Vida, en...fim

Sentia-se atormentado sempre que apresentavam alguma ameaça às suas vontades ou se soubesse que a sua opinião foi indevidamente registrada e não fosse aceita.

Dono de uma personalidade forte, jamais concordou com as poucas vezes que não era bem sucedido em alguns dos seus atos durante sua a vida, ignorando suas vitórias que passavam sem importância diante de sua incontrolável vontade de vencer sempre.

Coração capaz de realizar as maiores caridades ou as piores crueldades não respeitava os meios para se obter tudo aquilo que significaria fazer como a coisa certa e na hora certa.

Não respeitava muito a opinião dos outros e não admitia meio termo: era oito ou oitenta e sem margem alguma para qualquer negociação. Também nunca buscava uma saída honrosa para suas derrotas, preferindo sofrer com o seu gosto amargo a deixar-se convencer.

Isso sempre trouxe muito aborrecimento, pois, após a tomada de decisão, jamais admitia um novo caminho que talvez levasse ao mesmo resultado, porém sem deixar mágoas e cicatrizes.

Muitos foram os frutos dessa característica um pouco dura, mas agora começava a admitir que um pouco de flexibilidade nas decisões, aliviaria o sofrimento de outros.

Os tempos são outros, as dificuldades menores, o coração forte e o temperamento frio começam a dar razão para o que seu cérebro vem tentando dizer.

Já enxerga que é preciso adotar outra postura, pois uma velha arrogância já não lhe conduziria a mais nada e não haveria outras vitórias a conquistar.

Começava a entender que o fato de sua idade estar um tanto avançada, daria a ele pouco tempo para começar algo novo e que suas decisões já não afetariam em nada o que bem entendesse ser o certo ou errado.

Para que sofresse menos ou tornasse outras pessoas ao seu redor mais felizes, admitiu mudar sua maneira dura de tratar seu mundo, aceitando trilhar outros caminhos nunca dantes navegados.

A vida é sempre um aprendizado e se viveu tantos anos causando desgostos e dissabores para o mundo que esteve ao seu redor, o que estaria deixando de legado pela sua passagem pelo mundo?

Quando descobriu que deveria realizar uma cirurgia no coração de extrema complexidade e grande risco, sentiu-se ameaçado por não ter proporcionado a si mesmo uma vida melhor.

Passou a não se importar com os horários e a presença em compromissos assumidos, fazendo com que os outros que o deixavam na espera e na dúvida, agora passassem para o outro lado.

Não se importava mais com as coisas fora dos lugares e ainda era capaz de colaborar para aumentar a anarquia, espalhando sua tralha por onde passava.

Parou de quitar seus compromissos financeiros em dia, testando a paciência e compreensão de seus credores.

Aprendeu a sentar-se num banco de praça, comprar um sorvete ou uma pipoca e a ficar por horas contemplando o tempo, este que agora passou a ter de sobra e que durante toda a vida não pôde usá-lo.

A partir de agora só viajaria de carro e quando fosse possível iria de trem, buscando sempre alguma companhia que lhe proporcionasse prazer e alegria.

Ao desconfiar de que algo valeria a pena, hospedava-se numa cidade em que estivesse, passando alguns dias explorando os locais, pois dizia que depois de dois dias era fácil começar a gostar do lugar e das pessoas e era nesse período que descobria alguma coisa que lhe chamasse atenção.

Começou a gostar de ficar mais tempo trocando prosas e experiências com outros que estavam em mesmo estado de espírito e às vezes começava a freqüentar a casa de amigos novos e a receber os mesmos, trocando idéias e objetos guardados durante tanto tempo.

Sentia-se cada vez mais interessado a conhecer melhor as coisas que durante toda vida passavam despercebidas ou mal entendidas, mas agora daria valor a tudo que tanto desprezou por serem coisas simples ou óbvias demais.

Procurava dormir o mínimo possível pelo resto da sua vida, na tentativa de compensar o que perdera e prometia a si mesmo que não se passaria outro minuto sequer sem pensar ou fazer algo de bom.

Seus conselhos vinham seguidos de exemplos de seus momentos vividos, mas seus verdadeiros ensinamentos eram suas narrativas de passagens difíceis, pois ressaltava que se aprende muito mais em seus desafios e dificuldades encontradas pela vida.

Existe uma frase que diz assim: “Viva cada dia como se fosse o último da sua vida. Um dia você acerta.”

Depois dessa cirurgia e da recuperação, isso não era mais sua preocupação, sentindo-se feliz por ter realizado tantas coisas e com muita vontade de continuar a viver a vida sem se preocupar em acertar sempre.

Todo esse pensamento se passou logo que saiu do consultório do cardiologista. Sorriu para sua esposa e seu filho, com a notícia que sua cirurgia que tanto lhe preocupava acabava de ter comprovado seu sucesso. Com a prótese e o marca passo implantados teve a opinião do médico que não haveria outro susto por causa de seu coração.

O momento de recomeçar uma nova vida, deixando para trás a agonia de ter que feito escolhas que nunca haviam contribuído para sua felicidade.

Ael
Enviado por Ael em 23/11/2018
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