DE UM SEMINÁRIO SOBRE A LÍNGUA PORTUGUESA-PARTE VI
Comecemos com um JOGRAL:
Poema “Canção do Vento e da Minha Vida” , de MANUEL BANDEIRA
“O vento varria as folhas. / O vento varria os frutos. / O vento varria as flores... / E a minha vida ficava / Cada vez mais cheia / De frutos, de flores, de folhas.”
“O vento varria as luzes. / O vento varria a música. / O vento varria os aromas... / E a minha vida ficava / Cada vez mais cheia / De aromas, de estrelas, de cânticos.”
“O vento varria os sonhos / E varria as amizades... / O vento varria as mulheres / E a minha vida ficava / Cada vez mais cheia / de afetos e de mulheres.”
“O vento varria os meses / E varria os meus sorrisos... / O vento varria tudo,,, / E a minha vida ficava / Cada vez mais cheia / De tudo.”
MINI-INTERPRETAÇÃO: Vento no sentido de tempo. Tempo (vento) varrendo meses elimina a si mesmo ao passar.
- - - - -
PINCELADAS DE ESTILO E ESTILÍSTICA - OPERADORES POÉTICOS - FIGURAS DE LINGUAGEM: emprego de palavras fora de seu sentido natural (tropos):
1---RECURSOS FONOLÓGICOS ou EXPRESSIVIDADE FÔNICA - aspecto de estilística onde fonemas /sons/ são usados com objetivos simbólicos, representando acusticamente uma idéia)
--- ASSONÂNCIA (repetição intencional de vogais tônicas) - “A onda”, de Manuel Bandeira - “a onda anda / aonde anda / a onda? / a onda ainda / ainda onda / ainda anda / aonde? / a onda a onda”
---ONOMATOPEIA (sinal acústico, representação gráfica de sons imitativos cujo significado é dado pelo receptor) - “atchim, trimmm, grrr, miau, cocoricó, crash, vupt, toc-toc, puc-puc”
---VOCÁBULO EXPRESSIVO (conjunto de fonemas dotados de função morfológica que repetem os sons de uma onomatopéia) - “miar, latir, grasnar”
---ALITERAÇÃO (repetição de fonemas para sugerir um som) - “tique-taque, zunzum”
---COLITERAÇÃO (repetição dos mesmos sons vocálicos) - “picado de farpas, varas, galhos, folhagem” - “vento quente que a gente sente todo dia”
---ALTERNÂNCIA VOCÁLICA (troca de vogais) - “Eva viu a uva, Ivo viu o ovo.” - “América do Sul, do Sol, do Sal.”
---CACÓFATO ou CACOFONIA (encontro de sílabas de dois ou mais vocábulos e formam um novo termo de sentido inconveniente ou ridículo em relação ao contexto) - “boca dela” - “mamo ela” - “Na vez passada, viajamos.”
---ECO (repetição, com intervalos, de palavras que terminam de modo semelhante) - “Naturalmente o menino doente necessita de socorro urgente.”
---HIATO (vogais tônicas que se aproximam em hiato numa sucessão de palavras) - “Já há água na caixa.”
---COLISÃO - “O ramo da rosa roçava o rosto da rubra menina.”
2---RECURSOS MORFOLÓGICOS
---DIMINUTIVO - “Meu gatinho telefonou ontem.”
---AUMENTATIVO - “Ela é um mulherão.”
3---RECURSOS SINTÁTICOS ou DE CONSTRUÇÃO
---ELIPSE (supressão de uma ou mais palavras da frase, facilmente subentendidas sem prejudicar o sentido) - “Tudo (é) tão difícil depois que vos calastes.” - “Teces toalhas de mesa e a tua mesa (está) vazia.” - “No fim da festa, sobre as mesas, apenas (há) garrafas vazias.”
---ZEUGMA (tipo de elipse que consiste na omissão de termo anteriormente citado) - “O dia estava frio; o vento, cortante.” - “Nós viemos do Rio; ele, de Niterói.”
---ASSINDETO (ausência da conjunção entre elementos coordenados) - “Saí, fui ao mercado, à farmácia, à livraria, voltei para casa.”
---POLISSÍNDETO (repetição do conectivo entre os elementos coordenados) - “Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua.” - “Que o envolve, e enlaça, e prende, e aperta...”
