ESTRELA POLAR, de VERGÍLIO FERREIRA
SIMONE DE BEAUVOIR - "Existencialismo só possivel de explicar no romance."
VERGÍLIO FERREIRA (1916/1996) - romancista, ensaísta, professor --- 3 livros de teorias sobre o existencialismo: "Espaço do invisível", "Invocação ao meu corpo" e "Carta ao futuro".
A partir de DOSTOIEVSKI, romance do futuro será de caráter metafísico. Não pergunta, interrogação sem resposta. Intenção - romance gerado em nós próprios, na zona do sobressalto (só há ainda romances de coisas, vistas por dentro e por fora) - procurar o EU metafísico.
LITERATURA PORTUGUESA - ESTRELA POLAR (1962), espécie de continuação ou resultado da temática desenvolvida em APARIÇÃO (1959) ----- questionamento do homem no absurdo em que vivemos (non sense já aparecia em GIL VICENTE, sonho/realidade em RAUL BRANDÃO) ----- o absurdo no mundo - nossa época: níveis bastante arrojados ----- VF = teatro do absurdo (problemática e processo).
EP - "Uma vida não se conta pelo que aconteceu (fatos, estória), mas pelo que aconteceu sobre isso (importante)." ----- questionamento sobre o passado: AP - importante somente a dimensão do que aconteceu sobre o fato anterior ----- romances EP e AP - tentam explicar-se - tentativa de apreender o mais conscientemente possível o enunciado - enunciação vira enunciado quando VERGÍLIO o tenta explicar ----- enunciação, assunto; enunciado - discurso.
EP - superfície de primeira camada - o que aconteceu ----- ENREDO /resumo/ - Adalberto volta para Penalva e se apaixona por Áida, mas logo por Álda (transferência de sentimentos) são irmãs gêmeas. Num acidente, so uma delas se salva. Álda? Ele julga que... Áida o chamava de Berto. Álda o chamava de Adalberto. Mulher que se salva é identificada como Álda. Para ele, o sentido que lhe davam (uma e outra) era seu nome. Quem se salva é realmente Áida, que diz o nome completo por não ter mais nenhum relacionamento com ele, embora ainda o amasse. Casam-se, tem um filho, ela adia o registro do filho e por fim revela que é Áida e não Álda. Ele, apaixonado pelo nome Álda, a repudia. "Onde o EU do TU?" O universo dele se concentra no filho, que morre num acidente com uma pistola. Surge a ele e ideia de matar a mulher. É preso, condenado a 20 anos e conta seu passado conforme o fluxo de memória.
ESTRUTURA CÍCLICA - em Penalva tudo aconteceu; está preso fora de Penalva; quer voltar para ali e recomeçar... encontrar outra Áida que tenha uma irmã gêmea Álda.
EP - ele nunca amou ninguém.
(Peças de BRECHT são também cíclicas - "Esperando Godot", o questionar sem resposta.)
EP - fatos são superficiais - coisas (gentes), espectros, constante a obsessiva interrogação.
CINCO SEQUÊNCIAS ----- 1---Volta a Penalva / 2---Áida - fascinação e jogo de compreensão (termo de SARTRE): jogos 'diferente' de busca, plenitude, desilusão ----- Sempre uma busca - Quem és tu? / Nós somos... vivo-te. / Perante quem? A quem? ----- 3---Áida/Álda, equívoco - relacionamento: pessoal - Quem sou eu? - o social - tentativa de busca ----- leitor incapaz de atingir sua ambiguidade: metáfora concreta (limite de apreensão de alguma coisa) - Áida com nome Álda ----- 4---Álda - equívoco estabelecido; ele: busca, plenitude, desilusão ----- 5---Basicamente o último capítulo - prisão - concreta (prisão celular), abstrata (questionamento); ele mata, é condenado, escreve o romance (o próprio ato de enunciação), "libertação" (retorno).
VF - sempre narração na primeira pessoa, para "maior motivação para o leitor", como ele mesmo diz.
TEMPO - não se pode delimitar - dois tempos - existiriam: o EU conta (presente), o EU age (passado) ----- dois tempos - tempo único em VF ----- passado revivido em tempo presente (fusão) como ânsia de descobrir a ânsia humana - presente atemporal da memória - atemporalidade é fusão dos dois tempos.
EP - "Minha essência é só uma - sou EU." ----- acontecimentos revividos na memória não seguem a cronologia do acontecimento; baralhamento de datas, confusão de tempos.
(BRECHT - o ato de esperar faz a peça: "Esperando Godot" - God/ot = Deus em diminutivo - o esperar é fundamental.)
EP - o tempo é uma ilusão; imagística da agressão; ele X realidade.
