Gás
- Seu filho da Puta! – Helen gritou, do outro lado da sala.
Ary olhou para o rosto completamente alterado pela raiva de Helen, e deu um suspiro pesado. Como se tivesse sido finalmente derrotado...
- Vagabundo... Infeliz! – Ela continuou.
Ela estava certa sobre a infelicidade, e talvez se culpasse pelo fato. Daí a raiva, que era mais de si mesma do que dele.
- Você quer que eu vá embora, Helen? – Perguntou
Ela deu um grito que mais pareceu um grunhido e se desembestou até a cozinha desaparecendo pelos fundos da casa.
Ary sentou-se no sofá e ficou com os olhos perdidos na televisão. Sabia que tinha que tomar alguma atitude.
Helen voltou e parou no meio da sala, frente a Ary.
- Você é um nojento! Seu cinismo é nojento!
- É isso...
- É isso o que?
- Vou embora.
- Então vá, caralho.
Ary se levantou sem dizer nada e foi até o quarto. Juntou parte das suas roupas e todas as coisas que podia colocar na única mala que tinha e se sentou na cama. Pensou qual seria o seu destino e procurou no celular algum hotel que pudesse pagar por alguns dias. Depois que encontrou, pegou a mala e saiu.
Helen estava na sala, sentada no sofá, fumando um cigarro.
- Vai pra a casa de alguma Rapariga? Uma outra besta que te ature?
- Vou pra um lugar que tenha silêncio.
- Ah. Esse é o seu problema?
- Não. Mas talvez o meu silêncio seja um problema pra você.
- O meu problema é você ser o covarde que é!
Ary não respondeu.
Olharam-se e ela se desfez em lágrimas.
- Eu estou traindo você, Ary.
- Está tudo certo, Helen.
- Como assim está tudo certo?
- Isso é algo que concerne só a você. Confesso que estou decepcionado. E tem sido assim desde que percebi.
- Você sabia?
- Desde o mês passado.
- E não falou nada?
- E o que isso mudaria? Não tinha sido algo pontual. Percebi que era algo que fazia parte de você. E estava para além de mim mudar alguma coisa a esse respeito.
Helen sufocou em suas lágrimas e calou o choro.
- O que você está insinuando?
- Eu disse que você é incapaz de ser fiel. Por querer estar com você eu fiz as pazes com essa verdade.
Helen cobriu o rosto com as mãos e respirou fundo.
- Como você pode estar bem com isso?
- Eu não disse que estava bem. Eu disse que estava em paz...
O barulho de uma moto acelerando e rasgando a avenida o interrompeu antes de concluir o raciocínio. Só que então, o silêncio lhe pareceu mais apropriado do que continuar falando.
Ficaram apenas se olhando.
Quando conseguiu controlar a própria voz, Helen sussurrou.
- Eu sinto muito.
- Imagino que sinta. Nós dois sentimos.
- Como eu posso ser assim? Ary.
- Não sei meu bem. Mas você é tão humana quanto eu. Não se culpe mais do que já faz.
- Às vezes eu queria que você tivesse raiva de mim. Doeria menos.
- Acho que estou cansado demais pra ter raiva.
- Então por que você não fica? – Ela perguntou, novamente em lágrimas.
Ele pode ver toda a tristeza que pesava no rosto dela.
Tudo aquilo deixou de fazer sentido repentinamente, quando o botijão de gás explodiu, na cozinha.
Fez frio, apesar das chamas.
Quis tê-la abraçado uma última vez.