---ITERAÇÃO ou REPETIÇÃO (repetição de um termo ou palavra qualquer, não apenas o conectivo, como recurso estilístico) -
Poema “Cidadezinha qualquer”, de CDA
Casas entre bananeiras / mulheres entre laranjeiras / pomar amor cantar. // Um homem vai devagar / Um cachorro vai devagar / Um burro vai devagar. // Devagar... as janelas olham. / Eta vida besta, meu Deus.”
---HIPÉRBATO ou INVERSÃO (alteração na ordem das palavras) - “Futebol, eu não discuto.” - “Dos meus livros, cuido eu.”
---ANÁSTROFE (hipérbato atenuado: anteposição do determinante ao determinado; inversão de palavras cuja ordem direta pode compor-se naturalmente) - “é servir a quem vence o vencedor”
---PLEONASMO (repetição redundante-enfática de uma palavra ou idéia que aviva a elocução) - “A mim, ninguém me engana.” - “Ele vive sozinho uma vida solitária.”
---PLEONASMO VICIOSO (não têm valor de reforço; fruto do ‘desconhecimento’ do sentido da palavra) - “subir para cima, descer para baixo, entrar para dentro, sair para fora, voltar atrás”
---ANÁFORA (repetição da mesma palavra ou expressão no início de frases ou períodos) - “Na solidão solitude, na solidão entrei, na solidão perdi-me, nunca me alegrarei’ - “Grande no pensamento, grande na ação, grande na glória, grande no infortúnio, ele morreu desconhecido e só.” - “e sob as ondas ritmadas (...) e sob as labaredas e sob o sarcasmo (...) e sob os gonzos da família e da classe.........”
---EPÍSTROFE ou EPÍFORA (repetição das mesmas palavras no fim de cada membro da frase) - “o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia” - “Gestos largos, esperanças de mundo largas, verdades largas, consciências largas...”
---SIMPLOCE (caso simultâneo de anáfora e epístrofe, ou seja, repetição no começo e no fim) - “Como é misterioso nascer! como é escuro nascer! como é úmido nascer!”
---ANTIMETÁBOLE ou ANTIMETÁTESE (repetição numa frase/verso das mesmas palavras da frase/verso anterior numa ordem diferente) - “O dente morde a fruta envenenada, a fruta morde o dente envenenado, o veneno morde a fruta e morde o dente” - “ser tão sem, sem ser tão, tão sem ser”
---ANADIPLOSE (repetição no início da frase/verso da(s) palavra(s) final(is) da frase-verso anterior) - “Submeto-me e sinto-me quase alegre, quase alegre como quem se cansa de estar triste.”
---BRAQUILOGIA (substituição de uma expressão por outra mais leve) - “Entrei (na sala) e saí da sal.”
---ANACOLUTO (ruptura da ordem lógica da frase, recurso muito utilizado em diálogos, como reprodução da língua falada ou caracterização de estado de confusão mental) - “Deixe-me ver... É necessário começar por... Não, nada disso.”
---EPIFONEMA (frase-comentário acrescentada ao final de um período/estrofe, sintetizando o pensamento do autor sobre o que foi dito) - “Eta vida besta, meu Deus!”
---SILEPSE (concordância feita com termos subentendidos na frase e não claramente expressos):
---de número - “A multidão (sentido coletivo) foi tomada de alegria: riam e aplaudiam ao mesmo tempo.“
---de pessoa - “Todos do grupo estávamos )inclusão do falante) contentes com o trabalho.”
---de gênero - “Vossa Excelência (refere-se a um homem) parece muito cansado.“
4---RECURSOS SEMÂNTICOS ou DE PENSAMENTOS ou DE PALAVRAS
---METÁFORA (comparação implícita, sem a presença dos termos comparativos) - “o ouro do sol” - “negro pecado” - “A Terra é uma laranja.”
---ALEGORIA (sucessão de metáforas)
---METÁFORA SINESTÉSICA (acúmulo de impressões sensoriais: 5 sentidos e temperatura) - “voz doce” (impressão auditiva, isto é, sentido da audição + impressão gustativa, isto é, sentido do paladar), cor berrante, perfume verde, piada saborosa, cheiro gostoso, frase picante, gesto áspero, sorriso amargo, gargalhada insípida, música suave, palavra melosa, careta glacial, amor fervente, carinho morno”
---GÍRIAS METAFÓRICAS - “abacaxi, berro, broto, canhão, cara-de-pau, cobra, facada, gato, grilo, jóia, lixo, onda, quadrado, sabão, tampa” (tarefa difícil ou dificuldade, revólver, mulher jovem, mulher feia, cínico, quem é bom em alguma coisa, pedido de dinheiro emprestado, ladrão, preocupação, coisa boa ou de valor, sem dinheirro, confusão, antigo-tradicional-ultrapassado, descompostura ou cesura, cabeça)
---PROSOPOPEIA ou PERSONIFICAÇÃO (variedade de metáfora: ser não humano comparado implicitamente a humano; dar ação a ser inanimado) - “loura chama do braseiro” - “A vida olhada de frente, dá vontade de chorar.”
