Sólito IV

Estava certo de que as declarações que ele a fizera eram infidas, mas não lhe valeria dizer, ela desabaria numa inefável consternação. Optava por prosseguir acalentando-a quando necessário. Mirar sua pele rosada sorrindo o satisfazia, acostumou-se a sua companhia e nisso encontrava contentamento, fugia em versos que compartilhavam, até mesmo duetos compuseram. Ela sentia prazer nas crônicas, ele nos poemas, mas produzira-lhe cartas, cartas sem respostas, apenas um sorriso, isso já o bastava. Ela encantada com as efêmeras aventuras não percebia o súdito pré-disposto a conduzi-la ao mais fascinante mundo do completo prazer. Talvez jamais percebesse e isso a deixaria fadada às ilusões escapistas de amores sem entrega, um sempre e tanto pranto e diante de outro encanto se encantaria seu pensamento. Em cada vão momento ele amava-a, densamente amava-a, demasiadamente amava-a. Suspirava e escrevia sentimentalidades, recitava Camões e filosofias e botequins. O humor completava sua personalidade com abundantes sacarmos e ironias e ela demonstrava simpatia por isso. O sorriso doce e perfumado exalava inspiração poética para os mais belos cenários românticos, um viva ao saudoso José de Alencar que descrevia uma virgem de lábios de mel, mas os dela – dizia ele – superior o era ao de Iracema embora jamais a tenha beijado, e sua delicada força para além de Aurélia. Cega, engendrava-se num marasmo pausado por pequenos momentos de êxtase. Passava grande parte do tempo contestando as condutas que lhes eram impostas como se tivesse um pai e não um namorado. Confessava-o isso, mas ele não sabia nesses momentos como articular as palavras sem confessar o amor que detinha e pedi-la para findar aquilo, a aflição seria duplamente rematada, mas faltava-lhe o destemor atribuído aos heróis da segunda metade do século XVIII. Embora exacerbado em dor submetia-se à racionalidade dos neoclássicos e logo fugia das incertezas e mergulhava em águas límpidas e serenas, era seu fugere dor, ou algo semelhante, por certo se entregou ao carpe diem. Largou o lápis, seus personagens e pesquisas por rimas raras e se dedicou a mutar o sentir. Conheceu novas pessoas, ampliou os horizontes e dia a dia guardava-a, num lugar puro, mas guardava-a.

Amanda Danielle Rocha
Enviado por Amanda Danielle Rocha em 02/10/2018
Reeditado em 03/10/2018
Código do texto: T6465486
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.