O desenho e a tinta
Quando se ausentou do pequeno estúdio, o artista, pôs-se a falar com ar vaidoso, uma mistura colorida de variadas tintas que esperava em cima de uma palheta, as mãos habilidosas do pintor para compor o desenho que descansava sossegado numa tela branca e serena.
- Bela sou porque tenho vida! Muito me assemelho com as matizes da natureza podendo até fazer com que me confundam com o que é real. Sou bela e luminosa e posso aparentar o sombrio e feio. Sou nas mãos de qualquer um, uma artista a representar diversos papéis.
- Nada de extraordinário parece-me você, retrucou o desenho. Com esse ar de graça, não é nada sem um debuxo. Se não existe forma, você é como um borrado sem graça que chamam de nódoa por aí.
- Diz assim porque inveja-me as cores. O que é você também? Um esboço desbotado, mal traçado, à espera de retoques coloridos para parecer então, algo como uma natureza que viva ou morta será irreal e imaginária.
- Sou um esboço, minha cara, mas já o sou. Antes “ser” do que viver à espera de ser usada e perpetuar em limites que certamente serão os meus.
A mistura silenciou pensando no que lhe dissera o desenho. De que adiantaria competir com a figura se ambos viveriam na mesma tela a ser exibida e admirada por todos?!
Com um suspiro ainda replicou ela atrevidamente:
- Posso viver em seus limites, mas graça a mim será apreciado.
- Ou criticado. Completou o desenho insinuando que a combinação poderia não ser perfeita em representar a realidade.
Diante da discussão criada pela tinta esquecida na palheta, o tempo passou e, depois de uma ou duas noites à espera pelo artista, usuário daqueles apetrechos, a tinta se calara e endurecera pela ação do tempo.
O desenho imóvel a olhava com compaixão quando o nobre pintor, com desprezo, a raspou de sua palheta para colorir seu desenho com uma nova composição de tintas.
Claudia Machado
1986
NOTA: Meu primeiro texto escrito em 1986, aos 17 anos. Por pura sorte, consegui resgatá-lo hoje nos guardados de minha mãe.
Quando se ausentou do pequeno estúdio, o artista, pôs-se a falar com ar vaidoso, uma mistura colorida de variadas tintas que esperava em cima de uma palheta, as mãos habilidosas do pintor para compor o desenho que descansava sossegado numa tela branca e serena.
- Bela sou porque tenho vida! Muito me assemelho com as matizes da natureza podendo até fazer com que me confundam com o que é real. Sou bela e luminosa e posso aparentar o sombrio e feio. Sou nas mãos de qualquer um, uma artista a representar diversos papéis.
- Nada de extraordinário parece-me você, retrucou o desenho. Com esse ar de graça, não é nada sem um debuxo. Se não existe forma, você é como um borrado sem graça que chamam de nódoa por aí.
- Diz assim porque inveja-me as cores. O que é você também? Um esboço desbotado, mal traçado, à espera de retoques coloridos para parecer então, algo como uma natureza que viva ou morta será irreal e imaginária.
- Sou um esboço, minha cara, mas já o sou. Antes “ser” do que viver à espera de ser usada e perpetuar em limites que certamente serão os meus.
A mistura silenciou pensando no que lhe dissera o desenho. De que adiantaria competir com a figura se ambos viveriam na mesma tela a ser exibida e admirada por todos?!
Com um suspiro ainda replicou ela atrevidamente:
- Posso viver em seus limites, mas graça a mim será apreciado.
- Ou criticado. Completou o desenho insinuando que a combinação poderia não ser perfeita em representar a realidade.
Diante da discussão criada pela tinta esquecida na palheta, o tempo passou e, depois de uma ou duas noites à espera pelo artista, usuário daqueles apetrechos, a tinta se calara e endurecera pela ação do tempo.
O desenho imóvel a olhava com compaixão quando o nobre pintor, com desprezo, a raspou de sua palheta para colorir seu desenho com uma nova composição de tintas.
Claudia Machado
1986
NOTA: Meu primeiro texto escrito em 1986, aos 17 anos. Por pura sorte, consegui resgatá-lo hoje nos guardados de minha mãe.