Sólito VI

Sua mais nova e bela amiga entupira sua caixa de mensagens com lembretes e pequenas declarações. Satisfazia-se com isso, pensava que talvez fosse possível esquecer a antiga inspiradora de seus poemas, afinal ela estava cativa e entregue àquele relacionamento que embora a embriagasse de temores fazia-a provar um sabor caloroso e misto similar ao agridoce. Debruçou-se sobre papel e caneta numa tentativa de ordenar palavras em sentido e sentimento, ainda era vão. Pequenos lapsos de memoria o perseguia, no que lutava tolhendo as asas desses sonhos pretéritos, mas tão recorrentemente os sonhos o vencia. Já não chorava, as lágrimas se converteram em passeios e cinemas em nova companhia. Passara-se tempo desde o último encontro e agora já estavam desfrutando as férias, não a viu sequer nas avaliações finais, questionou até aos professores, descobriu apenas que fizera as avaliações em período especial. Arriscou e foi até a sua casa, mas ninguém atendia. As mensagens e ligações eram sem retorno, não comentava com ninguém, mas seu coração preenchido pelo medo e arrependimento doía.

“Guardei-as, eu temi pronunciá-las

Ainda que as dissesse, palavras!

Quão doces e tristes palavras minhas

Ineficazmente jamais narraram

o quanto que eu te amo. Te amo!”

Assim, arriscava alguns decassílabos, mas logo paralisava no tempo, distraía-se com o vibrar do celular alertando uma nova mensagem convidativa a novos passeios e preenchimento de seus lábios, contudo os beijos que ansiava só poderiam ser realizados noutra boca. Outra vez insistia com os versos:

“Amo-te não num instante pequeno

Não num presente, somente, não sente?

Docemente entrega-te, sente-me!

Ouça, pois meus olhos há de revelar

E se palpitar o vosso coração

Mira-lhe profundamente, pois talvez

Esse sentir seja mútuo, percebes?

Sinfonia cardíaca sintamos

Dê-me tua mão vamos bailar, festejar!”

Ao concluir tratou logo de lançar ao lixo, detestou-o, e mais, queria esquecê-la. Aceitou o convite e saiu para mais uma sessão de cinema. Estava na fila para a compra do ingresso, sua companhia selecionando as guloseimas. Enquanto observava as pessoas ao longe a avistou, linda e leve; caminhava com um imenso sorriso estampado ordenando ainda mais sua pálida face. Fitou seus passos e os comparou aos de uma bailarina que alcança todo o equilíbrio necessário para realizar os mais complexos passos; ela aproximava-se e com gestos dizia-lhe que tudo estava bem. Seu coração palpitava, por ora até esquecera sua colega, apenas encontrou-a em seu olhar, ela estava diferente, não sabia o que era e não teve tempo para conjecturar; ela chegou e antes mesmo que ele pronunciasse “olá”, beijou-o ardentemente. Ele não compreendia, e nem queria, apenas correspondeu. Foram embalados pela sinfonia cardíaca.

Amanda Danielle Carmo
Enviado por Amanda Danielle Carmo em 11/11/2018
Reeditado em 11/11/2018
Código do texto: T6499914
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