AMOR NOS TEMPOS DO FIM – PARTE 4
ALGUNS ANOS ANTES
Eu estava muito triste. A minha vida estava estagnada e uma sensação de perca estava me corroendo. Eu não sabia para onde ir, ou o que fazer. Os meus dias eram tão maus que a indecisão de ir ao culto ou não, eram iguais. Fui ao culto, a palavra – de novo – não falara do meu problema. Não haviam respostas. Deus se calara de vez. As duvidas só cresciam e houveram muitos momentos em que eu não sabia se Deus estava ouvindo ou não a minha oração. Eu tinha imensas duvidas se alguma delas seria respondida. Eu estava com vinte e três anos e me sentia um velho. Me sentia sem futuro, assim como o mundo, cheio de guerras e terrorismo e doenças que nunca existiram antes. A nossa tecnologia era de ponta, mas isso não melhorava a vida das pessoas. As perguntas quanto à vida ainda estavam ali, intactas.
Uma irmãzinha da Igreja estava me cercando, louca de vontade que eu a pedisse em namoro ao seu pai. Ela era bem bonita, mas não havia alguma coisa. Eu sabia que se casasse com ela, teríamos uma vida pacata e poderia ser até feliz, talvez a amasse com o tempo. Ela cozinhava, de vez em quando na cantina da Igreja e de fome eu não iria morrer. Mas não era ela. Ela não completava o vazio que ia na minha alma. Eu sabia, é lógico que existe um vazio que só é completado por Deus, mas nós como seres humanos, temos necessidades terrenas. Eu tinha necessidade de alguém. A impressão que eu tinha era que a pessoa certa iria aparecer a qualquer momento e eu a reconheceria de pronto. Vivia no aguardo.
Estávamos agora em dezembro, época de Natal, onde as pessoas se dão presentes e abraçam e são mais amigáveis, mas eu me sentia só, caminhando só, numa ampla avenida do centro da cidade. O mundo nunca tivera tanta gente como agora. E nunca tivera tantos problemas sociais também. A garoa parara e um vento frio soprava. Um casal passou sorrindo, enamorados, por mim. Me senti um pouco mais triste. Pensei em ligar para alguma das meninas que estavam no meu celular, mas estava cansado de relacionamentos frios e vazios. Passei o dia sem comer nada, minha barriga roncava, mas o meu animo não existia, para que eu fosse a algum lugar comer algo. A tristeza era o meu alimento.
Vi um demônio que passou abraçando uma mulher, enquanto lhe falava algo ao ouvido. Olhei sem muita vontade para eles. O demônio notou que eu o enxerguei e olhou feio para mim. Como eu não disse nada ele logo se esqueceu de mim. A mulher estava atormentada. O demônio soprava alguma palavra diabólica na alma.
Um carro passou zunindo por mim e acabou batendo no único poste que havia em um enorme quarteirão. A impressão é que o cara mirou no poste e bateu. Estraçalou o carro.
Eu pensava em sair da cidade e ir morar em algum outro lugar, qualquer lugar, desde que houvesse alguma espécie de alivio na minha alma. Eu tinha a nítida impressão que algo muito sério iria acontecer e que mudaria o mundo. A sensação era ruim, muito ruim. Essa era a mesma sensação que Jó tivera. No seu livro ele disse que aquilo que ele tinha medo lhe acontecera. Lendo a Bíblia, a compreensão que eu tinha desse texto era que como Jó era um homem religioso e com certeza orava sempre e muito, em algum momento o Espírito Santo iluminara o seu espírito, que entrara no Reino, portanto na Eternidade, e ele percebeu que viria algo muito drástico em sua vida. Esse algo era o ataque que sofrera de Satanás, onde perdeu num só dia toda a sua renda, seus filhos morreram, os empregados que não morreram foram capturados com escravos, seus animais foram roubados, sua saúde ficara abalada ao ponto de ele ficar entre a vida e a morte. Jó tinha medo do que o Espírito Santo lhe revelara que iria acontecer um dia com ele. Orar é entrar na Eternidade de Deus, portanto descortina-se o futuro para quem ora e sabe fazer as devidas perguntas e tem firmeza de receber as respostas. Deus não pode, na maioria do tempo mostrar o futuro para as pessoas, pois muitos não tem estrutura para isso. Para a maioria é melhor caminhar um dia por vez.
Eu não sabia mas o meu futuro iria mudar para sempre, a partir daquela noite. Eu não tinha percebido, mas um homem estava me seguindo. Deveria ser um ladrão. Mas que não tinha nada para ele levar, a não ser o meu celular, mas hoje em dia todo mundo tinha um. Mesmo à noite, eram tantas as pessoas, nesse mundo lotado de gente, com quase quinze bilhões de pessoas, que notar uma pessoa no meio de tantas já era difícil. Eu acho que notar quem olha para nós, é o espírito quem faz.
