Tatá na Jaguaribe 2
Tatá na Jaguaribe 2
Não tinha horário melhor para Anunciata chegar. A prima, desde a infância, a auxiliou nas horas que ficava sem saída; situações que exigiam imaginação e inteligência, criava estrada a ela para ter o escape necessário a sair do problema.
Por vezes, Anunciata a apoiou descer de árvore, esconder as travessuras dos pais, forjar a entrada no salão de festas sem pagar ingresso. Certa vez se passou como fosse ela para ganhar no bingo, gincana da escola.
Cumprimenta a prima. Na ocasião se lamentava com o guarda pelo fato dele não querer conduzi-la até o guichê, que ainda estava distante. Naquele dia, a fadiga muscular nos braços era mais intensa, sequela da doença que portou, o peso das rodas sentia com mais realismo. Estava exausta.
A prima pergunta o que estava acontecendo. Tatá responde a meia boca, aflita e indignada, que ela tinha chegado em boa hora, o guarda iria deixa-la ali, era ordem superior. Estava cansada. Com a prima, teria carona até o guichê.
Anunciata, escandalosa! Diz ao guarda que ele estava fora do que diz a Lei da Acessibilidade, que a prima tinha direito de se ver atendida no acesso ao Hospital, seja em qualquer finalidade, na qualidade de visitante, paciente ou qualquer outro perfil. Era uma cidadã, com direitos e garantias constitucionalmente garantidos.
O guarda, tentando remediar a situação, que havia tomado uma conotação de protesto, diz à Anunciata que ali era entrada para visitantes e pacientes, havia uma outra entrada no pavimento superior, a entrada principal do hospital, que lá seria melhor atendida no acesso, havia, inclusive, estacionamento especial para idoso e deficiente físico, além de funcionário para auxiliá-la no acesso ao interior do Hosital.
Não foi para menos, para quem iria direto para o guichê com a prima, se viu como numa corrida de carrinho de rolimã, aqueles que os meninos da década de oitenta fabricavam para descerem ruas declinadas em cima deles, num verdadeiro esporte radical improvisado.
A prima sai em disparate com Tatá na cadeira de rodas, desce e sobe rampas e calçamentos, passando sobre obstáculos tirando fina, nervosa e indignada com a situação, esbravejando, sobrando até para Seu Nincas.
Dizia, “que país é este, que cidadania a exercer que não é colocada à disposição por alguns departamentos e espaços públicos aos cadeirantes, deficientes físicos e idosos. “Veja aonde está o estacionamento, Tatá. E pago ainda!”
Putz grilo, pensou Tatá, era longe mesmo, jamais daria para ir até ele sozinha, fazendo girar as rodas da cadeira com as mãos, jamais!!!!
Entraram no carro, Anunciata se dirigiu até a postaria principal onde o guarda disse que era o melhor o acesso.
Bom!!Encontraram bem em frente a entrada, um estacionamento privativo para cadeirante. Aproxima outro guarda, antecipando, antes do “oi”, o fato daquele estacionamento funcionar somente até as oito da noite.
Anunciata, que estava possessa de raiva, diminui a capacidade de ouvir o que o moço dizia, e devolve a pergunta, agora em pé do lado de fora do carro, abrindo o porta malas para pegar a cadeira de rodas.
Moço! não vai me dizer se eu tiver que deixar o carro aqui até depois da oito, com minha prima, na qualidade de visita ou acompanhante, não poderei sair por esta portaria, e nem retirar o carro do estacionamento?
O funcionário foi categórico:
___ Não, está vendo aquele protão? É fechado as oito. A senhora pode deixar no estacionamento pago, que fica logo ali.
E se eu não tiver dinheiro ?Anunciata abaixou a cabeça. Silenciou. Em outras situações, quando assim procedia, podia aguardar que vinha algo a mais.
Devolve outra pergunta ao guarda:
___Se minha prima vier sozinha, vocês não a auxiliará entrar no Hospital? O guarda da portaria da entrada para visitas, disse que aqui Tatá teria esta assistência?
O funcionário foi firme. Disse:
___ Não temos esta orientação.
Tatá pede para falar com o superior dele, chefe da portaria, ou na função parecida.
O guarda entra no hospital , saindo depois de alguns instantes, acompanhado.
Era o superior dele. Tatá narra todo o ocorrido, pede providência para se ver garantida no acesso ao Hospital por ali. Pede ajuda de algum funcionário para ida até elevadores, e quarto onde seu avô estava, em dias que chegasse sozinha.
O chefe do administrativo da portaria, muito carismático, íntegro e informado dos direitos à acessibilidade, pede para Tatá e Anunciata acompanhá-lo, disse que seria possível ser atendida nos pedidos, com exceção do estacionamento do carro, que era outro departamento.
Chegam até um balcão de atendimento, o chefe da portaria explica ao atendente a situação, solicita que ele fizesse o cadastro da cadeirante para ter acesso por ali às visitas, emitindo o crachá para as duas para a entrada naquele dia.
A cadeirante conseguia enxergar somente o que o chefe do setor dizia ao atendente,que estava do outro lado do vidro, instalado depois de mais de metro e trinta de parede. Somente pessoa em pé conseguia se comunicar com o funcionário.
Tatá vê Anunciata dizer:
__Você sabe o que é estar numa cadeira de rodas, com fadiga muscular empurrando ela, necessitando de ajuda para chegar em lugares de longa distância?
Saiu inconformada dizendo:
___Não acredito, o cara não quer liberar você para entrar, Tatá! Diz que foge às regras, ao protocolo que segue.
Tatá desespera, segue no propósito de ir até as últimas consequência, sai rodando com as mãos as rodas da cadeira corredor afora, pedindo em voz alta que queria falar com o primeiro escalão do Hospital.
Aquele chefe de portaria que tinha liberado preliminarmente sua entrada, passa exercer a postura do “deixa disso”. Fala:
___Calma, senhora. Chamarei o Diretor Geral da portaria do Hospital. Ele resolverá.
Tatá e Anunciata perderam a pressa, apesar da saudade imensa do Avô, que estava sozinho no quarto, aguardando ansiosamente a visita.
Teriam que ir até o fim. Depois de mais de meia hora, aparece o Diretor. Muito educado, colhe as informações do ocorrido, vai até o funcionário do balcão, antes, pede o RG de tatá, e de Anunciata.
Diz alguma coisa ao funcionário, que ouve cabisbaixo. Volta o Diretor se desculpando o ocorrido. Conduz Tatá e Anunciata até o elevador, depois de percorrerem uma longa distância, passando por uma multidão de pacientes e transeuntes.
Aguarda as duas pegar o elevador, e antes de sair, diz que entraria em contato com Tatá informando as orientações de como se ver assistida na entrada do Hospital, e na vaga no estacionamento.
Despede-se, sugerindo que ligasse na ouvidoria do Hospital, comunicando o ocorrido, pedindo providências.