VF - constantes nas suas diversas obras:
1---Fatalidade do questionamento ----- pergunta (pressupndo resposta) e interrogação (como fatalidade do questionamento sem resposta) / EP - "Só o impossível é que vale a pena" (busca absurda porque sem razão) / AP - Chico não aceita todo o questionamento de Alberto Soares / EP - Áida não aceita (questionamento máximo) de Adalberto --- plenitude do divino - "Perante quem?" (e não havia quem).
2---A busca do EU e a comunhão com o outro --- EP - busca do EU na reconstituição do próprio passado e nos outros (nos outros = subjetivismo) / busca do EU pessoal - multiplicidade - nome própri é rótulo: Betinho (como mãe o chamava), Berto (uma), Adalberto (outra); vários EUS / Adalberto, nome impessoal da lei civil; Áida-Álda fusão; EU verdadeiro não tem nome / até gravador tem nome: voz.
("Godot" - o ridículo da voz gravada: personagem presente ridiculariza sua voz (tom, palavras etc.) - hoje ele é diferente: outra voz, outro EU.)
Nome em EP - muito importante no relacionamento dele com as duas moças ----- Áida casada é espectro de Álda - alteração em apenas uma letra (desajuste de sons faz gastar-se o amor).
3---Aparição do EU --- EP - logo após casamento, ele olhava para além da esposa e se interroga sobre ambos / "Eu a vejo. Você me vê. Quem (= onde está Deus?) nos vê a ambos?" / EP - todo pai tem filho (mas nem todo filho tem pai: AP) / EP - "um deus nasceu de minha carne: eu o fiz" (mas depois criança morre estupidamente) / AP - também criança-Cristina morre em acidente.
("Godot" - nomes: eles também se perguntam quem são e respostas se apresentam paradoxais - personagem é todo o mundo e ninguém: "Abel, Caim, toda a humanidade..." / ridículo da voz gravada: o EU também muda e a pessoa não mais se reconhece - em todo o tempo há muitas pessoas; "meu nome é Abel, meu nome é Caim, meu nome é toda a humanidade..." / personagens vagabundos, expulsos pela vida, roupas chaplinianas, necessidade obsessiva de que alguém esteja junto com eles dois.)
("Rinoceronte", de IONESCO - ele também só e precisa de alguém (peso da solidão e também da sociedade) - obsessão de comunhão com os outros.)
VF - menos flagrante, menos necessidade da dávida de comunhão.
("Rinoceronte" - dois partidos políticos adversários: globistas - hierarquia, liberdade humana; verticais - não hierarquia nem liberdade humana - ao mesmo tempo, semelhantes e dissemelhantes, ambos com necessidade de nierarquia e de liberdade humana / o significado de algo depende do indivíduo que sente este significado: integração do TU pessoal e no VÓS / IONESCO, líder - "Tudo pode mudar através de nada mudar"; trabalho obrigatório se chamará trabalho voluntário, guerra se chamará paz, ódio se chamará amor etc. - "É preciso misificar para desmitificar - uma nova mistificação.")
EP - "eu não vim para ser só... mas ser fraterno junto a quem?"
VF - "A vida é um encontro, mesmo que o outro falte, mesmo que faltemos ao encontro: o importante é o encontrar." Mas encontrar quem?
4---A obsessão do divino --- quando parece surgir uma solução possível, não é aquela a solução: daí a fatalidade do questionar - frustração do encontro (consigo, com o outro etc.)
VF - "Viver é inexoravelmente ser só." - "Nada acima de nós."
("Godot" - um só necessita do outro no esperar Godot, que nunca chega - semas divinos: Godot - God = Deus.)
EP mais que AP - narrador muito perdido na narrativa.
(="Godot"): "Que é que eu disse mesmo?" - "Que é que...?" (vacuidadeda linguagem) - "Que sei eu?" "Entendo agora ou não?" / linguagem modalizante: de nada sabe, nada pode afirmar (conotação de incerteza) / incerteza conotada - verbos parecer, julgar, não saber, pensar; advérbio ou; conjunção talvez / "Godot" obsessivo - talvez, não sei, parece, pode ser; personagens se perguntam: "eu dormindo ou acordado?")
ESTRUTURA - EP = "Godot": nada acontece em "Godot", somente a espera / inúteis as perguntas em EP / ambos - tempo da narrativa é infinito; frases se repetem, situações idem.
EP - sequência 2 basicamente paralela com sequência 4: 2-Áida, fascinação e jogo de compreensão; 4-Álda, equívoco estabelecido.
ROLAND BARTHES (escritor, linguista, semiólogo) - "Não plano funcional, mas indicial" (estória).
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SIGLAS - VF, Vergílio Ferreira -- EP, "Estrela polar" -- AP. "Aparição".
FONTE:
Velho caderno didático achado num baú, sótão altamente pleno de aparições fantasmagóricas lusitanas - 1973.