Estavamos chegando ao nosso limite. Algumas estimativas dizem que o mundo poderá suportar até dezesseis bilhões de pessoas, já estávamos beirando a catorze. É interessante notar que no tempo de Jesus, no ano 1, haviam 150 milhões de pessoas no planeta. Esse numero dobrou em 1350, quadruplicou em 1700 e chegou ao primeiro bilhão em 1804. O grande salto se deu no século 20, quando a urbanização e os avanços da medicina fizeram a população saltar de 1,6 bilhão para 6,2 bilhão de pessoas. É claro ainda que as estimativas levam em conta as grandes epidemias e as guerras. Vivamos na era da morte, nunca tantos morreram. Ainda assim estávamos chegando ao nosso limite. Então perceber alguém olhando para nós, do outro lado da rua, essa lotada de gente, mesmo à noite, era surpreendente.
O homem me encarava. Suas roupas eram comuns, nada nele chamava a atenção, a não ser o fato que ele me encarava sério. Eu apressei o passo e ele também fez a mesma coisa.
Eu percebi que estava ficando séria a situação, quando vários demônios foram surgindo e segundo o homem que me seguia. Olhei para trás, nenhum demônio me seguia, mas quase uns dez agora seguiam o homem. Olhei para o Céu e vi a potestade da cidade, que parecia olhar para mim e para o homem que me seguia. A situação começava a me dar ansiedade. Ele era mais velho do que eu, aparentava ter uns cinqüenta anos, eu pensei que talvez, se entrássemos em briga, eu poderia ganhar. Mas o homem parecia estar decidido, havia uma ferocidade no seu olhar, como se ele fosse um soldado acostumado a lutar e a matar. Eu sai correndo e corri umas três quadras. Eu sabia que ele não poderia me alcançar agora de jeito algum. Esbaforido coloquei a mão na parede, para recuperar forças. Ai uma voz grave me chamou pelo nome, virei-me e o homem que me perseguia estava ali, com aparência descansada. Se ele correu, não parecia. Eu por outro lado não conseguia facilmente recuperar o fôlego.
- Adam, ele disse, eu fui mandado aqui para que você veja. Dito isso ele fez um gesto com a mão, como um arco, da esquerda para a direita e eu vi. De repente vi as pessoas ao meu lado morrendo de várias causas, algumas foram mortas por tiro, ou facada, haviam as outras que morriam nas guerras, vi muitos doentes, ouvia um lamurio muito forte de dor, gritos aterrorizados. Vi homens e mulheres sendo atropelados ou em batidas de carro. Vi aviões caindo. As nuvens do céu foram sumindo e uma cor estranha de bronze tomava conta do céu. A Terra parecia estar mais escura agora. O Sol não parecia brilhar como antes. Algo acontecera para isso, o quê? Vi os prédios ao meu redor ficando velhos e deteriorados, alguns se esfarelando, sendo soprados pelo vento. A cidade agora parecia um monte de escombros. Era estranho, eu que nascera num mundo cheio de gente, ver a cidade vazia. As poucas pessoas que sobraram caminhavam como zumbis, com passos pesados, doentes, tristes. De repente ouvi um barulho, um estrondo, muito alto que me assustou. Como num terremoto eu vi um buraco, um poço, se formar no meio do asfalto e um homem vestido com roupas negras ia subindo do poço, levitando. O homem foi aumentando de tamanho e não parava mais de crescer. Ele ia alcançando tamanhos de 2 metros, cinco, vinte, um quilometro, dez quilômetros de altura. A sua cabeça batia nas nuvens. Ai ele abriu a boca e começou a gritar, um grito assustador, apavorante, que devorava o mundo. Aos poucos, enquanto gritava ele foi se transformando em um demônio, o mais apavorante, feio, asqueroso, e terrível ser que já vira na vida. Seus olhos negros tinham influência em todo o mundo. A sua hora chegara e ele carregava as palavras morte e destruição eternas.
O homem atrás de mim chamou o meu nome novamente e toda aquela visão sumira. A cidade estava de novo lotada de gente, os prédios estavam no lugar, o céu era o mesmo. O homem apontou para o meio da multidão e então eu a vi. No mesmo momento eu sabia que aquela era a minha alma gêmea, a mulher que buscava encontrar a vida toda. Siga-a e você vai encontrar o seu futuro, me disse o homem. Ela é a chave. Depois ele me comunicou que nós ainda iríamos nos ver outras vezes. Eu olhei para o local onde estava a moça e quando me voltei para falar com o homem, ele sumira.
Corri em direção onde a moça ia. À frente havia um metrô, olhando para o lado resolvi descer até a estação e a vi de longe, enquanto ela entrava no trem. Quando eu cheguei perto o trem partiu e eu a perdi.
Eu sabia no fundo da minha alma que naquela noite fora dado vários rumos para a minha vida, mas eu não sabia ainda tudo o que eu iria descobrir. Havia um sensação de urgência em meu coração. Eu precisava encontrar aquela moça, antes que o mundo acabasse.
Continua...
Paulo Sérgio Lários