irritado...

- Quero muitas coisas. Tantas que não consigo decidir, daí acabo não tendo nenhuma. – Disse Pedro, de cabeça baixa enquanto tentava rabiscar em seu caderno uma espécie de caricatura do velhinho ao seu lado.

- Manda brasa... – Disse Noel...

- Uma namorada que não me infernize...; paz mundial, tipo assim... todo mundo se abraçando sabe?! ...; Ficar famoso que nem o Stephen King e ter meus livros transformados em filmes B!! ...; AH!! Eu queria que um rodízio de sushi aparecesse em meu quarto todas as quintas-feiras! ...; Xô veeeer... Ah, sim! Queria uma COLUNA NOVA... minhas costas doem, ando dormindo mal, carreguei muitos livros nas costas, era baterista quando jovem, minhas costas nasceram meio tortas...; Queria me formar em filosofia, mas sem fazer faculdade, apenas acordar filosofo e pronto, entende? ...; Ah! E uma amante, também! Além da namorada, uma amante ...; E também um papel no filme do...

“PLAFT!!!!”.

O barulho do tabefe na nuca que Pedro levou do Papai-Noel ecoou por toda a floresta. E enquanto o pobre escritor abraçava o caderninho com um olhar de coelho assustado, Papai-Noel partia apressadamente e olhando o relógio. Rapidamente seu trenó brilhou e as renas ficaram felizes. Logo tinham partido e mais uma vez Pedro se viu sozinho em sua pedrinha naquela “floresta-paga”, enquanto tentava escrever um conto de terror que lhe trouxesse sucesso.

- É... – sussurrou, conformado. – “Não há descanso para os amaldiçoados”, é o que dizem.

Fechou o caderno e correu dali, com medo de assalto.