---CATACRESE (tipo de metáfora antropomórfica não percebida porque de uso corrente: emprego de um termo figurado pela falta de outro mais próprio) - “perna da mesa, dente de alho, braço da cadeira, asa da xícara, cabeça de alfinete” - “Embarquei no ônibus das dez.” - “Haverá sabatina na próxima quinta-feira.”
---METONÍMIA (ampliação do âmbito de significação de uma palavra ou expressão, partindo de uma relação objetiva entre a significação própria e a figura) - “Li Camões ontem.” (autor pela obra) - “Ele nunca teve o seu martelo.” (objeto de trabalho)
---SÍMILE OU COMPARAÇÃO (comparação explícita com os termos comparativos presentes) - “mais magra que (do que, tal qual) um cabo de vassoura” - “surda como uma porta” - “cabelos mais negros que as asas da graúna”
---SÍMBOLO (valor universal representando determinado fato) - “branco / paz” - “bandeira branca / trégua” - “V da vitória”
---IRONIA (aproveitando-se do contexto, palavras que devem ser entendidas no sentido oposto do que aparentam transmitir; sarcasmo) - “Garoto inteligente: zero em matemática.” “Este viaduto liga nenhum lugar a lugar nenhum.”
--- ANTÍTESE (idéias contrárias colocadas lado a lado) - “meu mel e meu sal” - “que seja infinito enquanto dure”
---PARADOXO (junção de duas expressões opostas, aparentemente incompatíveis numa só unidade - espécie de antítese concentrada, diferindo só na forma pois a antítese apresenta dois membros e o paradoxo funde-os num só) - “Os mesmos braços que eram abrigo hoje transmitem solidão.”
---CLÍMAX ou GRADAÇÃO (gradação ascendente) - “anda, corre, voa”
---ANTICLÍMAX (gradação descendente) - “Era pobre, subalterno, nada.”
---EUFEMISMO (suavização de idéia desagradável ou triste que a autêntica expressão causaria) - “Ele foi morar com Deus.”
---HIPÉRBOLE (exagero) - “Rios te correrão dos olhos..”
---POLISSEMIA (a mesma palavra com mais de um significado) - “manga (fruta, de roupa, de abajur etc.), cabeça (de pessoal, parte superior, chefia etc.)”
---PARONOMÁSIA (exploração estilística e poética da polissemia, da metonímia e da paronímia: espécie de trocadilho, jogo com palavras; jogo estilístico de significantes e significados) - “A Europa é velha onde só interessa o dinheiro e há mulheres com boas pernas (parte do corpo) que querem nos passar a perna (lograr, enganar).” - “O mundo valer não vale (não tem valor), tal como sombra no vale (lugar entre montanhas), a vida baixa...”
---PARONOMÁSIA SINTÉTICA (palavra polissêmica usada uma só vez e compreendida por mais de um significado, sem prejuízo para a frase) - “O coador é um saco!” - publicidade de cafeteira, dispensando o coador de pano
---PERÍFRASE (substituição de um nome comum ou próprio por uma expressão que o caracterize) - “O povo lusitano (os portugueses) é trabalhador.” - “astro-rei, última flor do Lácio, Veneza brasileira, Cidade Maravilhosa, Cidade-Luz”
---ANTONOMÁSIA (substituição de nome próprio por palavra que representa característica marcante do nome) - “Livro Sagrado, Poeta dos Escravos, Rainha do Mar”” (Paris, Bíblia, Castro Alves) - “Este mulato de gênio lavrou na pedra-sabão todos os nossos pecados.” (Aleijadinho)
---APÓSTROFE (interpelação violenta com que nos dirigimos a pessoa ou coisa presentes ou ausentes) - “Pai, pai, por que me abandonaste?”
---ENUMERAÇÃO CAÓTICA (coordenação-combinação de duas ou mais palavras que não têm nenhuma afinidade semântica e pelo inesperado provoca um humor bastante expressivo) - “Aula de catecismo e judô” (porta de igreja católica) - “Perdi o bonde e a esperança.“
F I M