Do que não disse
Bateu na minha porta uma nobre senhora. Eu abri e a recebi com um sorriso amável. Conversamos a respeito do que não mais podíamos adiar. Então, um silêncio repentino restou entre nós dois, sentado e mudo ele nos observava. A minha visitante tinha marcas no rosto, daquelas que o tempo desconta no corpo, deixando a idade se apresentar para além de especulações rasas.
Eu sabia. Apenas sabia que as vezes deixamos a felicidade ir embora pela porta da frente, não temos coragem para agarrar com força, cravar os dedos e dizer estou aqui, estou vivo! Eu sabia, conhecia as estratégias, a minha mente orquestrava os melhores planos, mas os meus pés não saiam do lugar. Eu já passara por situações parecidas, só que desta vez, eu ouvia o sussurro do “agora”, a dizer que eu era um derrotado.
Quando se faz planos e sua covardia não permite que prossiga, talvez, só talvez, seja a hora de rever seus métodos. Sempre articulei bons planos! Sempre os articulei... Agora, ela está sentada na minha frente, o rosto ainda ruborizado por conta do esforço, as escadas parecem não ter fim, esse prédio velho não é o melhor dos lugares, ainda me pergunto porque ela vem aqui.
Há um estranho entre nossos corpos, daquele que não permite que nos encaremos, que não nos deixa olhar nos olhos. Repousamos o rosto para o espaço vazio, mas até ali ele se apresenta, sinto um grande calafrio percorrer meu corpo, sou tão cético para ter um sexto sentido, não acredito nessas coisas, no entanto, o que vejo é o inacreditável. Vejo o que não consigo definir, nem ao mesmo falar sobre. Ela rompe o silencio dizendo que já estava de saída.
Eu sorrio e digo que tudo bem, abro a porta e acompanho a sua silhueta partir. Talvez eu pudesse dizer mais algumas palavras, talvez pudesse.