VIAJANTES LADO A LADO...ELE & A ONÇA



CURIOSIDADE CARIOCA - Moradia popular, cabeça-de-porco... Aluguel alto não é só de nossos dias. Descartavam 'casa bonita'... Ninguém burguês; início da industrialização, franco e orgulhoso operariado. Era grande o número de cortiços no centro do Rio de Janeiro do século XIX. Já chegando ao XX... Um deles, o Cabeça-de-Porco, era o mais famoso e se estendia da rua Barão de São Félix até a pedreira dos Cajueiros, no Morro da Providência. Explica-se o nome pela entrada da construção: um grande portal em arcada, enfeitado com uma cabeça de suíno. Hoje, expressão dicionarizada: "Cortiço - habitação coletiva das classes pobres: cabeça-de-porco." (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira)

PORTUGAL PEQUENO - Ruas antigas do tempo imperial, bem no centro da cidade, proximidades com o Quartel General e a sede da Estrada de Ferro - sobrados históricos de muitos quartos e cortiços térreos... Mas eram tantas familias portuguesas, tantas, tantas, ora pois, que a região era conhecida como Portugal Pequeno, irreverente apelido que se enquadrava com perfeição. Brasileiro ali era raridade; quando muito, um visitante ou trabalhador em biscate. Lugar de muitas estórias tidas como reais (nada a ver com Trancoso).

ELE - Bom, um cidadão chamado JOÃO JOSÉ (ou JÃOZÉ) era um tremendo vigarista. Leve sotaque lusitano - se descendente ou farsante, nunca ficou provado. Ocupava pequeno quarto numa das 'casinhas' de um cortiço local. As moças do lugar não mais acreditavam em quem "era", ou seja, dizia-se português, mas não sabia descrever sua aldeia ou cidade grande nem quando/como atravessara o Atlântico num tempo ainda sem aviões fáceis de embarque/desembarque. Nunca ouvira falar em Camões... odiava bacalhau e sarrabulho. Ele namorava num tempo curto, pedia dinheiro ao pai da moça para o enxoval e alegava ter sido assaltado a caminho da loja - amor acabado aí. Ora, logo saía para outra conquista... financeira. Desacreditado na capital, resolveu partir para o interior. Prometia enxoval granfino da rua do Ouvidor, luxo carioca. Sumia... E deu golpes em algumas cidades do café: mais perto de metrópole, mais desejo de moda e luxo. Agora, região do gado, fazendeiros de sucesso, filhas bonitas. Pouco sucesso, povo mais calado e desconfiado, pais tinham tradicionalmente quem confeccionasse os enxovais. Secreto boato negativo sobre ele vazara divisas entre os dois estados. Disseram que a filha única do delegado queria muito estudar advocacia, horrorizando pai de ideias antigas - preferia que ela casasse... A moça passava os dias acompanhando caça a criminosos e consequentes prisões, sempre alegando inocência dos tais cínicos e debochadinhos. "Tá pra mim, deve ser um tolinha que acredita em conversa de macho esperto..." Conversaram sob as vistas do possível futuro sogro, tagarelices e risadas ao primeiro minuto, ela tocou viola sertaneja, cantou modinhas e ele de cara se mostrou encantado-apaixonado (de verdade, primeira vez na vida)... Pouquíssimos dias e ofereceu casamento. Pai, de bolso gordo, estava na delegacia. Na primeira frase, foi algemado.

ELE & A ONÇA - O jardim zoológico do Rio ainda era 'jovem', inaugurado em janeiro de 1888, tinha poucas espécies animais e encomendara uma onça. A caminho do Rio - no trem de carga, lado a lado, não junto nem misturado, JÃOZÉ & a onça, cada um na sua jaula particular, ele encolhido a um canto, ela esticando a patinha através das grades. A cada urro, um molhar a calça. "Feriado" e agitação em Portugal Pequeno, todos ansiosos pela chegada do trem. As aulas foram suspensas para que a garotada tomasse lição moral num exemplo vivo de (des-?)honestidade. Foi preso numa ilha bem longe da costa. Popularmente, durante anos, a expressão substantiva 'jãozé' virou epíteto de vigarista. Modernamente, 171 do Código Penal. Consta que JOÃO DO RIO utilizou o tema... Pesquisei, não achei.

F I M


 
Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 30/09/2018
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