Começar de novo
Estava quase tudo pronto para a festa.
Uma mistura de aromas deixava o ar com muitas nuvens de sabores, vinda da área das cozinhas, resultados da quantidade e diversidade de comidas que estavam preparadas nos fogões e nos fornos. Em copas anexas, estoques de todos os tipos de bebida imaginável nas geladeiras e nos balcões de serviços. Cozinheiros e seus auxiliares dando os últimos retoques para que tudo ficasse como sempre. Dezenas de garçons se preparavam nas copas anexas para iniciar mais uma grande festa.
Algumas pessoas trabalhavam nas diversas salas e varandas, aprontando e dando os últimos retoques na decoração dos ambientes.
Estava à frente de tudo que era feito, escolhendo tudo de acordo com o gosto de cada um, tornando ainda melhores aqueles momentos em que estaria junto dos seus convidados.
Para ele a realização dessa festa representava sempre o momento de recomeçar a vida, traçar novos planos e iniciar outro período com muita energia e esperanças.
Como de costume cada um viria abraçar-lhe carinhosamente, agradecendo ao convite e pela companhia em mais um momento de muita felicidade.
Sentia falta daqueles que não compareciam por motivos de viagem, outros por doença, mais sentia muito mesmo pela ausência dos que nunca mais viriam ou por não estarem mais nesse mundo, pois nessa hora o coração apertava, com as lembranças dos momentos vividos em outros encontros, compartilhando alguma passagem da vida.
Olhando-se no espelho ainda via a imagem da mesma pessoa cheia de sonhos, como muitos projetos a fazer, principalmente aquelas coisas que ainda não teve tempo ou a oportunidade adequada.
Desejava realizar as longas viagens por vários países exóticos, aprender a velejar e a pilotar seu próprio avião. Tudo isso era adiado por outras prioridades que sempre apareciam.
Procurava ajudar de alguma forma às pessoas a realizarem seus sonhos, como ele pode realizar os seus, deixando de lado alguma programação de lazer o que fazia com que sempre adiasse alguns de seus planos.
Assim, entre um abraço e uma conversa surgiam novos amigos, novas idéias, pensando sempre nas possibilidades para ajudar alguém a ser feliz. Sentia a obrigação de retribuir o quanto a vida lhe fora generosa e sua missão principal era abrir caminhos de esperança para aqueles que dele se aproximavam.
Sempre cultivara a melhor convivência e sua bondade e generosidade atraia pessoas de vários círculos de convivência e que viam nele um exemplo e uma luz a ser seguida.
Mantinha um número de empregados sempre além do necessário, pois por falta de preparo para um trabalho digno, acabam sendo contratados por ele para desenvolver alguma de suas idéias ou auxiliá-lo em novas tarefas que ele logo criava para dar uma oportunidade de trabalho e condições de vida para uma pessoa.
Mas sua prioridade no dia de hoje não estava relacionada a nada daquilo que estava acontecendo à sua volta. Estava atento aos detalhes que tanto recomendava e exigia que fossem cuidados, mas aquele dia poderia ser diferente em função da sua noite mal dormida.
Sua paixão e zelo pelos amigos sempre o colocava rodeado pelas amigas que vez por outra investiam na tentativa de ter um relacionamento permanente diante da segurança que todas viam nele. Não que ele não gostasse de alguma em especial, mas ele preferia a companhia e o mimo de todas, não desejando abrir mão do afeto de nenhuma delas.
Seus dois casamentos anteriores não foram mantidos por ciúmes e desconfiança das esposas, pois por mais dedicado que fosse, estava sempre dando atenção a alguma recem chegada.
A casa era especialmente projetada para ser um clube de festas, uma casa de campo para fins de semana, mas que a usava como residência, pois era possível acomodar hóspedes que permaneciam por meses ou os convidados especiais em suítes como num hotel e ainda oferecer múltiplas atividades esportivas e culturais.
Mantinha num dos salões uma vasta biblioteca, ao lado de uma sala de projeções, um salão com duas mesas de sinuca e diversos jogos.
Na área externa uma quadra de tênis e outra de futebol, local preferido dos mais novos e que nunca estava vazia. Ao lado e circulando toda área externa, uma piscina em forma de ameba unia vários ambientes formados por grandes quiosques, nos quais estavam reservados para a festa, onde parte da festa aconteceria logo mais.
O movimento dos convidados começaria em alguns instantes.
Saiu do banho e agora procurava uma roupa confortável para aquele dia, pois pretendia apresentar-se com a mesma disposição de sempre e terminar aquele dia como estava planejado.
Para afastar um possível desânimo e angústia, resolver descer até a adega, para degustar um vinho e comer alguma coisa, para tentar restabelecer o corpo e afastar os sinais da noite mal dormida.
Passou pela cozinha e logo saiu com um pão acabado de sair do forno e recheado com fatias de carne de cordeiro, que acabava de sair do forno.
Seria impossível passar despercebido por entre as salas e logo aproximaram duas amigas que estavam hospedadas na casa, para acompanhá-lo até a adega. Logo perceberam sua inquietude e preocupação e antes que alcançasse a garrafa desejada, foi recebendo perguntas sobre sua inquietação.
