DE UM SEMINÁRIO SOBRE A LÍNGUA PORTUGUESA-PARTE V

Um professor “improvisado”, socialmente voluntário, gravando e resumindo a posteriori.

USO SEVERO DA GRAMÁTICA... ou não?!... Há 3 sentidos ou definições desta palavra:

1---GRAMÁTICA NORMATIVA - conjunto sistemático de normas para bem ler e escrever, isto é, manual com regras de bom uso da língua. Gramatical é aquilo que obedece corretamente tais leis. Neste sentido, a língua é a variedade padrão ou culta, papel prescritivo: obedecer purismo, vernaculidade, lógica, sem erros ou fugas ao padrão, deformações, desvios, regionalismos, estas as chamadas agramaticalidades... Didaticamente, é a língua usada pelos bons escritores, ignorando-se as características próprias da linguagem oral . // Argumentos de natureza: a) estética - beleza, expressividade, eufonia (sem vícios de cacofonia, colisão, eco, pleonasmo); / b) elitista ou aristocrática - uso feito pela classe social-intelectual de prestígio cultural, como elite, professores, advogados, gramáticos, intelectuais; / c) política - critérios basicamente de purismo e a vernaculidade, excluindo o que não seja de origem latina ou grega, isto é, os estrangeirismos em geral (galicismos, anglicismos, castelhanismos e outros); / d) comunicacional - construções e léxico escolhido para facilidade de compreensão, clareza e precisão; / e) histórica - o critério para excluir formas é a tradição. // A concepção naturalista da língua a considera um ser vivo que nasce, se desenvolve e pode decair; a gramática vista como algo definitivo, imutável, consideradas agramaticais formas como, por exemplo: “Eu vi ele.” - “Os menino...” - “Me empresta seu lápis?” - “Vende-se frangos.” - “Nóis trabaia muito.”

2---GRAMÁTICA DESCRITIVA - a que faz, na verdade, descrição da estrutura e funcionamento da língua, de sua forma e função. Nessa concepção, sistema de noções que descrevem os fatos da língua, permitindo associar a cada expressão uma descrição estrutural e estabelecer regras de uso, separando o que é gramatical (tudo o que atende às regras de funcionamento da língua) e o que é agramatical. Gramatical, tudo o que atende as regras de funcionamento da língua de acordo com determinada variedade lingüística; logo, critério descritivo é puramente linguístico e objetivo, consideradas gramaticais frases como as dos exemplos dados porque atendem às regras de funcionamento nas variedades. Expressamente nesta concepção as gramáticas de teorias estruturalistas, gerativa-transformacionais e funcionais: ‘linguística da enunciação ou do discurso’, considerando as variações lingüísticas.

3---GRAMÁTICA NATURAL ou INTERNALIZADA - considera a língua como um conjunto de variedades utilizadas conforme a situação de interação comunicativa em que o usuário da língua está engajado conforme o seu saber lingüístico - em princípio, não depende de escolarização ou qualquer processo de aprendizado sistemático, mas do amadurecimento ou construção progressiva; não há livros dessa gramática, objeto da descrição; não há o erro lingüístico, mas a inadequação da variedade lingüística em determinada situação de interação comunicativa por não atendimento das normas sociais do uso da língua, por exemplo: numa situação de enterro, frase de desapreço, “Então seu marido bateu as botas...” - deveria falar em ‘externar sentimentos’; em jornal popular, o bandido “abotoaria o paletó”, reflexo de um contexto sócio-histórico-ideológico, o ver o fato em determinado momento da história social. // Essa gramática internalizada constitui e dá forma de competência gramatical ou linguística ao usuário da língua, pois permite a ele construir um número infinito de frases - isso é parte da verdade, pois a gramática internalizada atua no nível da frase sem deixar de fora todos os elementos constitutivos da gramática normativa da língua, como construção, interpretação e uso de textos em conformidade com situações diferentes de interação comunicativa, princípios que regem a conversação e outros. A competência lingüística comunicativa está muito acima de apenas decorar sem sentido elementos da fonologia, da morfologia e da sintaxe. A gramática internalizada é que constitui a competência gramatical do usuário e também a sua competência textual e a discursiva, o que possibilita a competência comunicativa.

Repetindo e melhor esclarecendo... Ao desenvolver gramaticalmente o ensino da língua, é conveniente ao professor ter em mente os vários tipos de gramática e que o trabalho de cada um pode resultar em trabalhos-atividades distintos em sala de aula.

TIPOS DE GRAMÁTICA, derivados da concepção que se tem de “gramática”, portanto:

1---NORMATIVA - é a gramática tradicional da escola e estuda apenas os fatos da língua padrão, como leis de uso, norma culta oficial, baseando-se em geral na língua escrita, variedade oral vista, conscientemente ou não, idêntica à escrita - normas-regras de bem falar e escrever, quem fala bem, escreve bem e vice-versa: prescrição da correta utilização do idioma. “Não iniciar frase com pronome oblíquo átono.” “Verbo concorda em número e pessoa com o sujeito.” “Pronúncias corretas: palavras oxítonas recém, ruim - paroxítonas avaro, recorde - proparoxítonas crisântemo, arquétipo; ditongo em fortuito, gratuito; hiato em ruim.” Ao contrário, seriam ‘silabadas’ (troca na acentuação tônica de um vocábulo) na linguagem popular, erros ou agramaticalidades.

2---DESCRITIVA - trabalha com qualquer variedade da língua (não apenas com a culta-padrão), mecanismo de funcionamento da língua, dando preferência às oralidades. Sendo resultado do trabalho do lingüista em abordagem sincrônica, descreve e registra uma determinada variedade da linguagem em um dado momento, as unidades e categorias linguísticas existentes, possíveis construções, modo e condições de uso dos mesmos.

