Ana Alice e The Kingdom of Dreams and Madness
Acredito ter sido a nefasta umidade daquele dia que, ocasionando uma vaporosa turbulência em meu instável cérebro, impossibilitou-me de refletir e, como um reflexo, aquiesci a embarcar.
A mulher parada ali em minha frente me deixou um tanto desnorteada, sua presença era imperativa, do tipo que não quer uma mordida, quer devorar por inteiro. E aquela sensação embriagante e viciante da qual sabia, cada vez que eu escutava o barulho de seus dedos tamborilando sobre a mesa. Ela me convidou e eu aceitei.
A imaginação foi ganhando terreno, porque se existe uma arma de fascinar, ela conseguiu utilizar muito bem comigo. Estava tão inebriada, que o jornal a frente somente poderia ser decifrado pelo melhor egiptólogo, se dispondo em ler os hieróglifos de uma pirâmide. Os seus olhos pareciam fazer uma dança, por entre as paisagens que dispendia por entre a janela, como uma partícula em movimento browniano. Sua atenção a cada partícula não deixava escapar a sua consciência panorâmica, ela sabia bem o quanto eu a observava.
Um sorriso convidativo e o tempo pareceu estacionar. Me senti corada, como uma garotinha em frente ao primeiro namoradinho, flexiono a cabeça para tentar dispersar e despistar os pensamentos. O piscar dos olhos me pareceu um tanto eterno, a pálpebra sentiu-se cansada, quantos séculos passou naquele segundo?
Voltei a olhar a enigmática figura, e não pode ser, não! Ela não estava mais ali. Aliás, nem eu estava onde eu estava. O que houve? Eu adormeci? Eu desmaiei? Olhei para todos os lados, não me recordava daquele local. Que lugar é esse?
E então, sentia que estava caindo num buraco escuro. Caindo sem forças para me segurar. Vertiginosamente, o cenário trocou de cores, forcei os olhos para tentar entender. Havia um extraordinário desfile de criaturas estranhas. Nada fazia sentido. Será que estou ficando maluca?
Ai! Uma picada no pé, abaixei a cabeça para ver, e dei de cara com uma xícara, olhei em volta e estava sentada à mesa. Ouvi vozes: Responda à charada, responda à charada! Outra logo disse: Vamos comemorar o seu desaniversário. E um coro desaniversário, desaniversário!
Me senti tonta, as xícaras começaram a dançar pelo ar, uma fumaça foi dissipando aquelas figuras, estendi minhas mãos para as segurar, mas simplesmente tudo foi sumindo, eu não tinha poder de nada. Eu estava girando e girando. Sentia alguém me girar e rir. Uma risada fininha e macabra. Tentei ordenar para parar. Não me obedeciam. Eu juntei forças e então gritei: Pare!
A respiração ofegante, abri os olhos e vejo uma moça à frente que rindo com olhos e boca diz como que surpresa: Na hora! A minha cabeça girava, como numa ressaca de cerveja da pior qualidade. Os olhos da moça, transformaram em exclamação, ela levanta-se e bate em meu ombro: Chegamos!
Desci do trem, tive que dar um tempo, feito um estômago cheio de comida que precisa de tempo para digerir, para então partir para a próxima refeição, eu respirei com toda a força, acredito que umas cincos vezes. Ok, voltei para o meu corpo, e a racionalidade lembrou-me de qual era o motivo da viagem. E enfim, tomei caminho.
"Eu... eu... nem eu mesmo sei, nesse momento... eu... enfim, sei quem eu era, quando me levantei hoje de manhã, mas acho que já me transformei várias vezes desde então". Lewis Carroll.
By Ana Alice.