Mas seu bom humor constante não permitiu respostas inadequadas e que deixassem atrapalhar aquele dia de festas. Dividiu o pão recheado com as duas e após servirem-se do restante da garrafa do belo vinho, brindaram aquele encontro, como se fosse o primeiro.
A banda já estava posicionada e iniciou os primeiros acordes e aproveitando a interrupção na conversa pela música vinda do salão e notando a necessidade do anfitrião que denotava querer ficar por ali, deixaram suas taças e saíram apressadamente, embaladas pela canção e pelo vinho.
Abriu outra garrafa, encheu sua taça novamente e acomodou-se no sofá para folhear um encarte de viagens, imaginando aonde seria seu próximo verão. Em poucos instantes após terminar com toda garrafa, já se via viajando pelas praias do Mediterrâneo em um dos cruzeiros preferidos.
A maioria dos convidados já era conhecida, mas alguém sempre trazia um novo amigo e esse era o segredo daqueles encontros, pois assim é que iam aumentando a quantidade de pessoas, que com o passar do tempo iam também substituindo os ausentes.
A idéia dessa festa é de reunir o maior número possível de amigos e conhecidos para juntos comemorarem um novo ciclo na vida de cada um, reiniciando uma era de realizações e também de novos encontros festivos.
Os primeiros a serem vistos foram dois de seus netos que a pouco chegaram da França, interrompendo seus estudos por uma semana, para curtirem momentos com seu avo.
Diferentemente do que ele esperava não se movera para lhe abraçar como sempre e apenas acenaram de onde estavam. A princípio não deu muita importância, pois os jovens geralmente agem diferentemente do que esperamos. Mas isso já o deixou incomodado com suas indiferenças pois seus comportamentos não se alteraram após ele acenar por diversas vezes para que eles se aproximassem, apesar de entender que estavam comportando-se como jovens.
Tentou aproximar-se deles, mas a cada passo na direção em que estavam, eles pareciam distanciar-se e logo não podiam mais ser vistos no meio das demais pessoas.
Algumas pessoas que ele via e tentava aproximar-se, simplesmente sumiam entre outras como acontecera a pouco com seus netos, sem que ele conseguisse estabelecer um contato com alguém naquele instante.
Depois de tanta dedicação e trabalho para reunir essas pessoas em torno de uma grande festa, ele se sentia incomodado por não conseguir partilhar aqueles momentos de alegria, pois sua expectativa era maior em relação ao que se sucederia nos próximos instantes.
Desde a madrugada daquela noite mal dormida, tentava compreender algumas coisas que estavam acontecendo naquela festa, pois nada deveria ser motivo para a falta de entusiasmo e alegria que ele presenciava.
Tentou distrair-se orientando alguns empregados, mas seus pedidos não estavam sendo ouvidos e agora nada era realizado conforme sua vontade, notando total descaso com sua presença.
Percebia que alguns convidados estavam aos cochichos e não entendia que clima era aquele, pois alguma coisa acontecia de forma diferente em relação à sua expectativa para essa festa.
Esse incômodo ia tomando conta de seu espírito e agora notava que a iluminação não estava adequada, os músicos tocavam sem harmonia e percebia que a música contribuía para aumentar a falta de interesse de todos pela confraternização.
Ao tentar aproximar-se de alguns familiares que estavam reunidos numa das salas anexas ao grande salão, percebeu que não o viam e enquanto aproximava-se da mesa, iam dispersando-se na multidão, sem lhe dar qualquer atenção.
O dia não era para preocupações, mas ainda não desconfiava o que estava acontecendo naquela festa. Procurava agora sua irmã para falar-lhe dos acontecimentos e de sua angústia, pois era ela quem estava sempre ao seu lado, ajudando em algum detalhe que ele deixasse de perceber, mas dessa vez ela também estava distante, sem demonstrar qualquer interesse pela festa.
Sem saber mais o que fazer para resolver aquela situação e tentando afastar sua ansiedade resolveu procurar seu lugar preferido na casa, em um dos salões, onde podia avistar um dos jardins onde estava a maior parte das pessoas.
Assentou-se confortavelmente numa das poltronas com vista para o jardim e passou a observar o movimento dos convidados. Chamou um dos garçons que passava por perto, mas percebeu que ele passou direto, com se ele nem estivesse ali, sem lhe oferecer alguma bebida.
Já em estado de extrema ansiedade debruçou-se no guarda-corpo da varanda e soltou um grito para que todos lhe dessem atenção, mas a tragédia maior estava por vir; desequilibrou-se e despencou do segundo andar da casa.
Ainda em desespero, se via flutuando no ar e ainda pode observar seus convidados aplaudindo aquela cena, que logo foi interrompida quando recebeu de um cutucão e ouviu uma voz conhecida.
Era seu filho, que após procurá-lo por toda casa, foi encontrá-lo assustado e sonolento na poltrona da adega ao lado de duas garrafas de vinho, enquanto lá fora todos o aguardavam com muita ansiedade para iniciarem outra grande festa.