3---INTERNALIZADA ou COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA DO FALANTE - é o próprio “mecanismo”, conjunto de regras dominado pelo falante, permitindo o uso normal da língua - objeto de estudo das gramáticas normativa e sobretudo descritiva. Há também outros tipos, critério de proposição ligado á explicitação da estrutura e do mecanismo de funcionamento da língua.

4---IMPLÍCITA - competência lingüística do falante, incluindo os elementos - unidades-regras-princípios - de todos os níveis de constituição e funcionamento da língua; fonológico, morfológico, sintático, semântico, pragmático e textual-discursivo; implícita porque o falante não tem consciência dela, embora esteja em sua mente e permita que use automaticamente a língua para qualquer fim, especificando interação comunicativa; possibilita o uso automático e inconsciente da língua, diretamente relacionada no ensino e no trabalho escolar; gramática de uso.

5---EXPLÍCITA ou TEÓRICA - representada por todos os estudos que buscam, em atividade metalingüística, explicitar estrutura-constituição-funcionamento da língua: todas as gramáticas normativas e descritivas, entendidas como explicitação do mecanismo dominado pelo falante com base no conjunto das umidades de todos os tipos, regras e princípios para sua constituição e utilização.

6---REFLEXIVA - gramática em explicitação, conceito referente mais ao processo que aos resultados e representa observação e reflexão sobre a língua detectada: constituição e funcionamento da gramática implícita do falante.

Os tipos 4-5-6 representam distinção muito produtiva no ensino da gramática, relacionados à distinção entre atividades lingüísticas, epilinguísticas e metalingüísticas, // ATIVIDADES LINGUÍSTICAS - o usuário da língua (falante/ouvinte, escritor/leitor) estabelece interação comunicativa por meio da língua e constrói texto adequado à situação, a seus objetivos comunicacionais e ao tópico discursivo (tema, assunto). Reflete sobre a língua que se diria automática, seleciona recursos lingüísticos e os arranja em trabalho de construção textual em que lança mão dos mecanismos linguísticos que domina - atividades lingüísticas são, pois, construção e reconstrução do texto para comunicação; como a gramática de uso, é forma automática da gramática internalizada em sua história de vida. // ATIVIDADES EPILINGUÍTICAS - suspendem o desenvolvimento do tópico discursivo (tema, assunto) para, em interação comunicativa, tratar do próprio recurso lingüístico que está sendo realizado ou de aspectos da interação - presentes nas hesitações, correções , pausas longas, lapsos etc. ou quando o interlocutor questiona (se ele não fala ou fala demais) ou controla a tomada da palavra numa conversação, podendo não ser atividade epilinguística consciente (inconsciente a gramática de uso, consciente esta próxima à reflexiva). Exemplos: “Achei a criança linda. Linda, não, lindíssima.” - “Agora quem vai falar é você.” - “Mansão a casa dele, dizer palácio seria melhor, ideia mais exata da realidade.” - “Ele é um... um... um cretino.” - “Eu trouxe o tou/o o cavalo para o rodeio.” - “Não se usa esta linguagem diante do padre. // ”ATIVIDADES METALINGUÍSTICAS - usa-se a língua para analisar a própria língua, isto é, conjuntos de elementos lingüísticos apropriados para se falar sobre a língua, esta se tornando conteúdo, tema, assunto e tópico discursivo da situação de interação. Logo, todos os estudiosos, especialistas da língua e as gramáticas fazem metalinguagem. Exemplo: personagem de HQ dizendo ser uma HQ.

Os tipos 7-8-9, gramática de caráter sincrônico, e 10-11, caráter diacrônico, definidos pelos seus objetos de estudo:

7---CONTRASTIVA ou TRANSFERENCIAL - descreve duas línguas ao mesmo tempo, mostrando como os padrões de uma podem ser esperados na outra, método muito usado no ensino de línguas pois define as dificuldades, permitindo ao professor selecionar ou diminuir. No ensino de língua materna, útil mostrar diferenças e semelhança entre variedades, como dialetos regionais, língua oral e escrita, registro formal e coloquial etc.

8---GERAL - compara o maior número possível de línguas com o fim de reconhecer fatos lingüísticos realizáveis e sob que condições - preocupação não com o realizado, mas com as possibilidades; entende os traços comuns a todas as línguas humanas decorrentes de traços característicos da mente humana.

9---UNIVERSAL - base comparativa que descreve e classifica todos os fatos observados e realizados universalmente - investiga as características comuns a todas as línguas do mundo. Exemplos: “Quase todas as línguas (raras exceções) têm vogais; todas têm dupla articulação; em frase declarativa, a ordem dominante é o sujeito precedendo o verbo; categorias pronominais de três pessoas e dois números.”

10---HISTÓRICA - estuda uma sequência de fases evolutivas de uma língua, isto é, origem e evolução, acompanhando estas fases até o momento atual - noções básicas informando origem do PORTUGUÊS no latim vulgar, fases medieval-clássica-moderno, elementos da evolução fonológica (metaplasmos). Morfológica e sintática e formação do vocabulário.

11---COMPARADA - estuda uma sequência de fases evolutivas de várias línguas, buscando pontos comuns - aude desse estudo no final do século XIX e início do XX, responsáveis pelo estabelecimento das famílias lingüísticas, descobrindo parentesco entre línguas aparentemente distanciadas, como o sânscrito e o latim.

FONTE:

Exposição baseada no livro “Gramática e interação”, cap. 3, ‘Concepção de gramática’, de Luiz Carlos Travaglia.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 28/10/2018
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