F I M
SIMONE DE BEAUVOIR - "Existencialismo só possivel de explicar no romance."
VERGÍLIO FERREIRA (1916/1996) - romancista, ensaísta, professor --- 3 livros de teorias sobre o existencialismo: "Espaço do invisível", "Invocação ao meu corpo" e "Carta ao futuro".
A partir de DOSTOIEVSKI, romance do futuro será de caráter metafísico. Não pergunta, interrogação sem resposta. Intenção - romance gerado em nós próprios, na zona do sobressalto (só há ainda romances de coisas, vistas por dentro e por fora) - procurar o EU metafísico.
LITERATURA PORTUGUESA - ESTRELA POLAR (1962), espécie de continuação ou resultado da temática desenvolvida em APARIÇÃO (1959) ----- questionamento do homem no absurdo em que vivemos (non sense já aparecia em GIL VICENTE, sonho/realidade em RAUL BRANDÃO) ----- o absurdo no mundo - nossa época: níveis bastante arrojados ----- VF = teatro do absurdo (problemática e processo).
EP - "Uma vida não se conta pelo que aconteceu (fatos, estória), mas pelo que aconteceu sobre isso (importante)." ----- questionamento sobre o passado: AP - importante somente a dimensão do que aconteceu sobre o fato anterior ----- romances EP e AP - tentam explicar-se - tentativa de apreender o mais conscientemente possível o enunciado - enunciação vira enunciado quando VERGÍLIO o tenta explicar ----- enunciação, assunto; enunciado - discurso.
EP - superfície de primeira camada - o que aconteceu ----- ENREDO /resumo/ - Adalberto volta para Penalva e se apaixona por Áida, mas logo por Álda (transferência de sentimentos) são irmãs gêmeas. Num acidente, so uma delas se salva. Álda? Ele julga que... Áida o chamava de Berto. Álda o chamava de Adalberto. Mulher que se salva é identificada como Álda. Para ele, o sentido que lhe davam (uma e outra) era seu nome. Quem se salva é realmente Áida, que diz o nome completo por não ter mais nenhum relacionamento com ele, embora ainda o amasse. Casam-se, tem um filho, ela adia o registro do filho e por fim revela que é Áida e não Álda. Ele, apaixonado pelo nome Álda, a repudia. "Onde o EU do TU?" O universo dele se concentra no filho, que morre num acidente com uma pistola. Surge a ele e ideia de matar a mulher. É preso, condenado a 20 anos e conta seu passado conforme o fluxo de memória.
ESTRUTURA CÍCLICA - em Penalva tudo aconteceu; está preso fora de Penalva; quer voltar para ali e recomeçar... encontrar outra Áida que tenha uma irmã gêmea Álda.
EP - ele nunca amou ninguém.
(Peças de BRECHT são também cíclicas - "Esperando Godot", o questionar sem resposta.)
EP - fatos são superficiais - coisas (gentes), espectros, constante a obsessiva interrogação.
CINCO SEQUÊNCIAS ----- 1---Volta a Penalva / 2---Áida - fascinação e jogo de compreensão (termo de SARTRE): jogos 'diferente' de busca, plenitude, desilusão ----- Sempre uma busca - Quem és tu? / Nós somos... vivo-te. / Perante quem? A quem? ----- 3---Áida/Álda, equívoco - relacionamento: pessoal - Quem sou eu? - o social - tentativa de busca ----- leitor incapaz de atingir sua ambiguidade: metáfora concreta (limite de apreensão de alguma coisa) - Áida com nome Álda ----- 4---Álda - equívoco estabelecido; ele: busca, plenitude, desilusão ----- 5---Basicamente o último capítulo - prisão - concreta (prisão celular), abstrata (questionamento); ele mata, é condenado, escreve o romance (o próprio ato de enunciação), "libertação" (retorno).
VF - sempre narração na primeira pessoa, para "maior motivação para o leitor", como ele mesmo diz.
TEMPO - não se pode delimitar - dois tempos - existiriam: o EU conta (presente), o EU age (passado) ----- dois tempos - tempo único em VF ----- passado revivido em tempo presente (fusão) como ânsia de descobrir a ânsia humana - presente atemporal da memória - atemporalidade é fusão dos dois tempos.
EP - "Minha essência é só uma - sou EU." ----- acontecimentos revividos na memória não seguem a cronologia do acontecimento; baralhamento de datas, confusão de tempos.
(BRECHT - o ato de esperar faz a peça: "Esperando Godot" - God/ot = Deus em diminutivo - o esperar é fundamental.)
EP - o tempo é uma ilusão; imagística da agressão; ele X realidade.
