Sólito III

O negro da noite unido à luz do luar montavam um belo cenário, quase árcade, sereno, luminoso, perfeito a concretização de um amor. Carecia apenas da presença de uma ninfa, uma deusa e tornar-se-ia perfeito, mas logo ela comporia aquela cena. Costumavam conversar no jardim, sentindo o cheiro das indecisões, do concreto da cidade, das baforadas dos carros velozes e poluentes que transitavam. Do interfone apenas a voz, já descerei, sentaram-se na grama e miraram o céu numa tentativa de burlar a imposição urbana e aproximar-se da natureza. Ela lhe era parte integrante do belo e natural dentre o turbilhão duro e tomado pela fuligem. Bela, mais bela que a própria lua envolta pelo reflexo de luz que a coloria, seus olhos negros como a noite e seu cheio primaveril, ela encantava de odor a dura paisagem que os envolvia. És a personificação da beleza - repetia em pensamento enquanto buscava coragem para confessá-la. O sorriso abarrotado de vermelho fogo. Era o fogo que aquecia seu apaixonado coração. Decidiu calar-se, esperá-la iniciar a conversa, afinal, estava ali a convite, isso poderia ter algum significado. Estava com saudades, tenho muito a te contar – dizia-o atormentando a ânsia. Fizeram uma seleção de música, não apenas ouviam, mas discutiam pela escolha musical enquanto cantavam em alto tom até escutarem um dos vizinhos do prédio gritar pedindo silêncio. Sorriram muito, um acenando para o outro baixar o tom da felicidade. Eram-lhe momentos incríveis. E num silêncio e olhos nos olhos confessou que reatara o namoro. Estarrecido, tentou disfarçar. Que bom – disse enquanto esvaía-se da esperança. Ele negou que havia me traído, afirmou que me amava e que desta vez seria diferente – prosseguiu ela parecendo desculpar-se. Tudo bem – respondeu-lhe. Tudo bem? Disse-lhe entonando pergunta. Sim – ele concluiu. Vamos, conte-me, soube que estavas com uma garota – indagou-o. Desviou o olhar e hesitou responder. Nada sério – contestou evocando um novo assunto. Tinham entre o maior passatempo discutirem por temas vãs, em comum tinham a música e literatura, no mais discutiam. Religião, política e economia, sempre discutiam, no futebol não, nisso também concordavam. O passar das horas cobriu a lua de acinzentadas nuvens, pensou que ao menos lhe valera a companhia, ao menos como antes, como fortes amigos.

Amanda Danielle Rocha
Enviado por Amanda Danielle Rocha em 26/09/2018
Reeditado em 26/09/2018
Código do texto: T6460541
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