VF - constantes nas suas diversas obras:
1---Fatalidade do questionamento ----- pergunta (pressupndo resposta) e interrogação (como fatalidade do questionamento sem resposta) / EP - "Só o impossível é que vale a pena" (busca absurda porque sem razão) / AP - Chico não aceita todo o questionamento de Alberto Soares / EP - Áida não aceita (questionamento máximo) de Adalberto --- plenitude do divino - "Perante quem?" (e não havia quem).
2---A busca do EU e a comunhão com o outro --- EP - busca do EU na reconstituição do próprio passado e nos outros (nos outros = subjetivismo) / busca do EU pessoal - multiplicidade - nome própri é rótulo: Betinho (como mãe o chamava), Berto (uma), Adalberto (outra); vários EUS / Adalberto, nome impessoal da lei civil; Áida-Álda fusão; EU verdadeiro não tem nome / até gravador tem nome: voz.
("Godot" - o ridículo da voz gravada: personagem presente ridiculariza sua voz (tom, palavras etc.) - hoje ele é diferente: outra voz, outro EU.)
Nome em EP - muito importante no relacionamento dele com as duas moças ----- Áida casada é espectro de Álda - alteração em apenas uma letra (desajuste de sons faz gastar-se o amor).
3---Aparição do EU --- EP - logo após casamento, ele olhava para além da esposa e se interroga sobre ambos / "Eu a vejo. Você me vê. Quem (= onde está Deus?) nos vê a ambos?" / EP - todo pai tem filho (mas nem todo filho tem pai: AP) / EP - "um deus nasceu de minha carne: eu o fiz" (mas depois criança morre estupidamente) / AP - também criança-Cristina morre em acidente.
("Godot" - nomes: eles também se perguntam quem são e respostas se apresentam paradoxais - personagem é todo o mundo e ninguém: "Abel, Caim, toda a humanidade..." / ridículo da voz gravada: o EU também muda e a pessoa não mais se reconhece - em todo o tempo há muitas pessoas; "meu nome é Abel, meu nome é Caim, meu nome é toda a humanidade..." / personagens vagabundos, expulsos pela vida, roupas chaplinianas, necessidade obsessiva de que alguém esteja junto com eles dois.)
("Rinoceronte", de IONESCO - ele também só e precisa de alguém (peso da solidão e também da sociedade) - obsessão de comunhão com os outros.)
VF - menos flagrante, menos necessidade da dávida de comunhão.
("Rinoceronte" - dois partidos políticos adversários: globistas - hierarquia, liberdade humana; verticais - não hierarquia nem liberdade humana - ao mesmo tempo, semelhantes e dissemelhantes, ambos com necessidade de nierarquia e de liberdade humana / o significado de algo depende do indivíduo que sente este significado: integração do TU pessoal e no VÓS / IONESCO, líder - "Tudo pode mudar através de nada mudar"; trabalho obrigatório se chamará trabalho voluntário, guerra se chamará paz, ódio se chamará amor etc. - "É preciso misificar para desmitificar - uma nova mistificação.")
EP - "eu não vim para ser só... mas ser fraterno junto a quem?"
VF - "A vida é um encontro, mesmo que o outro falte, mesmo que faltemos ao encontro: o importante é o encontrar." Mas encontrar quem?
4---A obsessão do divino --- quando parece surgir uma solução possível, não é aquela a solução: daí a fatalidade do questionar - frustração do encontro (consigo, com o outro etc.)
VF - "Viver é inexoravelmente ser só." - "Nada acima de nós."
("Godot" - um só necessita do outro no esperar Godot, que nunca chega - semas divinos: Godot - God = Deus.)
EP mais que AP - narrador muito perdido na narrativa.
(="Godot"): "Que é que eu disse mesmo?" - "Que é que...?" (vacuidadeda linguagem) - "Que sei eu?" "Entendo agora ou não?" / linguagem modalizante: de nada sabe, nada pode afirmar (conotação de incerteza) / incerteza conotada - verbos parecer, julgar, não saber, pensar; advérbio ou; conjunção talvez / "Godot" obsessivo - talvez, não sei, parece, pode ser; personagens se perguntam: "eu dormindo ou acordado?")
ESTRUTURA - EP = "Godot": nada acontece em "Godot", somente a espera / inúteis as perguntas em EP / ambos - tempo da narrativa é infinito; frases se repetem, situações idem.
EP - sequência 2 basicamente paralela com sequência 4: 2-Áida, fascinação e jogo de compreensão; 4-Álda, equívoco estabelecido.
ROLAND BARTHES (escritor, linguista, semiólogo) - "Não plano funcional, mas indicial" (estória).
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SIGLAS - VF, Vergílio Ferreira -- EP, "Estrela polar" -- AP. "Aparição".
FONTE:
Velho caderno didático achado num baú, sótão altamente pleno de aparições fantasmagóricas lusitanas - 1973.
F I M